Jogo duro e ditadura: Augusto, o capitão que virou censor

Jogo duro e ditadura: Augusto, o capitão que virou censor

Capitão do Vasco e da seleção na Copa de 50, Augusto manteve a postura austera como censor da ditadura

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Houve um tempo em que se referir como “xerifão” a um defensor de um time de futebol era mais que uma simples expressão. Isso porque, de fato, na transição da era amadora para o profissionalismo, vários jogadores tinham outras profissões, como uma forma de complemento de renda. Entre esses casos, talvez nenhum atleta tenha exemplificado tão bem a austeridade quanto o vascaíno Augusto, tanto dentro de campo como fora dele.

Cria das tradicionais categorias de base do São Cristóvão, Augusto iniciou sua carreira no clube da região central do Rio com 16 anos, em 1936. Após assinar seu primeiro contrato como profissional, em 1940, passou a atuar na lateral direita e chamar a atenção dos grandes clubes cariocas. O Vasco venceu a concorrência e contratou o defensor em 1945.

Augusto marcou época no Vasco (Foto: Divulgação/Aruqivo Nacional)
Augusto marcou época no Vasco (Foto: Divulgação/Arquivo Nacional)

Pelo time cruz-maltino, Augusto marcou época. Compensava sua limitação técnica com muito esforço e firmeza, além de uma liderança natural dentro de campo, fatores que o levaram a ostentar a braçadeira de capitão do grande “Expresso da Vitória” na segunda metade da década de 1940. Dividindo seu tempo entre os 297 jogos pelo Vasco e as funções de soldado na Polícia Especial do Exército, ele terminaria a carreira com cinco títulos cariocas (1945, 1947, 1949, 1950 e 1952) e a conquista do Sul-Americano em 1948.

Augusto é um bom exemplo de uma época em que os laterais não eram habituados a se lançar para o campo de ataque. Mesmo com quase 300 jogos disputados, não conseguiu marcar nenhum gol pelo clube carioca. O único tento anotado em sua carreira como atleta aconteceria pela seleção brasileira, pela qual entraria para a história. Ou quase.

Por conta do bom desempenho como capitão do Vasco, o técnico Flávio Costa escolheu Augusto para exercer a mesma função na seleção que disputaria a Copa do Mundo de 1950. O camisa 2 tinha tudo para se tornar o primeiro brasileiro a erguer a taça de campeão mundial, e dentro de casa, no Maracanã tomado por quase 200 mil pessoas.

Augusto cumprimenta Obdulio Varela antes da final da Copa de 50 (Foto: Reprodução/Jornal dos Sports)
Augusto cumprimenta Obdulio Varela antes da final da Copa de 50 (Foto: Reprodução/Jornal dos Sports)

Mas o final dessa história já é conhecido e amargamente lembrado pelos brasileiros. A derrota por 2×1 para o Uruguai acabou com o sonho do primeiro título, e Augusto perdeu a chance de imortalizar o gesto que caberia a Bellini, outro vascaíno, oito anos depois.

Depois de encerrar sua trajetória como jogador, em 1954, o defensor ainda tentaria por pouco tempo a carreira de técnico no Guará, do Distrito Federal, mas seria em outra função que ele voltaria a mostrar a dureza que exibia dentro dos gramados. Escalando os cargos dentro da Polícia Federal durante o período da ditadura militar, Augusto acabou tornando-se um dos comandantes da Guarda Especial em Brasília, além de um dos principais censores do regime.

Da mesma forma que detinha os ataques dos rivais no campo, ele barrava inúmeras produções culturais cujo conteúdo era julgado como “subversivo” pelos militares. Suas canetadas não poupavam nem mesmo as obras internacionais, que, dependendo do teor, tinham sua exibição proibida ou trechos importantes cortados.

“Veridiana”, filme clássico do espanhol Luis Buñuel, foi um dos que sofreram com as recomendações do agora censor Augusto da Costa, incluindo o corte de uma cena em que mendigos protagonizam um banquete. “É uma tentativa de ridicularizar a Santa Ceia, e o filme é anticlerical”, escreveu em sua análise sobre a obra.

Como chefe da Secretaria de Censura, ele ainda faria alterações em grandes produções do cinema brasileiro como “Esta noite encarnarei no teu cadáver”, um dos mais cultuados filmes estrelados por Zé do Caixão. O conteúdo original foi transformado a ponto de mudar completamente o final da película, alterando também a mensagem que ela passava.

Em uma época em que zagueiros da seleção brasileira parecem fazer de tudo para afastar o rótulo de carrancudos e amedrontadores, a figura de Augusto da Costa parece ainda mais surpreendente, carregando essa imagem em praticamente todas as funções que exerceu até sua morte, em 2004. Um personagem curioso, que impediu a alegria de inúmeros atacantes e o ganho cultural de milhares de brasileiros.

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