Os pilares perdidos de uma geração órfã

Os pilares perdidos de uma geração órfã

"Quarteto mágico" de 2005 podia ter facilitado o caminho para o sucesso dos jogadores atuais

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No mundo do futebol, o processo de aceitação de fracassos costuma ter várias fases. Uma delas é quase inevitável: relembrar os bons momentos do passado e compará-los à situação atual. As últimas eliminações da seleção brasileira, por exemplo, trazem à tona uma série de questionamentos a respeito do real valor da geração de jogadores que vestem a amarelinha atualmente.

Mesmo que o problema seja muito mais ligado à falta de estrutura e organização do futebol brasileiro (em vários níveis) do que propriamente da ausência de talento, uma coisa é clara: A fonte de craques que deixou o Brasil mal (ou bem) acostumado nas duas últimas décadas diminuiu seu fluxo.

Como exemplo, vale voltar 10 anos no tempo. Em 29 de junho de 2005 o Brasil atropelava o forte time argentino de Sorín, Riquelme e Tevez na final da Copa das Confederações, realizada na Alemanha. O 4×1, inquestionável e até modesto para o espetacular futebol apresentado pelo time comandado por Carlos Alberto Parreira naquele jogo, mandava um recado para o resto do mundo: o futebol brasileiro exige respeito.

O Brasil era como um leão que rugia alto para meter medo e mostrar quem era o rei. A confirmação da hegemonia naquela época veio mesmo com a ausência de algumas estrelas da constelação. Ronaldo, Roberto Carlos e Cafu, entre outros poupados, não participaram do torneio. E nem precisavam.

Isso porque além de grandes jogadores como Dida, Lúcio, Zé Roberto e Juninho Pernambucano, a seleção contava com um quarteto ofensivo que parecia imparável.

Kaká já começava a ser ídolo no Milan depois de uma ótima campanha na Liga dos Campeões. Ronaldinho transformava cada toque na bola em uma obra de arte em Barcelona. Robinho era indiscutivelmente o melhor jogador em atividade no país, e se preparava para vestir a camisa do Real Madrid, onde tinha tudo pra realizar seu sonho de ser o melhor do mundo. E ainda tinha Adriano, com uma canhota tão explosiva quanto seu comportamento fora de campo.

O quarteto campeão em 2005 (Foto: Divulgação/FIFA)
O quarteto ofensivo campeão da Copa das Confederações em 2005 (Foto: Divulgação/FIFA)

Esse era o protótipo do famigerado “Quadrado Mágico”, que ainda sofreria uma alteração (a substituição de Robinho por Ronaldo) para assustar mais ainda os adversários, até afundar na Copa de 2006. As críticas após a derrota para a França naquele Mundial focaram na falta de preparação adequada, concentração dos atletas e até mesmo em um possível desinteresse, mas jamais foi colocado em xeque o nível técnico do time.

O tal quarteto, portanto, não estava pronto para brilhar em 2006, mas esperava-se que seus componentes ainda deveriam liderar a equipe em pelo menos outras duas Copas. Kaká e Adriano tinham 23 anos, Ronaldinho contava 26, e Robinho apenas 21. Tinham tudo para dar muitas alegrias à seleção futuramente, mais maduros. Mas algo se perdeu no meio do caminho.

Kaká ainda foi o vértice mais proeminente do quadrado, se tornando melhor do mundo em 2007. Mas as seguidas lesões atrapalharam seu desempenho no Mundial de 2010 e impediram que mostrasse o suficiente para chegar inteiro em 2014. Ronaldinho iniciou um processo de decadência após a Copa na Alemanha, parecendo cada vez mais desinteressado e mostrando apenas lapsos do brilho de outrora.

Robinho foi importante para o Brasil na Copa América de 2007, mas não conseguiu evitar a eliminação em 2010 e acabou longe de ter a carreira que se esperava nos clubes europeus. Já Adriano se tornou um triste exemplo de talento bruto desperdiçado por conta de fatores extracampo.

Quatro craques que podiam, tranquilamente, estar defendendo as cores verde e amarela até hoje, mas que por diferentes motivos privaram o torcedor brasileiro de seu talento. Deixaram um vácuo na geração atual, que nasceu órfã, sem referenciais dentro de campo que pudessem facilitar a missão de levar o hexa em casa no ano passado, pavimentando o caminho para atletas mais jovens e diminuindo a pressão sobre eles.

Oscar é um dos representantes da geração órfã de referenciais (Foto: Divulgação/FIFA)
Oscar é um dos representantes da geração órfã de referenciais (Foto: Divulgação/FIFA)

Como não pensar, por exemplo, que seria muito mais fácil para o genial Neymar desenvolver ainda mais seu potencial na seleção se tivesse o auxílio de Robinho, repetindo o sucesso da parceria no Santos de 2010? Ou imaginar como seria se Oscar não tivesse sobre seus ombros o peso de armar as jogadas ofensivas, podendo tabelar com Kaká ou Ronaldinho? E Adriano, em forma e motivado, com certeza seria o terror das defesas adversárias dentro da área, se não fossem as inúmeras turbulências que abreviaram seu auge.

São muitos “se”. Tantos que parecem tornar a especulação inútil, virando apenas um exercício barato de exaltação à nostalgia. Mas em um momento de crise, acaba sendo até um conforto lembrar o passado dourado e tentar misturá-lo ao presente para tentar mudar uma realidade sem brilho.

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