Os duelos mais sangrentos da Copa Intercontinental – Parte I

Os duelos mais sangrentos da Copa Intercontinental – Parte I

COMPARTILHAR

O ano vai acabando, e uma das opções que sobram para os fãs de futebol é acompanhar o Mundial de Clubes, que ocorre no Japão. Mesmo com um novo formato, um questionamento segue sendo feito após cada edição: Qual é o real valor que os europeus dão ao torneio?

Sem dúvida, o ápice para os gigantes da Europa continua sendo a conquista da Liga dos Campeões, com o Mundial sendo uma espécie de cereja do bolo. Mas o frequente “pouco-caso” do Velho Continente vem de longa data, desde os tempos em que a competição era chamada de Copa Intercontinental.

Durante a década de 1970, por exemplo, houve uma espécie de boicote dos europeus. Nos anos de 1971, 1973, 1974, 1977 e 1979, os campeões continentais abdicaram do direito de participar do confronto contra o campeão da América do Sul, dando lugar ao vice.

Em 1975 e 1978, a Copa Intercontinental sequer foi disputada, por falta de acordo entre equipes para organizar as datas. As únicas edições “normais” naquela década foram em 1972, com vitória do Ajax sobre o Independiente, e em 1976, com o Bayern derrotando o Cruzeiro.

Além do sentimento de superioridade, os europeus tinham um outro motivo para evitar esses confrontos. Durante três edições seguidas da Copa Intercontinental, entre 1967 e 1969, as equipes sul-americanas mostraram que estavam dispostas a praticamente tudo para ganhar o título, o que rendeu duelos com ares de guerra.

Violência, provocações, intimidações, catimba, enfim, de tudo um pouco, indo além dos limites das quatro linhas. Confira como essas partidas acabaram virando um tormento para os times da Europa:

Racing x Celtic – 1967

A final intercontinental daquele ano reuniu dois times com belas histórias na bagagem. O histórico Racing de Juan José Pizzuti chegava com a moral de quem havia conseguido, há pouco tempo, uma sequência invicta de 39 partidas.

Já o Celtic, então comandado pelo lendário Jock Stein, tinha um time extremamente caseiro, sendo que quase todos os atletas eram da região de Glasgow.

Duas equipes que mesclavam a técnica com a bravura, e haviam feito uso desta mistura para se sagrarem campeãs em seus respectivos continentes. A Copa Intercontinental, seria, portanto, não apenas uma batalha esportiva, mas também uma disputa repleta de contatos físicos e tensão psicológica.

No jogo de ida, na Escócia, o Celtic levou a vantagem com um magro placar de 1×0, gol marcado pelo capitão Billy McNeill. Mesmo com a vitória, o time sentiu a carga física, com atletas saindo lesionados e até com olho roxo. Stein chegou a dizer que não havia nenhum jogador que não precisasse de tratamento médico.

Primeiro confronto foi marcado por entradas duras e tensão (Foto: Reprodução)
Primeiro confronto foi marcado por entradas duras e tensão (Foto: Reprodução)

Na volta, em Avellaneda, a torcida do Racing transformou o Cilindro em um caldeirão, algo inédito para os escoceses, que pela primeira vez cruzavam a linha do Equador. Logo no aquecimento, o goleiro Ronnie Simpson foi atingido por uma pedra atirada por torcedores do Racing, precisando ser substituído por John Fallon.

Dentro de campo, o Racing adotou uma postura tão agressiva quanto a de sua hinchada, mas dessa vez no bom sentido, pressionando o Celtic em seu campo de defesa. No entanto, aos 21 minutos, o goleiro Cejas derrubou o atacante Johnstone. Pênalti convertido por Tommy Gemmel, apesar dos esforços dos fotógrafos à beira do campo, que tentavam distrair o escocês.

A desvantagem havia aumentado, mas o aguerrido time do Racing não ia se entregar tão rápido. Botando a bola no chão e fazendo o que sabia fazer, os argentinos chegaram ao empate com um gol de cabeça de Raffo.

Logo no início da segunda etapa, o astro Juan Carlos Cárdenas sacramentou a virada, mudando a história da final. O Racing havia ressuscitado, inflamado ainda mais sua torcida e forçado o jogo extra. Mas a guerra ainda tinha alguns capítulos a serem escritos.

Logo após o apito final do uruguaio Eteban Marino, torcedores argentinos invadiram o vestiário do Celtic para intimidar os adversários. O episódio irritou os visitantes, que deixaram claro seu desejo de não disputar a partida-desempate, que estava marcada para dali a três dias, em Montevidéu.

Era possível dividir as 65 mil pessoas presentes no estádio Centenário entre argentinos fanáticos que haviam cruzado a fronteira e uruguaios que haviam adotado o Celtic por conta da rivalidade com o país vizinho. Pelo ambiente criado nos jogos anteriores e a tensão nas arquibancadas, estava montado o palco para a “Batalha de Montevidéu”.

Desde o início, ficou claro que o árbitro paraguaio Rodolfo Perez Osorio teria trabalho. Primeiro, com um tumulto generalizado após uma falta de Rulli em Johnstone, que acabou se transformando em empurra-empurra entre os dois times e precisou ser abafado pela entrada da polícia em campo.

thecelticwiki.com_
Polícia uruguaia precisou intervir para apartar a briga (Foto: Reprodução)

Depois, Bobby Lennox e Alfio Basile partiram para a briga e acabaram expulsos. Apesar do jogo agora ser de dez contra dez, o Racing parecia mentalmente muito mais forte que o Celtic, que havia sucumbido às provocações.

Johnstone também acabaria expulso, após dar um soco em Rulli. O Racing não demorou para aproveitar a vantagem numérica, e abriu o placar com um chutaço de Cárdenas que entrou no ângulo do goleiro.

O golaço de Cárdenas definiu o título do Racing (Foto: Reprodução)
O golaço de Cárdenas definiu o título do Racing (Foto: Reprodução)

Aquele seria o último momento de futebol na partida. Logo após o gol, Hughes foi expulso por agredir o goleiro Cejas, que demorava para colocar a bola em jogo. Na sequência, Rulli desferiu um soco em Clark e também foi para o chuveiro. A encrenca chegou a tal ponto que o zagueiro Bertie Auld também foi expulso, mas se recusar a sair de campo, jogando a partida até o fim. O caos era total.

O Racing se sagrou campeão, o que acabaria sendo o primeiro título intercontinental de uma equipe argentina. Mas o clube alviceleste não pôde nem mesmo dar uma volta olímpica, por conta da chuva de objetos arremessados em campo pelos uruguaios presentes no estádio.

Os escoceses voltaram para a Europa derrotados e revoltados com o espírito bélico da decisão. O mais irritado era justamente o técnico Jock Stein, que disse que “não levaria mais seu time para a América do Sul nem por todo o dinheiro do mundo”. A diretoria do clube ainda multou os jogadores envolvidos nas confusões, justificando que eles não poderiam ter caído nas provocações.

Este seria o primeiro capítulo de uma série de duelos sangrentos entre sul-americanos e europeus. Na próxima parte do especial, conheça a história por trás da final de 1968, entre Estudiantes e Manchester United.

Deixe seu comentário!

comentários