1956. Uma prestigiada revista francesa de futebol está para completar dez anos de existência. Editores, pauteiros, repórteres, contínuos e diretores se reúnem para pensar em uma edição comemorativa à data especial.
Eis que surge a ideia: por que não uma premiação? Nascia a Bola de Ouro, que elegeria o melhor jogador daquele ano. Como era o primeiro, funcionaria mais ou menos como um conjunto da obra. Afinal, não existia Youtube. E, para avaliar um atleta, só com os fundilhos da calça puídos em uma arquibancada.
Jornalistas de várias regiões da Europa foram convidados, por carta, a dar sua opinião. Sobretudo do Reino Unido; os britânicos, fundadores do esporte, ainda eram tidos como símbolo de excelência no mundo da bola, apesar do fraco desempenho nas Copas de 1950 e 1954.
Mas quem, então, merecia tão honrosa homenagem? Ferenc Puskas, o gênio de 54? Certamente não. O craque foi impedido de atuar de meados de 1956 a 1958 devido à Revolução Húngara. Mesmo assim, foi o quarto mais lembrado pelos votantes.
Em terceiro ficou Raymond Kopa. O francês era o líder do Stade Reims, que alcançou a final da primeira Copa dos Campeões da Europa, disputada naquele mesmo 1956. Sucumbiu na decisão para o dominante Real Madrid, que iniciava sua imensa hegemonia europeia.
Real esse que tinha dono. Alfredo Di Stéfano estava em plena forma, e, em tempos pré-Pelé, dava indícios de que seria o maior nome da história do esporte. Era a grande barbada para a primeira Bola de Ouro, você pode pensar. E ficou em segundo.
Se não Puskas, se não Kopa, se não Di Stéfano, quem foi o maior jogador de 1956? Stanley Matthews. Analisando sob os olhares de século 21, era uma escolha no mínimo inusitada. O ponta tinha 41 anos e defendia o Blackpool, que apesar de contar com um grande time à época, sequer havia vencido o Campeonato Inglês – fato que se mantém até hoje.
Em 1955, o inglês era altamente questionado pela própria imprensa de seu país, sobretudo por sua idade avançada. Já não encantava mais como outrora, quando era definitivamente o maior superstar do futebol no pós-guerra.
Por que Matthews, então? Primeiro, pelo prestígio inglês. A liga ainda era tida como símbolo máximo de glória. Os destaques do torneio eram automaticamente alçados ao posto de melhores do mundo.
Os clubes ingleses sequer participaram da primeira edição da Liga dos Campeões, em 1955-1956. Representante natural por ser o então campeão nacional, o Chelsea foi impedido de competir pela Football Association, que classificou a empreitada como uma “distração aos torneios ingleses”.
Naquele ano, Matthews voltou a ter um desempenho fantástico. Liderou o Blackpool ao vice-campeonato, ficando atrás somente do Manchester United. Os diabos vermelhos, porém, eram conhecidos por um forte jogo coletivo, em detrimento a valores individuais. Tanto que Duncan Edwards, um dos diversos destaques do United, terminou apenas em 13º na votação da Bola de Ouro, atrás até de Billy Wright, dos Wolves.
O segundo fator para a vitória de Matthews era critério. Nas primeiras edições, a France Football deixava claro que os jornalistas deveriam considerar em primeiro lugar o melhor desempenho individual, e não coletivo. Com isso, a conquista de títulos era minimizada – diferentemente do que acontece atualmente.
Individualmente, o inglês era fora de série. Um dos maiores dribladores de sua época, Matthews atuava pela ponta e infernizava os zagueiros adversários com cortes para dentro da área. A ponto de Beckenbauer dizer, certa vez, que “quase ninguém no jogo pode pará-lo”. E o Kaiser, bem mais novo, só enfrentou Matthews quando este já beirava os 50 anos de idade.
Suas jogadas já haviam sido fundamentais na conquista da FA Cup de 1953, pelo próprio Blackpool. E, de acordo com os ingleses, em 56, na First Division, não fosse Matthews, a equipe certamente terminaria na segunda metade da tabela.
Isso remete ao terceiro, último e não menos importante fator: o jogo. Na estreia da liga, o Blackpool recebeu o Arsenal, venceu por 3 a 1, e Matthews teve o que ele próprio classificou posteriormente como o melhor jogo de sua vida.
Seu imenso repertório de dribles, gols, passes e movimentação naquele dia, mesmo aos 40 anos de idade, ficaram tão onipresentes na memória dos jornalistas ingleses que eles desconsideraram que a partida havia sido disputada em 1955 na votação da primeira Bola de Ouro.
Por muitos anos, consideraram aquela como uma das melhores performances individuais já vistas no esporte. E o prêmio acabou sendo, de certa forma, um pedido de desculpas pelas críticas anteriores e um agradecimento. Por aquele jogo e pelas décadas de brilhantismo de um dos mais longevos jogadores da história.