A humanidade viveu um dos períodos mais sangrentos de sua história durante os anos de 1939 e 1945. A morte de milhões de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial foi uma mancha impossível de apagar em tempos de civilização, e os horrores do conflito não deixaram o mundo do futebol impune.
Após o sucesso e o crescente interesse no esporte ao redor do globo depois da Copa de 38, a FIFA viu-se obrigada a interromper a sequência de organização dos torneios por conta da guerra. Com isso, os Mundiais de 42 e 46 foram cancelados, deixando um intervalo de 12 anos até que o maior campeonato do planeta fosse realizado novamente.
Vários craques foram impedidos de escrever seu nome entre os melhores devido à ausência do torneio, esquadrões perderam a chance de levar a glória. É o que levanta a questão: em um mundo sem guerra e com Copas na década de 40, como elas seriam? Quem poderia ser favorito?
Na primeira parte deste especial do Alambrado poderemos analisar como estavam as potências do futebol da América do Sul naquela época, com países que mesmo mantendo certa distância do conflito acabaram sendo afetados por ele.
Obviamente, qualquer resposta é mera especulação, mas ao menos podemos analisar o futebol da época para apontar alguns possíveis destaques dessas Copas que não aconteceram. E deixar a imaginação contar o que o terror da guerra impediu de acontecer.
Brasil
Terceiro colocado na Copa de 1938, na França, o Brasil pleiteou o direito de ser a sede do Mundial em 1942. O país era favorito para receber o torneio, até que a FIFA definiu que não havia clima para que o torneio fosse realizado em meio à guerra.
Considerando que a Copa realmente acontecesse, a seleção canarinho (que na época ainda não era amarela) seria uma das maiores favoritas. O país produziu grandes jogadores na década de 40, que somados a craques remanescentes do torneio França, do calibre de Leônidas da Silva e Domingos da Guia, formariam um time extremamente competitivo.
Para se ter uma ideia, o Brasil dos anos 40 teria à sua disposição nomes como Heleno de Freitas, um dos maiores da história do Botafogo e artilheiro da Copa América de 45, Zizinho, que na época pertencia ao Flamengo, e Ademir de Menezes, artilheiro do Vasco e que seria o maior goleador da Copa de 50.
Somados a eles, opções como Tesourinha, do Internacional, e a base do Corinthians que encantava na época, com Teleco, Servílio, Cláudio e Brandão, além dos destaques do Palmeiras, como o lendário goleiro Oberdan Cattani.
Uma esquadra respeitável, com talento para fazer bonito tanto em 1942 como em 1946. No entanto, talvez a inexperiência pudesse pesar e pressionar os brasileiros, sendo um fator de desequilíbrio para o pior.
Argentina
Talvez os argentinos sejam os que mais tenham a lamentar pelas Copas de 1942 e 1946 não terem acontecido. Campeã da Copa América em quatro oportunidades durante a década de 40, os hermanos formaram naquela época uma das melhores equipes de sua história, tendo um lendário time do River Plate como base.
Os “Millonarios” disponibilizaram para a seleção Argentina da época uma linha de frente que ficou na ponta da língua dos locais da mesma maneira que a famosa quina santista Dorval-Mengálvio-Coutinho-Pelé-Pepe no Brasil. Para eles, o quinteto mágico era formado por Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Loustau.
Foi com esse ataque que o River encantou o país, permitindo ao mesmo tempo que os amantes do futebol sul-americano tivessem a chance de vê-lo no auge durante várias edições da Copa América que aconteceram no período.
Além da histórica linha de frente do River, a Argentina contava também com estrelas do Boca Juniors, como o zagueiro Marante e os meias Boyé e Pescia, além de destaques do Independiente, como Sastre e La Mata. Como opção para a defesa ainda havia a segurança de Sobrero, do Newell’s Old Boys.
Conquistar quatro dos seis torneios sul-americanos daquela época acabou sendo pouco para um time com tantas estrelas, considerado por muitos analistas como o melhor da década.
E olha que ainda tem a cereja da bolo: na Copa de 46, a Argentina já poderia contar com ninguém menos que o jovem Alfredo Di Stéfano, simplesmente um dos maiores jogadores da história. Com tanta gente de calibre provavelmente os argentinos não precisariam esperar até 1978 para comemorar seu primeiro Mundial.
Uruguai
O futebol uruguaio sempre foi marcado mais por um espírito de superação e vitórias conseguidas na base da vontade do que propriamente pela técnica. Mas isso nunca os impediu de formar grandes jogadores e dar trabalho nas competições importantes. Não foi diferente durante os anos 40.
Na época, os uruguaios já se orgulhavam de ser os primeiros campeões mundiais de futebol, e batiam de frente com a Argentina para mostrar quem mandava no continente. Acabaram sendo uma das poucas seleções que conseguiram superar os argentinos naquela década, conquistando a Copa América de 1942.
Para começar, o Uruguai das Copas de 1942 e 1946 já poderia contar com um dos jogadores mais conhecidos do futebol local: o eterno capitão Obdulio Varela, que viveu seu auge durante aqueles anos, sendo eleito o melhor jogador da Copa América em duas ocasiões.
Além dele, outro Varela era destaque. Trata-se do “Galego” Severino Varela, maior artilheiro uruguaio em edições da Copa América até hoje. Na época, destacava-se com a camisa do Peñarol, e, posteriormente, com a do Boca Juniors.
Do Nacional viriam outros grandes jogadores que serviram a seleção no período, incluindo a formação que venceu cinco títulos uruguaios seguidos, com Volpi, Ciocca, García, Ballesteros e Zapirain.
Além deles, já era possível ver em campo o defensor Gambetta, titular em 1950, e o meia Luis Ernesto Castro.
Com um time aguerrido e mesclando jogadores experientes com jovens que acabariam sendo campeões do mundo em 1950, o Uruguai correria por fora na busca pelo título tanto em 1942 como em 1946. Um time que já naqueles tempos mostraria que não se intimidava com a pressão de decidir. Treino para o Maracanazzo.