Hoje em dia o papel de “evento-teste” para a Copa do Mundo pertence à Copa das Confederações. Há 20 anos o torneio mencionado já existia. No entanto, era realizado sob outras condições, sempre na Arábia Saudita e no final do ano.
Cabia, então, a outros campeonatos a possibilidade de mostrar que o país-sede estava pronto para realizar o Mundial no ano seguinte. Com base nessa ideia surgiu em 1997 o Torneio da França, disputado entre os dias 3 e 11 de junho.
O formato era simples. Um quadrangular em que todos os times se enfrentavam e, obviamente, quem obtivesse os melhores resultados ficaria com o título. Apesar da aura de amistoso e preparatório, o certame reuniu quatro potências mundiais: França, Brasil, Itália e Inglaterra. E serviu para deixar algumas coisas marcadas na memória.
A curva
A abertura do Torneio da França ocorreu em 3 de junho, no estádio Gerland, em Lyon. Logo de cara, o Brasil encarou os anfitriões, que na época formavam um time talentoso mas desacreditado pela imprensa local graças à queda prematura na Eurocopa de 1996.
No plantel dos Les Bleus era possível ver algumas figuras que ganhariam ainda mais destaque na Copa do ano seguinte. Barthez, Thuram, Desailly, Deschamps e Zidane, por exemplo, já faziam parte da formação da espinha dorsal da equipe.
Mesmo com a grande qualidade dos adversários, o Brasil entrou em campo como favorito. Basicamente, o time campeão mundial em 1994 havia incluído gente ainda mais talentosa em seu elenco. E um deles era Roberto Carlos.
Naquela noite em Lyon, o lateral-esquerdo do Real Madrid anotou aquele que é lembrado como o gol mais icônico de sua carreira: uma paulada em cobrança de falta de longa distância que desmontou o goleiro Barthez em função de uma curva monumental, que só seria devidamente percebida em reprises do lance.
A obra-prima de Roberto Carlos poderia muito bem ter valido por dois, mas não é bem assim que a coisa funciona. Azar do Brasil, que viu os anfitriões empatarem o duelo aos 10 minutos do segundo tempo, quando Marc Keller aproveitou rebote de Taffarel. A campanha começava com empate.
A dupla
Romário e Ronaldo. Simplesmente dois dos maiores centroavantes da história do futebol formando a dupla de ataque titular da seleção brasileira pela primeira vez em um torneio. Ambos já haviam atuado juntos em amistosos pouco antes, em vitórias contra Polônia (4×2), México (4×0) e Chile (4×0), além da derrota para a Noruega (4×2).
Até então, jogos contra equipes menores, em alguns casos até contra os reservas. O Torneio da França iria colocar o badalado dueto ofensivo à prova contra rivais mais cascudos, e a partir dali poderia se ter uma ideia se a parceria iria funcionar ou não.
Na estreia contra a França eles não tiveram muitas chances de brilhar. A partida seguinte, em 8 de junho, contra a Itália, mostrou-se uma espécie de teste de fogo, já que a dupla Ro-Ro foi posta contra uma das melhores defesas do mundo, com Panucci, Cannavaro, Costacurta e Maldini, além do goleiro Pagliuca.
Do outro lado do gramado, a retaguarda brasileira não passava tanta confiança assim. Logo aos seis minutos, Vieri escapou de Aldair pelo lado direito e cruzou para Del Piero, que cabeceou sozinho aproveitando escorregão de Célio Silva.
Aos 23, mais um lance infeliz de Aldair. O zagueiro do Tetra tentou desviar a cobrança de falta rápida de Albertini e acabou mandando a bola para o próprio gol. O jogo mal havia começado e o Brasil já se via em uma desvantagem de dois gols.
Ainda no primeiro tempo a seleção canarinho diminuiu o placar, com um chute de Roberto Carlos desviado para as redes pelo italiano Lombardo. Mas a Itália aumentou novamente no segundo tempo, com Del Piero convertendo um pênalti infantil de Aldair.
Foi aí que a tão esperada parceria começou a funcionar. Primeiro com Ronaldo, que cortou Costacurta com categoria e bateu caprichosamente no canto direito de Pagliuca. Depois, foi a vez do baixinho brilhar, saindo de frente para o goleiro e mandando para a rede depois de driblá-lo, bem ao seu estilo.
Os problemas
O empate com a Itália por 3×3 havia sido bom por conta das circunstâncias, mas naquele ponto algumas falhas da equipe começavam a ficar evidentes, sobretudo em um grupo que, em tese, deveria estar praticamente pronto para o Mundial.
O maior deles era a zaga. A jornada infeliz de Aldair contra os italianos não havia sido isolada, e o sistema defensivo montado por Zagallo não parecia dar conta das subidas constantes de Cafu e Roberto Carlos ao ataque.
Falhas que acabariam sendo expostas no maior palco de todos em 1998, com o Brasil sendo vazado nove vezes durante a Copa do Mundo. Talento não faltava ao time, com a dupla de ataque estelar e gente do naipe de Djalminha no banco de reservas.
Outra questão bastante discutida foi o famoso “1” de Zagallo, homem de ligação entre o meio e o ataque, conceito do qual o Velho Lobo parecia não querer abrir mão, e que nunca deu muito certo. No Torneio da França o cargo coube a Giovanni, que não pareceu muito à vontade. A conta pela insistência nesse esquema veio no ano seguinte.
Trunfo único
O Torneio da França entrou em sua última rodada com o campeão definido: a Inglaterra, que jogou um futebol pragmático e superou Itália (2×0) e França (1×0) para garantir o título. Em sua despedida, os ingleses enfrentaram os brasileiros, que buscavam pelo menos uma vitória para não perder a moral antes da Copa.
No estádio Parc des Princes, Romário fez o único gol de um duelo pouco interessante, com toda pinta de amistoso. O momento mais exaltado foi uma troca de farpas entre Ronaldo e Shearer, que terminou com os dois jogadores amarelados.
Com o resultado, o Brasil garantiu o vice, totalizando cinco pontos, enquanto França e Itália dividiram a lanterna com dois. Era o fim do Torneio da França, um teste que aprovou a qualidade da estrutura e da organização dos anfitriões para o Mundial, mas pelo qual o Brasil penou para passar.