Pahiño, um artilheiro contra o autoritarismo

Pahiño, um artilheiro contra o autoritarismo

Atacante teve sua carreira na seleção abreviada por zombar do autoritarismo de Francisco Franco

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Pahiño recebe o troféu Pichichi referente à artilharia do Espanhol de 1952 (Foto: Reprodução)
Pahiño recebe o troféu Pichichi referente à artilharia do Espanhol de 1952 (Foto: Reprodução)

Quando o regime ditatorial liderado pelo general Francisco Franco tomou conta da Espanha, na década de 1930, a Galícia foi uma das primeiras regiões a conhecer os horrores do fascismo. Haviam três notórios campos de concentração e extermínio na região, sendo um deles na cidade de Vigo.

Foi nesse contexto em que cresceu Manuel Fernandez Fernandez, mais conhecido como Pahiño, um apelido derivado do sobrenome de seu pai. E a ligação de Pahiño com o pai ia além do laço sanguíneo e de seu apelido, alcançando também o espectro político e influenciando em sua carreira como jogador de futebol.

Pahiño nasceu em 1923, e quando adolescente viu o pai escapar duas vezes dos “passeios” do regime Franco, prática em que potenciais opositores do regime eram tirados de suas casas durante a noite, fuzilados e largados em valetas. A aversão ao regime do jovem Manuel nascia ali.

Mas enquanto isso florescia a paixão pelo futebol. A relação com o principal clube da cidade, o Celta, parecia escrita no destino, já que Pahiño nasceu no mesmo ano em que a agremiação foi fundada. Aos 20 anos o atacante estreou pelo time profissional, provocando um impacto imediato.

O estilo de Pahiño dentro de campo, agressivo e imponente, combinava com seu inconformismo fora dele. Era um camisa nove clássico, capaz de se impor contra os marcadores tanto na técnica quanto na força. Ciente de sua importância para o time e disposto a comprar brigas quando considerava algo injusto, ameaçou largar o Celta quando percebeu que os atletas formados pelo clube ganhavam menos que os que vinham de fora.

Depois de muita briga, venceu a batalha. E na temporada seguinte ao acordo, a de 1947-48, mostrou que o investimento valia a pena. Com 21 gols em 22 partidas, sagrou-se artilheiro do Campeonato Espanhol, superando contemporâneos do calibre de Telmo Zarra, uma das maiores lendas do futebol local.

O desempenho rendeu o interesse do Real Madrid, que contratou Pahiño ao final da temporada. Ele também acabaria convocado para a seleção espanhola para um amistoso contra a Suíça, onde teria uma chance de brigar pela titularidade com Zarra. Mas um incidente neste jogo marcaria o restante de sua trajetória com a camisa da “Roja”.

A Espanha foi para o intervalo com uma vitória parcial por 2×1, com um dos gols marcados por Pahiño. No vestiário, o time recebeu a visita do general Gomez Zamalloa, porta-voz da Federação Nacional de Esportes do país. Zamalloa fez um discurso motivador parabenizando a equipe pelo resultado de momento e pedindo “cojones y españolismo” (colhões e espanholismo) para o segundo tempo. Ouviu-se um riso abafado e irônico.

Era o riso de alguém que não se conformava em ver o mesmo regime que havia matado covardemente tantos vizinhos e amigos seus pedir bravura de meros jogadores. O pequeno chiste de Pahiño não passou batido. Ele não voltou a campo para o segundo tempo, e só voltaria a vestir a camisa da seleção mais duas vezes em sua carreira, sendo uma delas em sua despedida oficial dos gramados, em 1955. Marcou mais dois gols, garantindo a média de um por jogo.

A perseguição por conta do comportamento “subversivo” parecia clara. O jornal “Arriba”, uma das publicações oficiais do regime franquista, chegou a fazer um artigo sobre o jogador com o título “O que esperar de alguém que lê Tolstói e Dostoievski?”.

De fato, Pahiño era um ávido leitor não só destes dois, mas também de autores como Ernest Hemingway e Ramon Cabanillas, que na época eram relacionados ao comunismo. Segundo relatos de colegas, era comum vê-lo lendo enquanto os outros jogadores saíam para atividades externas ou conversavam no ônibus.

Mas o desempenho pelo Real Madrid era impressionante. A equipe merengue só contaria com seu esquadrão histórico, liderado por Di Stéfano, a partir de 1953, justamente o ano em que Pahiño deixou o clube. Mas enquanto vestiu o uniforme branco, ele cumpriu com maestria seu papel de artilheiro. Foram 128 gols em 142 partidas, média de 0,9 por jogo que só seria superada por Cristiano Ronaldo, seis décadas depois. Ainda conquistou sua segunda artilharia de Campeonato Espanhol, na temporada 1951-52.

Saiu do Real Madrid brigado com o presidente Santiago Bernabeu, que tinha uma política de não renovar por mais de um ano com jogadores acima dos 30. Só conseguiu se transferir depois de assinar um compromisso de que não iria para o rival Atlético. Acabou parando no Deportivo La Coruña.

De volta à sua região natal e agora veterano, Pahiño diminuiu um pouco o ritmo de gols, mas continuou com algumas atuações importantes. Em sua terceira e última temporada pelo clube, conseguiu se vingar de Santiago Bernabeu ao marcar os dois gols da vitória do Deportivo sobre os merengues.

O atacante se transferiu então para o Granada, onde jogaria somente uma temporada antes de pendurar suas chuteiras. Encerrou sua trajetória profissional com 270 gols e o status de um dos maiores artilheiros do futebol espanhol, mesmo que a seleção o tenha ignorado. Pahiño morreu em 2012, aos 89 anos, não antes de deixar uma “explicação” sobre o que poderia ter sido sua carreira: “Gozei do pior dos amores: O amor próprio”.

 

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