Preso pela ditadura, goleiro do Almagro viveu o terror e escreveu livro...

Preso pela ditadura, goleiro do Almagro viveu o terror e escreveu livro sobre fuga

Jogador profissional e estudante universitário, Claudio Tamburrini foi vítima da ditadura argentina nos anos 1970

COMPARTILHAR
Tamburrini foi uma das vítimas da ditadura na Argentina (Foto: Reprodução)
Tamburrini posteriormente exilou-se na Suécia (Foto: Reprodução)

O ano era 1977. A Argentina estava às vésperas de sediar uma Copa do Mundo pela primeira vez, e a equipe de César Luis Menotti vivia a expectativa de buscar um troféu que até então lhe era inédito. Mas a euforia do futebol sucumbia perante a densa atmosfera que sufocava o país – e inclusive alguns jogadores, como Claudio Tamburrini.

A exemplo de outros episódios semelhantes no Cone Sul, ocorrera em 24 de março de 1976 um golpe de estado civil-militar que depôs a presidenta María Estela Martínez de Perón, também conhecida pela alcunha de Isabelita, e alçou ao poder uma junta militar que entregou o comando da nação ao inescropuloso general Jorge Rafael Videla.

Seu governo ficou marcado pela forte repressão e os graves crimes contra a humanidade, como sequestros, desaparições, assassinatos, perseguição a opositores e torturas. Estima-se que o saldo dessa ditadura tenha superado as 30 mil vítimas. Tamburrini, como pensava, logo existia, foi uma das que sofreram nos porões do regime militar.

À época estudante de Filosofia na Universidade de Buenos Aires, militante e jogador do Club Atlético Almagro, o goleiro de 23 anos foi surpreendido em sua casa na tarde de 23 de novembro de 1977, na rua Maldonado, nº 332, no bairro de Ciudadela, quando duas pessoas armadas lhe indagaram sobre sua identidade e, confirmando-a, pediram para que subisse numa van por motivos de averiguação. Aí começa sua história de terror.

De lá, sempre questionado a respeito de suas orientações ideológicas, supostas conexões e atividades políticas no centro estudantil, ele foi levado para a Mansión Sere, um centro clandestino de detenção administrado pela Força Aérea Argentina, em Buenos Aires, onde passou 120 dias encarcerado. Sem motivo, foi agredido e eletrocutado em repetidas oportunidades inicialmente ao lado de outros quatro cidadãos.

Exatos dois anos após o golpe, na madrugada de 24 de março de 1978, um desfecho épico trouxe à liberdade quatro prisioneiros, Tamburrini incluso. Dias antes, por acaso, um deles havia encontrado um prego sob a cama e usou-o, com êxito, para abrir a janela do terceiro andar, cuja trava fora removida, mas que seguia com o buraco aberto.

Nesse momento, todos planejaram a fuga. Os lençóis das camas seriam entrelaçados, as tiras de couros com as quais eles tinham as mãos e os pés amarrados antes de dormir reforçariam a corda improvisada. Depois, desceriam e correriam até achar um carro, no qual usariam o fio de ferro que segurava as persianas para fazer ligação direta.

Arquitetado o projeto, eles observavam os hábitos dos guardas e esperavam por uma brecha. No entanto, perto de 20 de março, os vigias entraram no quarto e, no lugar das agressões, fizeram-lhes ameaças. “Sabemos que estão planejando uma fuga”, explicando que os deixariam sair para apanhá-los do lado de fora. Esse fato adiou o plano.

Os prisioneiros não sabiam se os guardas diziam a verdade ou não. Só que em determinado momento a situação ficou tão insustentável que eles resolverem seguir o combinado à risca. Ou melhor, quase, pois não acharam um veículo por perto. De repente, estavam todos nus, descalços, sob uma forte chuva, sendo rastreados por um helicóptero policial.

Um dos fugitivos, Guillermo Fernandez, conseguiu pegar roupas e ligar para seu pai, enquanto seus companheiros permaneciam escondidos. Perto do amanhecer, eles foram resgatados. Inseguro, então, Tamburrini exilou-se em Estocolmo, na Suécia, meses mais tarde, depois de juntar dinheiro trabalhando como taxista. Na Europa, casou-se, teve filhos e virou renomado professor de Filosofia na Universidade de Gotemburgo.

Seu depoimento em juízo, realizado em 07 de setembro de 1985, não busca recursos narrativos eloquentes. É seco, porém comovente, carregado de significados e experiências negativas que mostram em parte os horrores vividos naqueles anos de chumbo.

Posteriormente, Tamburrini escreveu um livro sobre o ocorrido, “Passe Livre: Fuga da Mansão Seré”, que depois virou filme, “Crônica de uma Fuga.” (2006), dirigido por Adrián Caetano. A propriedade foi dinamitada e hoje abriga a Casa da Memória e da Vida da Direção de Direitos Humanos local, que, assim como a obra do ex-goleiro, tem o objetivo de perpetuar a memória para que eventos assim nunca voltem a acontecer.

Deixe seu comentário!

comentários