Entre a coroa e as luvas: o dilema de Peter Rufai

Entre a coroa e as luvas: o dilema de Peter Rufai

Goleiro da Nigéria nas Copas de 1994 e 1998, Rufai teve que decidir entre a carreira de jogador e o trono de seu pai

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O "goleiro/príncipe" em ação durante a Copa de 1998 (Foto: Divulgação/FIFA)
O “goleiro/príncipe” em ação durante a Copa de 1998 (Foto: Divulgação/FIFA)

Entre as seleções que ascenderam em importância na década de 1990, a Nigéria provavelmente é uma das favoritas entre os amantes do futebol. Com um estilo rápido e agressivo, uniformes exóticos e muita personalidade, os nigerianos conquistaram o mundo da bola na figura de astros como Okocha, Amokachi, Finidi George, Yekini e Kanu, sem falar do estiloso Taribo West.

As “Super Águias” de fato ganharam tremendo destaque no período, ainda mais por conta do bom desempenho nas Copas de 1994 e 1998 e da medalha de ouro nas Olimpíadas de 1996 (que nós, brasileiros, já não achamos tão legal assim…).

Em meio a todos esses destaques, com tantas boas histórias, algumas curiosidades acabam passando batido. Como um membro da realeza que defendia as traves enquanto o futebol alegre se apresentava no campo de ataque.

Peter Rufai era o responsável por segurar o rojão em um time cujo ímpeto ofensivo era enraizado. Se ser goleiro já é uma profissão pra lá de ingrata, em uma seleção como a Nigéria, onde todos atacavam, a missão é quase suicida. Um risco aparentemente desnecessário para alguém de sua família.

Filho do rei de Idimu, região tribal onde está localizada a capital Lagos, Rufai mostrava seriedade desde cedo, o que fez com que seu pai o escolhesse como o primeiro na linha de sucessão do trono. A Nigéria já era uma república, mas a tradição real permanecia, mesmo que extraoficialmente.

Só que a vontade do príncipe era outra. Ao melhor estilo “Um Príncipe em Nova York”, Rufai partiu para a Bélgica em 1987. Com 24 anos, já havia atuado por três times na África, e transferiu-se para o Lokeren, dividindo a profissão com o término dos estudos.

A carreira do goleiro na Europa foi correndo de maneira tranquila. Não chegava a ser nenhum fenômeno debaixo das traves, mas passava confiança sempre que entrava como titular. Suas chances, por outro lado, não foram muitas. Após quatro temporadas no Lokeren, acertou com o Beveren. Dois anos depois, chegou ao Go Ahead Eagles.

Justamente nessa época, a seleção nigeriana começava a despontar como uma das forças do continente. Por lesão, Rufai não chegou a participar da campanha vitoriosa na Copa das Nações Africanas em 1994, mas foi escolhido como o capitão do time que jogaria o Mundial nos Estados Unidos.

Era a primeira aparição das Super Águias em Copas, e a primeira fase foi empolgante. Logo na estreia, 3×0 sobre a Bulgária. Depois, venderam caro o resultado na derrota por 2×1 para o grande time da Argentina. Na terceira rodada, o 2×0 sobre a Grécia garantiu o primeiro lugar do grupo.

A aventura nigeriana acabaria na fase seguinte, de maneira dramática. Vencendo até os 43 do segundo tempo, o time sucumbiu ao talento de Roberto Baggio, que deu a vitória para a Itália. Apesar da eliminação, a marca estava deixada.

Após o Mundial, Rufai desembarcou em Portugal, onde acabou se destacando pelo Farense em três temporadas. Ficou no país até 1997, quando chegou ao La Coruña, um dos grandes times da Espanha na época.

E foi nesse perído em que Rufai teve que fazer a escolha mais difícil. Logo após o Mundial de 1998, na França, o goleiro recebeu a notícia da morte de seu pai. Chegava a hora de finalmente definir se queria ou não o trono de Idimu.

Rufai já tinha 35 anos. Pouco tempo e oportunidades no futebol à sua frente. Além disso, a pressão familiar para torná-lo rei era imensa, já que a essa altura o goleiro já era um ídolo local, muito pelos feitos em campo.

Mas a vida de uma realeza realmente não cativava o goleiro. Ele voltou à Nigéria apenas para comunicar sua decisão: Recusava o trono. “Sempre quis o gramado, a rua. Estar com amigos, ensinar crianças a jogar. Ser rei não me daria essa alegria. Por isso, não foi difícil falar que não”, declarou.

De fato, a carreira nos campos estava próxima do fim. Ficou até 1999 no La Coruña, até se transferir para o Gil Vicente, onde se aposentou no ano seguinte. Mas a convivência com o mundo do esporte não acabava aí.

Rufai criou o Dodo Mayama Soccerthon, um programa de desenvolvimento de jovens atletas na Nigéria que treina garotos de 15 a 20 anos. Talvez, uma contribuição muito maior que a de muitos burocratas usando uma coroa.

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