Vitor Baptista, o ‘George Best português’ que virou lenda no país

Vitor Baptista, o ‘George Best português’ que virou lenda no país

O astro português da década de 1970 é um dos maiores jogadores da história do país

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Parar uma partida para procurar um par de brincos parece ser impossível nos dias de hoje. Mas não foi em Portugal, no ano de 1978. Quando os adereços ainda eram permitidos pela FIFA, uma lenda portuguesa os perdeu em campo, durante clássico entre o Benfica, seu clube, e o Sporting. E, como em uma pelada de fim de semana, Vitor Baptista interrompeu o jogo a fim de procurá-los – mobilizando jogadores e até o árbitro. Foram 15 minutos de uma incessante busca.

“Perco dinheiro a trabalhar. O brinco valia 12 contos e o prêmio de jogo são só 8”, declarou o atleta. Com a vitória do Benfica, recebeu os oito contos e, provavelmente, ficou chateado com a necessidade de comprar outro par. Nem mesmo a vitória no grande clássico o consolou.

Esta história ilustra bem a carreira de altos e baixos de um dos grandes personagens da história do futebol português. Vitor Baptista vai além das quatro linhas e não se limita a textos para explicá-lo e entendê-lo.

Vitor Baptista era jogador de muita classe (Foto: Reprodução/serbenfiquista.com)
Vitor Baptista era jogador de muita classe (Foto: Reprodução/serbenfiquista.com)

Conhecido, entre outras expressões, como “George Best português”, Vitor Baptista é um dos maiores jogadores do futebol luso. A joia jamais lapidada por completo tem a admiração de vários portugueses, inclusive tendo seu potencial comparado a Eusébio e Cristiano Ronaldo.

Ora Gênio ora louco, Vitor sabia bem o que era estar na linha tênue entre glória e fracasso. Muitas vezes o próprio se colocava nessa situação. “O Maior” era genial e genioso, de maneira desmedida.

Meio-campista ofensivo, Vitor nasceu em São Julião, Setúbal. Vindo de uma família humilde, só passou a integrar categorias de base de um clube, após de destacar intensamente em um torneio de futsal.

A partir daí, a qualidade com a bola nos pés e o faro de gol afloraram com o passar do tempo. O seu primeiro clube, Vitória de Setúbal, teve a promessa, aos 18 anos, em 1967, como um dos craques da conquista da Taça de Portugal – uma das três na história da equipe.

Em sua passagem pelo clube de formação, foram 33 gols em 80 partidas. O início promissor e fabuloso chamou atenção dos dois grandes de Lisboa. Em 1971, aos 23 anos, Vitor escolhia o Benfica para seguir com sua carreira promissora.

Por uma negociação que envolveu muito dinheiro e alguns jogadores, entre eles os benfiquistas Torres, Praia e Matine, Vitor chegava ao Benfica para fazer companhia e, posteriormente, suceder Eusébio. Não por acaso era o jogador mais caro do futebol português à época.

A história no Benfica foi digna de um roteiro surreal. Entre amor e ódio, Baptista foi ídolo de uma geração. Habilidoso, ousado e indolente, fez o que se espera de um craque em campo. E de um problema fora dele.

A constante rusga com treinadores e diretoria do clube o colocavam como um grande problema a ser resolvido. Talvez ninguém o entendesse. E, sem nunca ser compreendido, desfilou jogadas de efeito a deixar o torcedor louco, sem entender o que se passava nos gramados.

Em meio à festas, faltas e até mesmo envolvimento com drogas, conforme alguns relatos, Vitor Baptista permaneceu sete anos no Benfica. E não foi apenas a história do brinco que o colocou como uma lenda.

Em 150 jogos, foram 62 gols marcados. Cinco títulos portugueses e uma Copa de Portugal estiveram entre as conquistas de Vitor no clube da Luz. Porém, nem tudo era perfeito, e Baptista se aproximava do fim da relação instável. A saída para o Vitória de Setúbal por desacordos com a diretoria do Benfica aconteceu em 1978.

Vitor nunca mais foi o mesmo. Com apenas 30 anos, passou a se envolver mais em capítulos fora de campo que dentro dele. Histórias e mais histórias que mais pareciam o desenrolar de carreiras de jogadores clássicos dos anos 90.

Pela seleção nacional, foram apenas 11 partidas e dois gols. Poderia ter sido mais. Em 1976, desentendeu-se com o técnico de Portugal, Juca, após faltar a um treino. Como em um perfeito resumo de suas características, ainda chamou os companheiros de equipe de loucos, como se ele estivesse certo.

Correto ou não, Vitor permanece no imaginário do torcedor. Em uma ida à Rússia, recusou-se a entrar em campo, pois os russos pareciam-lhe amadores, e, claro, o astro só atuava contra profissionais.

Em passagem pelo Boavista, aparecia nos treinos de Jaguar, vestido terno e gravata, além de chinelos, como conta o blog A Vida do Futebol. Nos Estados Unidos, no San José Earthquakes, em 1980, chegou a “atuar” com George Best – em encontro explosivo que só aconteceu fora de campo.

Dinheiro, fama e carros. Tudo à disposição de Vitor Baptista. A pressão misturada ao deslumbre característico a muitos astros de várias áreas culminou em um fim de carreira melancólico. Em 1986, no pequeno Estrelas do Faralhão, encerrou sua trajetória no mundo da bola.

Segundo relatos, a junção de álcool e drogas não permitiu que “O Maior” se tornasse, de fato, o grande jogador da história portuguesa. Em 1999, sem resquícios da fortuna ganha na época de jogador, Vitor morreu, sem reconhecimento e dinheiro, esquecido em Setúbal. Foi no dia primeiro de janeiro daquele ano que a lenda pôs um breve fim na história terrena.

Fica no imaginário e nas opiniões de torcedores mais velhos a grandeza de tal figura. “Se de um leque de grandes glórias do futebol mundial, me dessem um nome a escolher, para ver ao vivo, Eusébio, Ian Rush, Coluna, Pelé, Maradona, Platini, Beckenbauer, Zico e tantos outros colossos, eu rejeitaria. Se tivesse oportunidade, só queria ter tido o privilégio de ter visto um: Vitor Baptista”, palavras de um benfiquista. No mundo de Vitor, o maior foi ele.

Música em homenagem a Vitor Baptista, letra feita por José Jorge Letria

«Eras a festa do jogo
Com o resultado incerto
Entre a água e o fogo
– Adeus Vítor, até logo
Que a vitória andou perto.»

«Eras o brinco perdido
Na parcela do relvado
Onde em sonhos tinhas lido
As promessas sem sentido
De um contrato renovado».

«Eras o rapaz do brinco
Eras o herói da tarde
Driblador cheio de afinco
Médio seguro ou trinco
De alegria dessa idade».

«Eras o ponta-de-lança
Da infância sem ternura
O campeão que foi esperança
E essa eterna criança
Sempre às portas da loucura».

«Foste a sombra do que eras
A carreia interrompida
Gazela no meio das feras
A ruína das quimeras
Destroço de um fim de vida».

«Foste esse brinco perdido
Em grande tarde de glória
E podias ter vencido
Mesmo vergado e rendido
Pelas traições da memória».

«Foste o brinco jóia rara
Desse tempo de conquista
A loucura sai tão cara
E se a grandeza é tão rara
Que viva o Vítor Baptista!»”

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