Ronald Capita e a dura batalha pela acessibilidade nos estádios

Ronald Capita e a dura batalha pela acessibilidade nos estádios

Entrevista com o estudante Ronald Capita, um dos representantes da luta por condições de acesso nos estádios

COMPARTILHAR

As dificuldades na vida de uma pessoa com deficiência física são enormes. Grandes obstáculos são enfrentados dia após dia na busca por qualidade de vida. No Brasil, tais oposições são amplificadas e a superação passa a ser a palavra mais rotineira no vocabulário de um portador de alguma deficiência – seja ela qual for.

São objeções por falta de infraestrutura e, muitas vezes, por falta de sensibilidade do próximo. Ao conversar com Ronald dos Santos Trindade, ou simplesmente Ronald Capita, jovem estudante (e futuro jornalista) de 16 anos, é notória a persistência incessante na busca por um objetivo, muitas vezes dificultado não só por um problema de saúde, mas pela falta de consciência coletiva.

Aficionado por futebol, o adolescente é portador da Síndrome de Marfan. A deficiência afeta o sistema esquelético, além dos olhos e também a pele. O problema acarretou diversas complicações durante a vida de Capita.

Os obstáculos crescentes o fizeram se aproximar de uma paixão arrebatadora. Não, não apenas do futebol. Em uma das muitas internações, um sentimento aflorou.

E ele permanece intacto até hoje. Sentimento que move e transforma.

 

A dificuldade de Capita em ir a um jogo de futebol (Foto: Reprodução/facebook)
A dificuldade de Capita em ir a um jogo de futebol (Foto: Reprodução/facebook)

Em conversa com o Alambrado, Capita explicou as condições a que se submete para acompanhar as partidas, falou sobre a sua paixão pelo jornalismo esportivo e seu objetivo de alcançar cada vez mais pessoas para contar sua história e ajudar a fazer mudanças significativas na questão de acessibilidade. Confira:

Conte pra gente um pouco sobre a sua deficiência e como ela atinge o seu dia a dia.

Eu sou portador da Síndrome de Marfan. É uma deficiência que afeta o sistema esquelético, os olhos e a pele. Além disso, tenho também um problema na coluna chamado escoliose. Já fiz dezenas de cirurgias na coluna. Confesso que perdi as contas de quantas intervenções cirúrgicas foram realizadas.

A minha coluna era em formato de ”S” e, até pouco antes de janeiro de 2012, eu operava de seis em seis meses para corrigir o entortamento. Em 2012, fiz uma cirurgia chamada definitiva. A ideia dos médicos era que, assim, eu não precisasse fazer intervenções esporadicamente. No fim, não deu certo.

Se eu não me engano a haste, aparelho que eles usam para fixar a coluna reta, não foi “aceita”. Há uma limitação em relação aquilo que os profissionais podem trabalhar devido à minha deficiência. Na última internação (em 2012), utilizei um aparelho chamado Halo Craniano, era parecido com uma auréola de anjo, onde furavam o meu crânio nos quatro cantos da minha cabeça e colocaram quatro pinos.

Além disso, iam alguns pesinhos neste aparelho que conforme eles iam aumentando o cordão que sustentava os pesos – amarrado ao halo – sustentava minha coluna reta. Infelizmente, não conseguiram colocar o aparelho na coluna (da cirurgia definitiva). Usei colete postural por seis meses. Resolveram tirar e, com um mês, já começou a entortar tudo novamente. E a minha coluna segue torta até hoje.

Fui ao médico recentemente e eles disseram que poucos podem mexer e estamos aguardando a realização de alguns exames para ver o que dá para fazer (e assim melhorar a minha postura e as dores que já duram quase cinco anos). Vale lembrar: antes dos procedimentos realizados eu andava.

E como surgiu essa paixão pelo jornalismo?

Quando eu estava internado no Abreu Sodré, hospital ligado à AACD, o meu quarto não passava os jogos do meu time do coração . Só transmitiam as partidas dos times cariocas, então, precisava procurar alternativas para continuar acompanhando.

Não lembro como aconteceu, mas acabei conhecendo pelas redes sociais a extinta FutMundi. Acompanhei um jogo do Campeonato Paulista por esta web-rádio. A partir disso, comecei a pensar comigo que deveria me aventurar neste meio.

No início, a ideia era ter um site de esportes e uma web-emissora. Mesmo internado, eu mantinha no ar um blog e o twitter do mesmo. Fiquei dois meses com ele no ar. Em abril decidi me arriscar.

Mesmo internado, administrava um site chamado Esporte na Web, que hoje não existe mais. Tinha umas 10, 20 pessoas. E aquilo foi se tornando uma maneira de eu ocupar a minha mente e deixar um pouquinho de lado de viver intensamente o tratamento que estava fazendo – e que fiquei internado por cinco meses.

Além disso, à época a outra maneira de acompanhar o time que eu torço, era ouvindo rádio. Acompanhei muito a Rádio CBN SP – acabei criando uma ligação muito forte com a equipe de esportes. Tive a oportunidade de dizer isso para Deva Pascovicci e Mário Marra, em publicação em uma rede social.

O Deva ainda contou que havia passado por problemas que foram superados, se identificou com o que eu havia escrito e agradeceu. Só lamento ainda não ter tido a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente (apenas o Deva) neste ano.

Além disso, acabei pegando gosto pelo futebol de base por causa do meu tratamento na AACD. As datas coincidiram. Acabei me apegando ainda mais ao meu clube. Quando conquistaram o título da Copa São Paulo foi como uma vitória minha.

E quanto ao futebol, ele sempre fez parte da sua vida?

Eu sou muito novo. Tenho apenas 16 anos e felizmente ultrapassei várias etapas da minha formação profissional e pessoal. Graças a Deus eu consegui corresponder e também dar conta do recado. Infelizmente, também por ser novo, acompanho futebol há pouco tempo, desde 2009.

Confesso que lembro poucas coisas do início, mas sem sombra de dúvidas foi e é fundamental para a minha vida. Hoje em dia eu dei uma controlada e não acompanho como antes, mas em outros anos eu chorava, ficava nervoso, passava mal, minhas pernas tremiam.

Qual a sua visão sobre o atual momento do futebol brasileiro?

O futebol brasileiro está em um retrocesso total. O ápice foi o 7 a 1 sofrido na Copa do Mundo contra a Alemanha. Acredito que questões políticas afetaram demais o futebol do Brasil. Questões políticas e o fato transformarem o futebol em um balcão de negócios.

Não que eu esteja criticando ou seja contra, apenas não devemos esquecer que o futebol é do povo. É para o povo. Infelizmente, muitos não sabem disso ou fingem que não sabem. O momento futebolístico deste país tem muito a ver com a não utilização dos garotos oriundos das categorias de base. Poucos são os jogadores aproveitados pelos técnicos daqui. Sou totalmente contra.

A renovação do futebol brasileiro só acontecerá quando os treinadores tupiniquins apostarem na base. Revelarem. Darem chances às promessas. Eu sempre digo que todo grande jogador precisa passar pelas categorias de base para se tornar um grande atleta de futebol. Não há motivos para não utilizar jogadores que atuem nas categorias inferiores.

Quais as principais dificuldades encontradas por um indivíduo com deficiência física na hora de ir a um estádio de futebol?

Os estádios brasileiros como um todo não são devidamente adaptados aos portadores de necessidades especiais. Tem a questão da falta de acessibilidade. E também de inclusão. Como eu defendo esta causa no Torcedores.com, já li diversos comentários sobre isto.

Sempre existe aquele torcedor mais fanático pelo seu clube do coração que alega que no estádio do time que torce a falta de acessibilidade “não é um problema”. Defendendo o clube até nesta questão. É um fanatismo bobo. Exagerado. Acredito que vai um pouquinho além daquilo que chamamos de paixão.

Neste assunto não deveríamos expressar o nosso amor por determinado clube, mas ser coerente. Eu torço e sou fanático pelo Flamengo de Guarulhos, time da terceira divisão do futebol estadual. O estádio onde o rubro-negro paulista manda seus jogos, o Ninho do Corvo, foi a minha inspiração para escrever o primeiro texto sobre este tema.

Nos estádios pude presenciar algumas cenas desagradáveis. No próprio Flamengo de Guarulhos, para ir à arquibancada do estádio, precisamos subir uma escada. Nem todo mundo se mostra com vontade de ajudar.

Recordo-me que em uma oportunidade, quando eu subia para as arquibancadas, os policiais que são escalados para cobrir as partidas sequer ajudaram. Ficaram apenas observando. Depois de subir é uma luta para poder assistir, pois há quem fique na frente – e eu prefiro acreditar que não ouvem os meus pedidos para dar licença em vez de pensar que simplesmente não quiseram.

Em fevereiro deste ano, em Independente de Limeira x Paulista de Jundiaí, pela primeira rodada do Paulista Série A-2, havia combinado com o Andrezão, auxiliar técnico da equipe limeirense, de entrar em campo com o Alemão, hoje no Bragantino. Ambos atuaram – em anos diferentes – no Flamengo de Guarulhos.

Estava tudo combinado com clube e jogador. Cerca de 15 ou 20 minutos antes do jogo, fui me preparar para entrar no gramado, acompanhado do assessor da equipe. Um fiscal da FPF me barrou! Ele disse que não poderia entrar em campo sem a autorização (ofício) do policiamento ou da própria federação.

O profissional do Galo de Limeira que me acompanhava então pressionou e disse que, quando jogava em casa, crianças entravam com os atletas. O representante então disse que “crianças são diferentes de cadeirantes”. Declaração foi muito infeliz e me deixou muito mal a ponto de não acreditar naquilo que eu tinha ouvido.

Você acha que há uma melhora gradativa do Brasil, e em especial de São Paulo, na questão da acessibilidade?

Sinceramente? Não nos estádios que eu visitei. Já fui no Antônio Soares de Oliveira, do Flamengo de Guarulhos, Nicolau Alayon, na Barra Funda, e na Rua Javari. nenhum dos três tinha as condições necessárias. Claro, pode até ser que tenha um local destinado aos portadores de deficiências físicas, mas de que adianta se a área não dá uma visão ampla do campo?

Pretendo visitar o maior número de estádios de futebol que for possível. Quero verificar e, sobretudo, aprender mais sobre. A minha ideia é um dia visitar os quatro (estádios) dos grandes do estado de São Paulo.

Você é um dos principais representantes dessa luta. Qual o seu maior sonho nessa batalha?

Cara, é difícil falar-se em sonhos, objetivos, metas… Eu quero que os estádios de futebol tenham adaptação. Acessibilidade e inclusão para os portadores de necessidades especiais. Não só apenas ter para dizer que tem, como muitos estádios hoje em dia.

O Internacional de Porto Alegre é um dos poucos clubes do país que realmente se importa com esta questão. Não é à toa que fazem o Jogo da Acessibilidade. Inclusive, quem sabe um dia, eu possa acompanhar esta ação de perto.

Não me considero um dos principais representantes desta luta, não – embora pense em me tornar referência nisso. Sou muito novo. Preciso aprender muito sobre e também ser questionado. E cobrado.

A sua participação no portal “Torcedores.com” é muito ativa. Como surgiu essa oportunidade?

Eu era colaborador do Voz Caiçara, de Santos. Já conhecia o Torcedores.com devido às redes sociais e também ao editor de comunidades do portal. Em agosto do ano passado, fui perguntar ao Renan Prates (editor de comunidades) como funcionava o projeto do site. Queria algo novo. Resolvi arriscar. Mudar.

Quando perguntei, ele me fez o convite para colaborar para o time. Ele que me incentivou a escrever o meu primeiro texto sobre acessibilidade nos estádios – e incentiva até hoje -, abraçou a ideia. Antes de aceitar, ainda conversei com ele algo relacionado à minha idade – à época era um ano mais novo. E ele se surpreendeu. Acredito que ele, assim como outras pessoas, achava que eu era maior de idade.

Ele conversou com o pessoal do projeto e me enviaram um termo de cessão para que meus pais assinassem. Demorou um pouco esta parte, mas deu tudo certo. Em 9 de janeiro deste ano, quatro dias antes do meu aniversário, fui pessoalmente à redação do Torcedores.com entregar o documento nas mãos do editor-chefe.

Pude conhecer o espaço e os jornalistas. Foi legal. Está sendo uma escola – jornalisticamente falando – para mim. Mesmo diante de todos os problemas que me aparecem e tentam ser barreiras que dificultem meus sonhos, sempre procuro dar o meu melhor.

No website colaborativo tento escrever pelo menos um texto por dia. É muito bem organizado. São grandes profissionais. Não tenho dúvidas que vocês ouvirão falar muito mais ainda deste time. Sou muito grato ao pessoal que deu o suporte para que eu escrevesse lá, sobretudo o Renan, o responsável por me levar mesmo eu sendo o mais novo de todos do projeto.

Qual o seu principal objetivo dentro do jornalismo?

Cara, se eu disser um ou outro eu estarei mentindo. São vários. Eu sou apaixonado por imprensa escrita e por televisão. Gosto de assessoria de imprensa também. Penso em trabalhar em uma das duas áreas, sobretudo imprensa escrita e televisiva – principalmente se a empresa respirar esportes.

Eu quero contar histórias. Quero ajudar pessoas. Dar voz àqueles que não tem tal espaço e liberdade. Sou novo, mas já imaginei e sonhei com diversas coisas, dentre elas, escrever um livro ou até mesmo um documentário sobre acessibilidade nos estádios – ou quem sabe até mesmo minha vida história de vida.

E na vida, qual o sonho do Ronald Capita?

Eu sinceramente queria realizar meu grande sonho de ter um Instituto que levasse o meu nome para ajudar crianças e adolescentes. Tenho um grande espelho que é a AACD – por fazer tratamento lá há 14 anos. Seria algo que sem dúvida nenhuma é um dos meus maiores sonhos. Imagina você ter um reconhecimento devido ao seu trabalho e, por ele, poder ajudar pessoas? Espero que eu consiga realizar este sonho.

Algumas matérias de Ronald Capita na luta pela acessibilidade

Opinião: Por que não falam em acessibilidade nos estádios?

http://torcedores.com/noticias/66670-opiniao-por-que-nao-falam-em-acessibilidade-nos-estadios

Opinião: Despreparo para receber portadores de deficiência física frustrou minha primeira ida à Javari

http://torcedores.com/noticias/71063-opiniao-despreparo-para-receber-deficientes-frustrou-minha-primeira-ida-javari

Conheça a EficiGalo, a torcida do Atlético-MG que luta por inclusão nos estádios

http://torcedores.com/noticias/2015/01/conheca-a-eficigalo-a-torcida-do-atletico-mg-que-luta-por-inclusao-nos-estadios

Saiba como é o sofrimento para um cadeirante ver futebol nos estádios brasileiros

http://torcedores.com/noticias/2015/07/saiba-como-e-o-sofrimento-para-um-cadeirante-ver-futebol-nos-estadios-brasileiros

Deixe seu comentário!

comentários