
Aos 67 anos de idade, com uma carreira consagrada, você resolve topar um grande desafio. Aceita reassumir o comando da seleção de seu país buscando conquistar aqueles troféus que jamais conseguiu. Dinheiro? Você não precisa mais disso.
De sua primeira passagem, há 20 anos, só resta o auxiliar técnico, que naquela época era seu jogador. Mas o time está bem montado. Acabou de ser terceiro colocado na última Copa do Mundo. Quatro anos antes, foi vice. O sonho de ir além das quartas de final da Euro, superando seu próprio feito na passagem anterior, parece bem possível.
Essa pode ter sido a expectativa de Guus Hiddink ao decidir reassumir a seleção holandesa em substituição a Louis van Gaal logo após o Mundial no Brasil. Mas a realidade foi completamente diferente. O veterano não soube formar um time e foi demitido há alguns meses, após péssimo início nas Eliminatórias da Eurocopa de 2016.
Em sua primeira passagem pelo time holandês, na década de 90, Hiddink levou o time de Bergkamp, Kluviert, Seedorf, Davids e de Boer às quartas de final da Euro de 96, e ao quarto lugar do Mundial de 98. Seu antigo capitão, Danny Blind, deixou de ser auxiliar para assumir a equipe após a saída do treinador principal, mas pode não ter tempo para fazer as mudanças necessárias.

As recentes derrotas para Islândia e Turquia, na última semana, tiraram de vez a possibilidade de classificação direta da Holanda para a Eurocopa. Agora, a equipe terá dois jogos para tentar ultrapassar a Turquia na tabela e garantir vaga na repescagem.
A seleção não fica de fora do torneio desde 1984, curiosamente disputado na… França. Mesma sede da Euro 2016. É sempre difícil encontrar as razões para a crise técnica de um grande time de futebol. Os fatores são diversos, e, de uma hora para outra, tudo pode mudar. O Alambrado tentou listar alguns motivos abaixo. Confira:
Velhas ideias
Sob o comando de Bert van Marwijk, a Holanda soube aproveitar a boa geração que tinha em mãos e apresentou um ótimo futebol na Copa do Mundo de 2010. Caiu na final contra a Espanha, é verdade, mas teve um desempenho mais empolgante que os vencedores.
As coisas mudaram na Eurocopa 2012. Com uma campanha surpreendente, a equipe foi lanterna de seu grupo e terminou eliminada na primeira fase. Van Marwijk pediu demissão, e a Federação Holandesa achou que era hora de um técnico-general para sacudir o grupo: Louis van Gaal.
De temperamento difícil, o professor chegou colocando as estrelas no time no banco. Deu certo. A equipe foi bem nas Eliminatórias, e melhor ainda na Copa. Van Gaal saiu para o Manchester United, e Hiddink assumiu.
Mais brando que o antecessor, no melhor estilo “paizão”, e sem bons trabalhos recentes, o veterano se limitou a manter as coisas como estavam. Com mudanças táticas que não faziam sentido.
Resultado? A equipe passou a jogar um futebol burocrático, previsível e inteiramente dependente de lampejos individuais. Algo parecido com o que passa atualmente a seleção brasileira de Dunga. Não se vê, em campo, qualquer aplicação tática mais elaborada.

Com Blind, que foi de interino a efetivo, as coisas seguiram o mesmo rumo. Acenou com uma convocação mais jovem, mas não mostrou nada de novo coletivamente. Como técnico, o holandês tem pouquíssima experiência. Para piorar, foi auxiliar e aprendiz de Van Gaal e Guus Hiddink, dois treinadores vitoriosos no passado, mas que hoje são taticamente conservadores e desatualizados.
É preciso que o atual comandante busque ideias novas, e que a Federação lhe dê tempo para trabalhar, independentemente de uma possível desclassificação para a Euro. Afinal, Blind só esteve à frente da equipe nas últimas duas partidas.
Desgaste dos medalhões
A terceira colocação no Mundial de 2014 foi surpreendente para a seleção holandesa. Apostando em veteranos que já não brilhavam em seus clubes (à exceção de Robben, talvez), a equipe foi muito além do esperado. Mas aquela foi, inevitavelmente, a despedida de uma geração.

Robin van Persie, Klaas Jan Huntelaar, Wesley Sneijder, Afellay, Vlaar, Nigel de Jong e até o aposentado internacionalmente Dirk Kuyt marcaram época, mas já claramente passaram do auge. Não que não possam mais ser convocados – serão extremamente importantes na fase transição para a geração mais jovem.
Contudo, é chegada a hora de a comissão técnica passar o protagonismo adiante. As mais recentes convocações de Blind têm mostrado isso, embora o treinador ainda tenha preferência por jogadores mais velhos na hora de escalar.
Arjen Robben, o mais inteiro dos veteranos, é peça-chave desta fase. Aos 31 anos, o ponta tem bola e idade para ser o capitão do time em uma eventual Copa do Mundo de 2018 (se conseguir a classificação, obviamente). Atualmente, é o único insubstituível.
Diamantes brutos
Pesa para a má fase da Holanda o fato de ter em mãos uma geração talentosa, mas que ainda tem muito a evoluir. É inegável a existência de uma entressafra – entre Robben, estrela atual, e Depay, estrela emergente, há dez anos de diferença. Neste aspecto, a seleção holandesa também se assemelha à brasileira.
Entre os dois craques, estão nomes como Wijnaldum, Narsingh, Luuk de Jong, De Vrij, Martins Indi, Karim Rekik, Marco van Ginkel, Bas Dost e Jonathan de Guzmán, entre outros. São atletas de bom potencial, mas que ainda não chegaram ao alto escalão do futebol europeu por seus clubes.

Mas, ao contrário de clubes, quando existe a possibilidade de contratar outros jogadores, Danny Blind terá de lidar com o que tem em mãos. Com Depay, Robben, Daley Blind, van der Wiel e Cillessen, já se forma uma ótima espinha dorsal. De resto, vale o bom senso na mescla de veteranos com atletas mais jovens, somado à implantação de uma filosofia de jogo clara. E ao tempo.
Grupo em chamas
O último fator é mais do que óbvio: a Holanda não está à beira da desclassificação para a Euro apenas por passar por uma fase ruim, mas porque seus adversários têm todos os méritos. Islândia e República Tcheca, líderes do grupo A com 19 pontos, mostram excelente futebol em campo.
A Islândia já se classificou, com duas rodadas de antecedência. É a grande sensação dessas eliminatórias. Só foi derrotada pelos tchecos, e fora de casa. Em suas dependências, venceram. Contam com uma das melhores defesas do torneio, atrás somente de País de Gales e Áustria.

Já a revigorada República Tcheca mostra ter enfim superado o fim da geração de Nedved e companhia. Contando com apenas uma grande estrela – Cech, o goleiro – Pavel Vrba reuniu um combinado de bons jogadores, a maioria atuando no próprio país.
Por fim, até mesmo a Turquia, com seu velho desempenho irregular de sempre, tem sido levemente mais efetiva que a seleção holandesa. A prova disso foi a incontestável vitória por 3 a 0 sobre a Holanda no último domingo. Não houve apagão, nem retranca.