O sonho interrompido de Laurie Cunningham

O sonho interrompido de Laurie Cunningham

"Dançarino" inglês foi aplaudido pela torcida do Barcelona enquanto jogava pelo Real Madrid

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A partida que consagrou Cunningham, em 1980 (Foto: Reprodução)
A partida que consagrou Cunningham, em 1980 (Foto: Reprodução)

Na histórica rivalidade entre Barcelona e Real Madrid, alguns episódios se destacam. O 3×0 aplicado pelo Barcelona em pleno estádio do rival em 2005 é um deles. Não apenas pelo resultado, mas por uma cena marcante: d\epois de uma partida extraordinária, Ronaldinho foi aplaudido de pé pela torcida madridista.

Mas o brasileiro não foi o único a ter seu talento reconhecido pela torcida rival durante o grande clássico. Bem antes dele, em 1980, o inglês Laurie Cunningham já havia feito o mesmo, embora com cores invertidas. Jogando pelo Real, colocou os culés de pé para aplaudirem-no.

A história de Cunningham é rica o bastante para ser contada desde o início. Nascido em 1959, na cidade de Londres, o habilidoso ponta-esquerda chegou a ser recusado pelo Arsenal antes de chegar ao Leyton Orient, com 15 anos.

Com estilo bastante incomum para o futebol inglês da época, misturando a velocidade com um vasto repertório de dribles, Cunnningham não demorou para ser alçado ao time principal. Em 1977, chamou a atenção do West Bromwich, e sua carreira decolou de vez.

Vale lembrar que durante a década de 1970 o futebol inglês ainda não estava muito habituado a contar com atletas negros. Só que o talento e o carisma de Cunningham superavam a barreira racial. Pelo West Bromwich, tornou-se o primeiro negro a ser convocado pela seleção sub-21 da Inglaterra.

Cunningham, Batson e Regis; Three Degrees (Foto: Reprodução)
Cunningham, Batson e Regis; Three Degrees (Foto: Reprodução)

Mas o Bromwich ainda contava com outros dois atletas negros, Cyrille Regis e Brendon Batson. A sintonia entre eles tornou o trio em uma das sensações do país na época, rendendo o apelido de “Three Degrees”, lembrando o grupo musical que fazia sucesso nas rádios durante a década.

A homenagem fazia ainda mais sentido para Cunningham, que parecia jogar por música, com seus passos cheios de gingado dentro de campo. Algo que não vinha à toa, já que o canhoto costumava disputar competições de dança em dias de folga. Com o dinheiro conquistado nesses eventos, pagava as multas pelos atrasos nos treinos.

Esse problema disciplinar, inclusive, foi uma das razões para que os grandes times da Inglaterra ficassem com um pé atrás com Cunningham. Isso liberou que um gigante de fora chegasse com tudo para contratar o jovem astro em 1979. Ninguém menos que o Real Madrid.

Era a primeira vez que os merengues contratavam um jogador inglês. E não foi por pouca coisa: 950 mil libras, valor surreal para a época. O retorno parecia imediato, com Cunningham marcando dois gols logo na estreia.

Ainda naquela temporada aconteceria o fatídico duelo contra o Barcelona. O Real, no topo da tabela, precisava de uma vitória no Camp Nou pra aumentar sua vantagem. E Cunningham aprontou tudo o que podia. Driblou, deu grandes passes e, principalmente marcou os dois gols da vitória por 2×0. O Camp Nou, lotado, aplaudiu.

Parecia que um novo ídolo estava se formando. O inglês ajudou o Real Madrid a garantir os títulos da Liga e da Copa do Rei naquele ano, mas acabou ficando de fora da lista de convocados de seu país para a Euro de 1980.

Ser ausência no torneio continental abateu Cunningham. Nas temporadas seguintes pelo Real Madrid, as boas exibições ficaram mais raras. Mesmo sendo um dos xodós da torcida, amargou várias partidas no banco.

Ainda nesse período, surgiu um fantasma que atormentaria o atleta por muito tempo: as seguidas lesões que o impediram de manter uma boa sequência. Foi emprestado para o Manchester United, e depois para o Sportin Gijon, onde mal jogou.

Em 1984, ao voltar do Gijón, Cunningham ficou sabendo que seu contrato com o Real Madrid não seria renovado. Foi para o Olympique de Marseille, onde voltou a jogar um futebol satisfatório. Mas as lesões o acompanharam.

A partir daí, o jogador passou por uma série de clubes, entre eles o Leicester e o Wimbledon, e a sina de se machucar continuava. Em 1988, Cunningham desembarcou no Rayo Vallecano.

Estava em Madrid novamente, um recomeço na cidade onde tudo poderia ter dado certo antes. E a primeira temporada pelo clube foi promissora. Jogando em um estilo diferente do que havia o consagrado, Cunningham marcou o gol que garantiu o acesso do Rayo para a primeira divisão.

Mas a ascensão seria interrompida abruptamente. No dia 15 de julho de 1989, durante suas férias, o jogador não resistiu a um acidente de carro em Madrid. Era o fim trágico de um grande jogador que poderia ter sido ainda maior.

Cunningham seria homenageado pelo governo inglês com uma “Placa Azul”, símbolo da ligação entre uma personalidade e um local, instalada na rua da casa onde viveu sua infância, em Londres. Talvez não houvesse necessidade de placa alguma. O nome do inglês de drible fácil já estava marcado pra sempre.

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