A implacável maldição dos camisas 9 do Argentino

A implacável maldição dos camisas 9 do Argentino

Centroavantes que se destacam em uma temporada na Liga Argentina não garantem carreira sólida nos anos seguintes; entenda

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O colonialismo europeu futebolístico não é exclusivo do Brasil. Está na América do Sul inteira: os craques vão para a Europa, em busca de dinheiro, badalação e seguidores no Instagram, não necessariamente nesta ordem, e as ligas locais têm de se virar com a sobra.

Mas calma lá, segure o vira-latismo. Não é que os que estão aqui são perebas, longe disso – o autor do texto não é o Flávio Prado. Tampouco ótimos jogadores, como gosta de afagar o puxa-saco comentarista Caio Ribeiro.

São jogadores profissionais de alto nível, só isso. Atletas que, caso tentem a sorte lá fora, não serão muito diferentes do John Fish do United FC, ou do Juan Juanito do CF Corrida de Toro, ou do Andrea Maccarone do AC Pepperoni. Qualquer país com um mínimo de tradição no chutebol consegue fabricar dezenas deste tipo sem precisar importá-los.

E não é preciso ser um vidente para saber que uma hora ou outra um camisa 9 aqui e outro ali vai sair fazendo gols a rodo naquela temporada sonolenta.

Primeiro que é o atleta do time que joga mais perto do gol alheio. Segundo que alguém tem que ser artilheiro, é a lógica. Terceiro vem o fator rabo virado pra lua – decisão certa na hora certa no lugar certo, sucessivamente ao longo do ano. É aí que entra a imprensa.

Ah, a imprensa.

Entenda nosso lado. Todo dia há uma página/vídeo em branco que deve ser preenchida com alguma bobagem informação. Qualquer fato novo é lucro, e elogiar criticando é mais confortável do que só criticar. “Por que aquele camisa 9 não está na seleção?”.

Começa assim a supervalorização do jogador, confundindo boa fase com talento puro. Depois de muito apanhar, a imprensa brasileira está um pouco mais calejada em sair idolatrando qualquer um que faça seus golzinhos por aqui. Por outro lado, a imprensa argentina segue sem freio.

Basta uma grande torcida se empolgar com um jogador para que a imprensa embarque junto. O lobby leva esses atletas até para a seleção de lá, mesmo com tantas opções para o ataque hermano. E é aí que surge a urucubaca.

A maldição é simples: gols, grande temporada do time, passagem pela seleção, venda para outra equipe e volta para a casa com pompa pouco tempo depois, que logo se revela uma decepção. Eventualmente, um ou outro tópico acima fica de fora, mas a zica é a mesma. Veja só:

Ignacio Scocco

Scocco já teve mais prestígio na Argentina (Foto: Reprodução)
Scocco já teve mais prestígio na Argentina (Foto: Reprodução)

Para o torcedor do Newell’s Old Boys, 2013 é inesquecível. Depois de um longo ostracismo, o time saiu do limbo e voltou a ser competivivo. Foi vice-campeão do Clausura, levantou o caneco do Apertura e ainda por cima tirou onda ao chegar às semifinais da Libertadores.

Scocco era um dos grandes nomes daquele time, senão o maior. Foram 30 gols marcados, com direito a artilharia do Campeonato Argentino e vice-artilharia da Libertadores, ao lado de Diego Tardelli, então no Atlético-MG. Foi parar até na seleção.

O atacante estava no auge, e bastou a imprensa noticiar a compra do jogador pelo Inter para voltar a velha máxima do “Inter tem um elenco forte e é favorito ao título brasileiro”. Pode ser que isso tenha sido forte demais para a boa sorte do pobre Scocco.

Hoje, se você não é torcedor do Inter, talvez nem lembre de um gol dele por aqui. Ou talvez nem sendo colorado mesmo – foram só quatro tentos. A passagem foi tão apagada que seis meses depois o atacante estava desembarcando na Inglaterra para jogar no Sunderland, numa das transferências mais aleatórias do passado recente.

Do jeito que foi voltou, e, um ano depois de sair, estava de volta ao NOB. Não jogou mal, é verdade, mas esteve longe daquele brilho de 2013. Chegou recentemente ao River como aposta para o Campeonato Argentino e para o restante da Libertadores. A aguardar.

Emmanuel Gigliotti

Gigliotti "parou" depois do Colon (Foto: Reprodução)
Gigliotti “parou” depois do Colon (Foto: Reprodução)

No mesmo ano em que Scocco foi artilheiro do Campeonato Argentino, dividiu o posto com um tal Emmanuel Gigliotti, então no Colón. Foram 23 gols naquela temporada, o suficiente para a imprensa inflar a bola do centroavante e despertar o interesse do Boca.

A primeira temporada em La Bombonera não foi ruim na estatística, com 16 gols marcados, mas o prestígio do jogador foi caindo pouco a pouco, a ponto da torcida xeneize dar graças a Deus com a vinda do cantor de rock Dani Osvaldo para o ataque.

O delantero foi vendido para um time da China, fez um dinheiro e voltou no começo do ano como principal contratação para o Independiente. A torcida não ficou muito empolgada. Hoje, virou reserva.

Mauro Matos e Martín Cauteruccio

Matos está perto da aposentadoria (Foto: Reprodução)
Matos está perto da aposentadoria (Foto: Reprodução)

Nada como um título de Libertadores para te transformar em craque. O que dizer então se era inédito? E se antes de ganhar a América ainda havia conquistado a Argentina também? Meu Deus. Só um time de fé como o San Lorenzo para te proporcionar isso.

Mas nem o papa salvou da maldição as carreiras de Matos e Cauteruccio, a dupla de ataque da equipe nesses anos sagrados. Depois de grande temporada, os dois vieram cercados de expectativas para o ano seguinte.

As preces não foram atendidas. A dupla foi parar no banco. Matos caiu de 15 gols para 1, enquanto Cauteruccio de 16 para 4.

O veterano Matos acabou emprestado na metade do ano para o Newell’s, e depois ao Gimnasia, sem render em ambos. Está sem clube hoje, prestes a encerrar a carreira.

Cauteruccio foi importante no título da Libertadores do San Lorenzo (Foto: Reprodução)
Cauteruccio foi importante no título da Libertadores do San Lorenzo (Foto: Reprodução)

Já o uruguaio ainda teve sua redenção no ano passado, com 12 gols em 18 jogos, mas a direção do clube já estava macaca velha com o ídolo – vendeu na primeira proposta que apareceu, do Cruz Azul, do México. Um ano depois, segue alternando banco com titularidade. Gols, quando acontecem, são milagres.

Téo Gutierrez

Téo Gutierrez nunca mais foi o mesmo após grande temporada pelo River (Foto: Reprodução)
Téo Gutierrez nunca mais foi o mesmo após grande temporada pelo River (Foto: Reprodução)

Téo é um caso emblemático, porque bastou uma temporada e dois títulos para ludibriar a Argentina, o Brasil, Portugal e até sua seleção natal. Alô, Interpol!

Mas não culparemos a vítima. O colombiano é um bom jogador, só não é aquela garota da 5ª série, a primeira a entrar na fase adulta, com corpo de mulher em meio à molecada fã de Beyblade, criando alvoroço por usar um decote. Algo que a imprensa andou pintando por aí.

O atacante foi importante nos títulos do River da Libertadores e do Campeonato Argentino, entre 2014 e 2015. O suficiente para o Robert Roberto de Andrade quase fazer das tripas coração para trazer Téo ao Corinthians, no lugar de Guerrero, e fazer a fama do colombiano no Brasil. Por sorte, não conseguiu.

Quem acabou levando foi o Sporting. Veio como grande contratação para um ano importante da equipe, que trouxe o técnico Jorge Jesus do Benfica, o então campeão, e buscava sair de uma longa fila no Portuguesão.

Mesmo alternando altos e baixos, o colombiano não foi mal. Nem bom o suficiente para tirar a zica sportinguista – o que convenhamos, é pedir demais – e convencer Jesus a não o liberar para buscar outro clube no fim do ano.

Seu empresário não arrumou outro time europeu, e o jogador voltou à Argentina como reforço de peso para o Rosario Central. Mas a maldição já estava ativada há tempos. Téo sofreu com lesões e, quando jogou, a torcida achou que era melhor ter continuado no departamento médico.

O empréstimo acabou, e o atacante foi pouco cogitado pelo mercado argentino, já descrente. Tenta agora dar a volta por cima em seu país natal, jogando pelo Junior Barranquilla. Começou bem, ao menos.

Gustavo Bou

https://www.youtube.com/watch?v=DPe1OeYxshM

Brillando (brillando), tocando (tocando). Si le tiran un centro, la manda adentro, no pueden frenarlo. Él siempre está metido, en el partido, ya de los goles, se hizo amigo. Los hace en la copa, le hizo 5 a Boca. BOU BOU BOU BOOOUU

“La Pantera” Bou fez tanto sucesso no Racing que ganhou até uma paródia do hit “Bailando”, de Enrique Iglesias, que viralizou em território argentino, além de ser uma viva fábrica de memes.

Ao contrário dos demais, Bou nunca foi muito superestimado. Suas limitações são claras até para leigos, como jornalistas esportivos, mas o centroavante compensa com esforço, e… sorte. Virou ídolo ao ajudar o Racing a sair de um jejum incômodo e levar o caneco do Argentinão em 2014.

Bou foi negociado pelo Racing ao Tijuana-MEX (Foto: Reprodução)
Bou foi negociado pelo Racing ao Tijuana-MEX (Foto: Reprodução)

Em 2015, foi o artilheiro da Libertadores, com direito a dois hat-tricks seguidos na fase de grupos, consolidou-se como carrasco do Boca, mas o fôlego parou por aí. A maldição parece seguir até os mais folclóricos.

Bou teve uma queda de desempenho a partir de 2016, assim como todo o time. Na mais recente janela, o Racing não fez muito esforço para segurar o ídolo, e La Pantera foi parar no Tijuana. As primeiras partidas foram ruins, mas o argentino engatou uma sequência de 5 gols em 6 jogos recentemente. Cadê o Sampaoli para ver?!

Marco Ruben

Ruben caiu de produção no Central (Foto: Reprodução)
Ruben caiu de produção no Central (Foto: Reprodução)

Até o hipócrita autor do texto caiu nas artimanhas do camisa 9 hermano. Também, pudera: Ruben anotou 21 gols no Argentinão de 2015, em um total de 30 jogos. O segundo colocado, Claudio Bieler, do Quilmes, só marcou 14. O delantero do Rosario estava on faire, como diria um ex-jogador argentino.

O tempo passou, a torcida observou e Ruben foi pouco a pouco perdendo energia, igual pilha enfraquecida. Capitão do time, o atacante fez uma boa Libertadores em 2016, mas o pedido de demissão de Eduardo Coudet após o vice-campeonato na Copa Argentina do mesmo ano foi o divisor de águas.

Desde então, Ruben nunca mais foi o mesmo. Os canallas perderam o futebol envolvente adquirido anteriormente e isso afetou dramaticamente o jogador, que só fez seis gols na última temporada e passou de ídolo a questionado no clube. Haja sal grosso.

Jonathan Calleri

Jonathan Calleri tenta reerguer carreira (Foto: Boca Juniors/Javier García Martino)
Jonathan Calleri tenta reerguer carreira (Foto: Boca Juniors/Javier García Martino)

Ouvir a torcida do West Ham gritando “OOOOOO, TOCA NO CALLERI QUE É GOOOL” é algo improvável para Calleri. Com 19 jogos e 1 gol marcado, o atacante só não será lembrado como uma das piores aquisições da história do clube inglês porque seu contrato era por empréstimo..

Contrasta demais com suas passagens por Boca Juniors e São Paulo. Nos xeneizes, anotou 23 gols em 58 jogos, formou uma dupla memorável com Tevez e levantou dois canecos: Campeonato Argentino e Copa Argentina. Isso em um ano só, 2015.

Pelos tricolores, foi menos impressionante, mas ainda assim conquistou a torcida com sua raça e habilidade de tirar gols da cartola – ao todo, 16 em 31 partidas, além de alcançar a semifinal da Libertadores 2016.

Ao que parece, a maldição só foi ativada no Velho Continente. Mas ainda há muita esperança para Calleri, ao contrário dos demais aqui: tem só 23 anos, ainda nem ganhou o apelido de “medalhão”. Já conta com um início promissor no modesto Las Palmas para recomeçar. Sai pra lá, mau olhado!

Abra o olho

Se eu fosse Alario, Driussi ou Benedetto me benzeria. São os últimos atacantes a fazer sucesso no Campeonato Argentino. Os dois primeiros já até trocaram o River por Bayer Leverkusen e Zenit, respectivamente, e Benedetto segue no Boca, mas já foi parar até na seleção argentina.

No mínimo, preocupante.

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