Qual o segredo da Ferroviária na Série A2?

Qual o segredo da Ferroviária na Série A2?

Líder, time de Araraquara também mostra o futebol mais empolgante do torneio

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Milton Mendes comanda a Ferroviária (Foto: Leonardo Fermiano/Ferroviária S/A)
Milton Mendes comanda a Ferroviária (Foto: Leonardo Fermiano/Ferroviária S/A)

Quando o Paraná anunciou Milton Mendes como novo técnico, em dezembro de 2013, os torcedores do clube ficaram surpresos. Nenhum deles, provavelmente, já havia ouvido falar do novo líder da comissão técnica. Obviamente, ficaram de pé atrás.

No currículo de Mendes (que pode ser encontrado no Google, inclusive), passagens por Vasco e Criciúma no final da década de 1990, tendo sido revelado como lateral pela equipe carioca. E, entre 1987 e 2002, uma carreira de relativo sucesso como meia em clubes menores de Portugal, à exceção do Belenenses. Por lá, ficou conhecido com MacGyver, devido ao seu mullet esvoaçante. Pelo menos é o que circula na web.

Com o passar dos anos, lá se foram os cabelos e os tempos de jogador. Imediatamente após encerrar a carreira, Milton começou outra – assumiu o modesto Machico, clube da segundona portuguesa, clube pelo qual atuava. Ficou por três temporadas, até passar brevemente pelo pequenino Bom Sucesso (o português, não o carioca). Voltou ao Machico e ainda foi auxiliar no Marítmo, clube de maior expressão.

Mostrando estar à procura de sucesso, Milton concluiu todos os níveis de treinamento de técnicos da Uefa, concluindo em 2008. Acabou deixando Portugal e chegando ao Catar, assumindo o Qatar SC, clube pelo qual conquistou a Copa do Príncipe em 2009.

Passou ainda pelo Al-Shahaniya antes de chegar ao Brasil. No Paraná, o técnico sabia que o desafio seria imenso, mas não que seria impossível. A equipe, que hoje ameaça fechar as portas, passava desde então por grave crise financeira, motivo que pode ter levado à aposta em Mendes na ocasião. Assim, o comandante teria de lidar com fatores extracampo além da pressão de disputar a Série B brasileira, um salto e tanto para sua carreira.

Não deu certo. Os jogadores não compraram sua filosofia, talvez por falta de entendimento, talvez por falta de técnica, ou por desinteresse provocado pelos salários atrasados. Milton deixou o Paraná três meses depois, logo após ser eliminado pelo sub-23 do Atlético no Campeonato Paranaense de 2014, com seis vitórias, quatro empates e quatro derrotas.

Mas em outubro daquele ano o destino sorriu novamente para o treinador. Foi contratado pela Ferroviária em meio à disputa da Copa Paulista. Milton teria muito menos holofotes, mas muito mais espaço para trabalhar, sem a mesma pressão de antes.

As letras miúdas, contudo, diziam que o técnico teria a missão impossível de classificar o time para a quartas após três derrotas consecutivas na segunda fase. É claro que a Ferroviária não conseguiu, mas ao menos mostrou um futebol melhor, conseguindo até mesmo vencer o Atlético Sorocaba fora de casa. Milton e seus comandados perderam mais duas, mas foi o suficiente para que o treinador seguisse para a disputa da Série A2.

O tradicional clube de Araraquara está desde 2011 no segundo escalão paulista, e desde 1996 fora da elite. Começou 2015 distante de qualquer favoritismo, trabalhando silenciosamente. Como de praxe em qualquer clube paulista que não participou do Brasileirão, o elenco foi completamente reformulado para a disputa do estadual.

Com isso, Mendes teve o tempo necessário para estudar os possíveis reforços e trabalhar na construção de sua equipe. No pacote araraquarense, estava Danilo Sacramento, Tiago Adan, Rodolfo, Rodrigo, Renato Xavier, Jairo, Bruno Moraes, Luan, Cleidson e muitos outros. Alguns que já estavam desde a Copa Paulista permaneceram, como Alan Mineiro e Roberto.

Alan Mineiro é o artilheiro da Ferrinha na A2 (Foto: Leonardo Fermiano/Ferroviária S/A)
Alan Mineiro é o artilheiro da Ferrinha na A2 (Foto: Leonardo Fermiano/Ferroviária S/A)

O técnico iniciou a Série A2 sem muitas inovações. Um 4-4-2 clássico, com a linha de quatro defensiva, um volante, três meias e dois atacantes (Rodolfo, Paulo Henrique, Neguete, Luan e Cleidson; Edson Magal, Milton Júnior, Alan Mineiro e Danilo Sacramento; Elder Santana e Tiago Adan). A estreia, fora de casa contra a Catanduvense, foi decepcionante – empate em 0 a 0.

Milton não esperou e decidiu colocar em prática seus conhecimentos adquiridos no futebol europeu, especialmente nos cursos da Uefa. Tirou o lateral esquerdo Cleidson e escalou o volante Renato Xavier. Sacou o experiente e rodado Danilo Sacramento para colocar o atacante Fio. O time ficou muito mais ofensivo, com três defensores, três volantes (Milton Júnior atuando mais recuado e Xavier cobrindo a lateral-esquerda), um meia (Alan Mineiro) e um trio de ataque, formado por Elder, Tiago e Fio.

Em casa, contra a Matonense, pela segunda rodada, a Locomotiva voltou a funcionar. Mas não pelo 3-4-3. Renato Xavier foi forçado a sair logo aos 34 minutos. Entrou o lateral Alcides, mudando o time para um 4-3-3. Tiago Adan e Paulo Henrique marcaram os gols da vitória por 2 a 1, de qualquer forma.

A partir daí, a Ferroviária foi mudando as peças por motivos técnicos, de suspensões ou de lesões, mas sem alterar a tática. Com isso, conseguiu estabelecer um padrão de jogo – ofensivo até marcar gols, depois segurando o resultado – e embalou. Foram cinco vitórias consecutivas (Matonense, Atlético Sorocaba, Água Santa, Comercial, Paulista), que levaram a Locomotiva a assumir a liderança da A2.

Foi então que veio o lanterna Batatais. O time de Milton Mendes era tão ofensivo que se dava ao luxo de contar com Roberto na lateral-esquerda. O típico jogador apoiador, quase nulo defensivamente, que daria muito mais certo no meio de campo do que na defesa. O gol da vitória do azarão por 1 a 0 surgiu justamente do setor de Roberto, com um passe para Flávio bater de fora da área e marcar, tirando a Ferrinha da liderança.

A estratégia do lanterna foi a mesma de qualquer equipe que briga contra um possível descenso: recuar todos os jogadores, deixar o adversário atacar e esperar a brecha que o sistema queria. Deu certo.

Alan Mineiro marcou três na vitória sobre o Rio Branco (Foto: Leonardo Fermiano/Ferroviária S/A)
Alan Mineiro marcou três na vitória sobre o Rio Branco (Foto: Leonardo Fermiano/Ferroviária S/A)

Milton assimilou o golpe, tirou o Roberto dos titulares, mas não o descartou. O rápido e habilidoso apoiador passou a ser o sixth man (termo basqueteiro para o reserva número um de uma determinada equipe) da Ferroviária, entrando no decorrer dos jogos para dar mais velocidade ao meio de campo. A entrada do atleta seria fundamental na vitória sobre o Mirassol, na rodada seguinte, quando chegou a dar uma precisa assistência em um cruzamento para a área.

A derrota para o Batatais, então, virou passado. O time reassumiu a ponta, seguiu invicto em casa e mostra definitivamente o futebol mais empolgante do torneio. Com um quê da escola espanhola de futebol, a Ferroviária prioriza passes curtos e evita chuveirinhos. Quando um jogador está com a bola, outros dois aproximam para dar opção, formando a “regra de três” ou a estratégia dos triângulos. Apesar disso, também cabe críticas. No melhor estilo Mano Menezes, o técnico catarinense costuma fazer o time recuar quando está à frente no placar.

Resta saber se todo o potencial de Milton e de seu time será aproveitado. Com nove rodadas disputadas, ainda é cedo para falar sobre o acesso. A equipe ainda corre risco de perder o fôlego, mas, certamente, já mostra em terras araraquarenses o melhor futebol visto em décadas. Méritos para o treinador, que enfim mostra seu cartão de visitas ao Brasil.

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