Já preconizava o sábio Galeano que não existe nada menos vazio do que um estádio vazio e nada menos silencioso que as arquibancadas sem ninguém. Posta essa verdade absoluta, conclui-se que o goleiro Alisson Ramses Becker sentiu na noite do passado domingo (8), quando voltou sozinho ao gramado após celebrar o hexacampeonato gaúcho, a pulsação e energia acumuladas durante toda a existência do Gigante da Beira-Rio.
Descalço e sem luvas, o capitão da equipe comandada por Argel Fucks sentou-se no campo e encostou-se em uma das traves com o olhar perdido no horizonte. Lá, escutava também o barulho ensurdecedor de 50 mil vozes gritando pelo Internacional, clube ao qual dedicou 15 de seus 23 anos de vida. E, imagino, refazia mentalmente o trajeto que o levou até aquele glorioso momento no qual ergueu a taça e deu a sempre aprazível volta olímpica.
Da escolinha de futebol, passando pelas demais categorias de base até chegar ao time principal, e mais tarde à seleção brasileira graças às boas atuações, sua cabeça deve ter se ocupado de vermelho e branco durante os cerca de 30 minutos em que ele teve sob seus pés nus o frio relvado situado nas proximidades do Guaíba. Passado, futuro, dores, glórias, um turbilhão de pensamentos do atleta que foi recentemente contratado pela Roma e deve estrear pelo time italiano no segundo semestre.
Certa vez me disseram, ou devo tê-lo ouvido fortuitamente em alguma conversa de cancha pela vida, que a paixão do torcedor brasileiro se diferencia das outras porque este vê o jogador como alguém que ocupa o lugar dele dentro do campo, alguém que lhe “roubou” o sonho de representar as cores de seu amado clube. Por isso tanta exigência, tanta cobrança, tanta contestação até mesmo em partidas simples.
Cientificismos à parte, essa teoria pareceu-me bastante verossímil, e talvez seja por esse motivo que dediquei um bom tempo para refletir sobre o gesto de Alisson. Ao deixar a festa com os colegas nos vestiários para fazer sua despedida solitária, embora ainda deva atuar com o manto colorado, o arqueiro demonstrou que não é um desses conhecidos produtos do futebol mercantil que simplesmente podem ser descartados.
É sabido que cada vez há menos Tottis e Zanettis no futebol. A espécie que cria vínculos eternos com o clube, mesmo que não o defenda durante toda a vida, está em extinção. Jogadores vêm e vão num ritmo frenético que os leva ao esquecimento. Você já teve a sensação de não conhecer mais o elenco inteiro do seu time? Contratos temporários, pontes, negociatas… há vários sintomas e causas que podem ser utilizados para diagnosticar esse cenário volátil.
Por isso, volto a destacar a grande atitude do Alisson, que mostra respeito, admiração e agradecimento ao Internacional. Jovem, o goleiro ainda pode regressar a Porto Alegre em um futuro próximo para escrever novos capítulos de sua história. Nela, decerto estará acompanhado pelo irmão Muriel, o mesmo que subiu no gramado para lhe fazer companhia junto com os filhos, Maria Eduarda e Franthiesco. Reunidos neste lar sagrado, poderão todos seguir admirando a grandiosidade histórica do Beira-Rio.
Abaixo, fiquem com a mensagem publicada por Alisson nas redes sociais.
“Fui criado no Beira-Rio! Vivi todos os momentos do Internacional intensamente. Seja nas arquibancadas, seja nas categorias de base, seja como profissional. Sempre com meus pais e meu irmão ao lado. O Beira-Rio é um pedaço de mim e da minha história. Erguer uma taça como capitão do meu clube foi algo superior! Não tenho palavras suficientes para agradecer. A imagem do Gigante lotado é a que sempre vai ficar presente pra mim. Meu choro é de alegria e sempre vai ser assim. OBRIGADO!”