1975 foi o ano em que o Campeonato Sul-Americano definitivamente deixou de existir, dando lugar à Copa América. O conceito, contudo, era basicamente o mesmo: ser o principal torneio continental entre as seleções filiadas à Conmebol. A mudança veio após oito anos de hiato, quando a entidade, em dificuldades financeiras – assim como suas confederações -, desistiu de realizar o torneio em 1971.
Com a mudança, o formato em pontos corridos foi substituído pela decisão em mata-mata. As sedes fixas acabaram abolidas, e o torneio passou a ser mais longo – foram mais de três meses de disputa. Todas as novidades eram tentativas da Conmebol de atrair mais público, fazendo com que as principais estrelas do continente participassem do torneio.
As medidas deram parcialmente certo. A Argentina não enviou o que tinha de melhor, poupando os atletas de Boca Juniors, River Plate, Racing Club, Independiente e San Lorenzo, os chamados cinco grandes da Argentina. Contudo, para sorte geral, o maior craque daquela geração não atuava em nenhum desses clubes. Mario Alberto Kempes Chiodi, El Matador, tinha só 21 anos, mas já fazia barulho em Rosário, atuando pelo Central. Outro destaque era Luque, do Unión de Santa Fe, que futuramente seria um dos destaques do título mundial de 1978.
Algo parecido aconteceu com o Brasil. Como de costume, as principais estrelas foram poupadas, mas um time mais forte que o normal foi enviado para brigar pela América. Buscando resultados melhores, a CBF decidiu mandar a campo não mais um combinado de times de segunda linha, mas sim uma seleção somente com atletas que defendiam clubes de Minas Gerais. Apesar da ausência de Rivellino, Paulo Cézar Caju, Jairzinho, Leão, Leivinha e Ademir, estavam lá Raul, Nelinho, Dirceu Lopes, Piazza, Palhinha e Reinado. Uma equipe respeitável.
O Uruguai já não contava com uma grande seleção, digna de seus tempos áureos, mas mesmo assim pulou a fase de grupos e esperou seus adversários na semifinal, por ter sido campeão da esvaziada edição de 1967. Era de se considerar, portanto, que a terceira força do continente estava nos Andes: a mitológica seleção peruana da década de 1970.
Teófilo Cubillas, Hugo Sotil, Héctor Chumnpitaz, Juan Carlos Oblitas e César Cueto, apenas para citar alguns, fizeram parte do Dream Team do futebol do país. O Peru já havia conquistado o Sul-Americano de 1939, com um bom time, mas nada se comparava àquela geração. Seus feitos começaram antes da Copa de 1970, quando a equipe roubou a vaga da Argentina para o torneio.
No México, os peruanos não fizeram feio. Alcançaram as quartas de final, sendo eliminados ao perderem para o insuperável Brasil, por 4 a 2. Cubillas, com cinco gols, foi eleito a revelação do Mundial. Mas nem tudo eram flores naquela década. Sem seu camisa 10 no jogo decisivo contra o Chile, pelas eliminatórias de 74, a equipe perdeu e ficou de fora daquela Copa.
Nenhum dos craques peruanos foi poupado para a Copa América de 75. Disposta a recuperar o prestígio, a equipe passeou na primeira fase, pelo grupo B, ao lado de Chile e Bolívia. O Peru estreou com um empate com o Chile em Santiago, mas engatou três vitórias na sequência, incluindo um difícil triunfo sobre a Bolívia na pornográfica altitude de Oruro, por 1 a 0. Avançou com folga.
O grupo C reunia os azarões do torneio. Colômbia, Paraguai e Equador brigaram pela vaga nas semifinais, e os cafeteros terminaram por atropelar seus adversários. Quatro jogos, quatro vitórias e uma classificação tranquila. Enfrentariam o Uruguai na fase seguinte.
Por fim, o Peru teria a ingrata missão de enfrentar o melhor do temido grupo A, de Brasil, Argentina, e… Venezuela. La Vinotinto, obviamente, tornou-se o saco de pancadas oficial daquela Copa América. Registraram quatro derrotas, com 26 gols sofridos e apenas um gol anotado. Diante dos argentinos, em Rosário, os venezuelanos sofreram aquela que até hoje é a maior goleada da história da competição: 11 a 0.
Como era de se esperar, os jogos mais disputados da primeira fase foram entre brasileiros e argentinos. O aguardado duelo veio na terceira rodada. Perspicaz, a CBF não mandou o jogo no Maracanã, mas sim no Mineirão, esperando presença em massa da torcida local para apoiar a mais mineira de todas as seleções. Deu certo. 80 mil pessoas testemunharam Asad abrir a porteira para os hermanos, e Nelinho, ídolo cruzeirense, marcar os dois gols da virada.
Fortalecida pela imensa goleada sobre a Venezuela, a Argentina só precisava de uma vitória simples sobre o Brasil para se classificar, enquanto os rivais jogariam pelo empate, na última e decisiva rodada. Também perspicaz, a AFA quis dar o troco na mesma moeda ao mandar o jogo em Rosário, base de seus convocados, e não em Buenos Aires. Resultado? 50 mil pessoas assistiram Danival fazer o gol da vitória e da classificação brasileira para a fase seguinte.
O primeiro jogo entre Brasil e Peru foi novamente no Mineirão. Entretanto, com público muito inferior. Apenas 25 mil espectadores. Torcida e imprensa acreditavam em fácil vitória canarinho, apesar do Dream Team peruano do outro lado. Luis Pereira, craque do Palmeiras, que havia reforçado a zaga no duelo contra a Argentina, foi liberado e deu lugar a Miguel. No ataque, Osvaldo Brandão decidiu testar o novato Roberto Dinamite, revelação do Vasco.
Foi quando o Peru, derrotado em 70, enfim se apresentou ao Brasil. Aproveitando uma falha justamente de Miguel, Casaretto abriu o placar logo aos 19 minutos. No início do segundo tempo, o time da casa empatou, com Roberto Batata aproveitando rebote da zaga adversária.
Mas, na marca de 37, Cubillas registrou um dos lances mais icônicos de sua carreira. Colocando em prática os ensinamentos de Valdir Pereira, o Didi, ídolo brasileiro que era o técnico do Peru na Copa de 70, o camisa 10 peruano bateu falta com perfeição no ângulo esquerdo de Raul, no melhor estilo “folha seca”, imortalizado por seu mentor. Mineirão em silêncio. Como se não bastasse, Casaretto, aos 43, ampliou com um chute de fora da área.
Tratada como vexame, a derrota fez com que Brandão, pressionado, fosse obrigado a mexer no time para o jogo de volta, em Lima. Saiu Miguel na zaga, entrou Vantuir. Palhinha foi para o banco, assim como Dinamite, para entrada de Zé Carlos e Campos.
As alterações deram resultado. Com gols de Meléndez, contra, e de Campos, já no segundo tempo, o Brasil devolveu com 2 a 0. Fosse nos dias de hoje e o Peru estaria na final, pelo critério de gols fora. Ou, quem sabe, por uma decisão nos pênaltis. Mas a Conmebol ainda patinava na organização de torneios (o que pouco mudou de lá para cá, diga-se), e, seguindo o regulamento, o finalista foi conhecido no… cara ou coroa.
A folclórica passagem possui poucos registros. Conta-se que, ao apito final, os capitães dos dois times foram chamados pelo árbitro, como no início de um jogo qualquer. Um escolheu cara, outro coroa, e a moeda foi lançada no ar. Cubillas e seus companheiros tinham 50% de chances de jamais terem ganhado qualquer título com a camisa peruana, correndo o risco de ficarem na história como uma geração marcante, mas não vitoriosa.
Os deuses do futebol impediram a tragédia. Vitória peruana no cara ou coroa, e a final foi decidida diante da Colômbia, que havia passado sem muitos sustos pelo Uruguai na semifinal. No primeiro jogo, vitória por 1 a 0 dos cafeteros em Bogotá. Na volta, Oblitas e Ramirez devolveram com um 2 a 0.
Título na moeda? Até a Conmebol achou demais. Desta vez, o desempate foi feito em um terceiro jogo, disputado em campo neutro – mais precisamente em Caracas, na Venezuela. E, com um solitário gol de Sotil, aqueles peruanos deixaram de ser apenas brilhantes para se tornarem campeões.