Quando a política entra em campo

Quando a política entra em campo

Conheça a história de três jogadores famosos por suas posições políticas

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O ser humano, raciocinou Aristóteles (384 – 322 a.C.), é um animal naturalmente político. Com base neste conceito do filósofo grego, deduzimos que todas as ações do homem e da mulher estão relacionadas, de alguma maneira, a princípios, organização e administração da vida em sociedade. E dentro do esporte isso não é diferente.

Sabemos, inclusive, que há governos, sobretudo os ditatoriais, que o utilizam como instrumento para promover a ideia de superioridade de um povo, estabelecer unidade nacional e desviar o foco dos problemas sociais e econômicos do país.

Mas assim como existem casos de sistemas políticos que se destacaram por usar o esporte como ferramenta para propagar determinado tipo de pensamento e obter adesão popular, também são notáveis os atletas que se recusaram a obedecer à ordem vigente e se rebelaram abertamente contra o “sistema”, em termos mais gerais.

No futebol, em especial, quero destacar três nomes: o do alemão Paul Breitner, o do chileno Carlos Caszely e, por motivos óbvios, o de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira. Todos eles foram grandes jogadores que defenderam as seleções de seus respectivos países e, em distintos aspectos, tiveram importante papel social.

O foco, admito, não era falar de Sócrates, porém seria uma heresia deixar de citar o Doutor, apelido que ganhara antes mesmo de obter este título em medicina, em virtude de sua vocação política, de seu posicionamento contra a ditadura militar e de sua participação no movimento “Democracia Corintiana”, no início dos anos 1980.

Por exemplo, em 1984, num comício realizado no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, ele garantiu que não deixaria o Brasil caso fosse aprovada no Congresso a Emenda Dante de Oliveira, que visava reinstaurar as eleições diretas para presidente da República. Como a proposta foi rejeitada, o camisa 8 mudou-se para a Itália e foi jogar pela Fiorentina.

Convenhamos, o Magrão (outro apelido de Sócrates) merece um capítulo à parte nessa história. Ele foi brevemente lembrado nestas linhas para que eu não cometesse um crime contra sua honrada memória e sua luta por um mundo mais justo, livre e humano. Então, foquemos a partir de agora nas figuras de Breitner e Caszely.

Paul Breitner 

Hoje com 63 anos, Breitner foi um talentoso lateral-esquerdo que durante sua carreira atuou no Bayern de Munique-ALE, no Real Madrid-ESP, no Eintracht Braunschweig-ALE e na seleção da Alemanha Ocidental. Em 1972, ganhou a Eurocopa. Duas temporadas depois, faturou a Copa do Mundo e a primeira Copa dos Campeões da UEFA do Bayern.

Talvez Breitner seja mais conhecido, no entanto, por ter renunciado ao selecionado alemão antes do Mundial de 1978, sediado na Argentina, que vivia então o período mais sangrento de sua história. De opiniões fortes, o jogador teve desavenças com a comissão técnica e a maioria de seus companheiros de equipe, sendo ausência no torneio.

Além dele, o meio-campista Willem van Hanegem e o meia-atacante Johan Cruyff, vice-campeões com a Holanda em 1974, bem como o lateral-esquerdo argentino Jorge Carrascosa, capitão alviceleste, não participaram da Copa. Os motivos destes três, na verdade, foram mais pessoais do que políticos.

Em 2008, Cruyff revelou ter sido vítima de uma tentativa de sequestro em sua casa, em Barcelona, e isso o desmotivou a embarcar para o Mundial. Por sua vez, van Hanegem não estava em condições físicas e técnicas ideais, enquanto Carrascosa mostrava-se desiludido com o lado sujo do futebol. Enfim, são histórias que não nos convêm agora.

Posteriormente, Breitner tentou, sem sucesso, conscientizar os atletas alemães sobre a ditadura militar que governava o país sul-americano e pediu-lhes para repudiá-la todas as vezes que fossem jogar. Apesar das contradições ideológicas que apresentou ao longo da vida, o lateral costumava posicionar-se de maneira progressista, como no caso citado.

Contudo, esta não era a primeira vez que ele se manifestava para falar de política. Num mundo dividido pela bipolaridade da Guerra Fria, o jogador se autodenominava “maoísta” e foi várias vezes fotografado com o retrato de Mao Tsé-Tung, líder da Revolução Chinesa, e com o Livro Vermelho, uma coletânea de citações de Mao.

Pau Breitner
Breitner com seu cão e o pôster de Mao Tsé-Tung, ao fundo (Reprodução/ Picture-Alliance­ Sven Simon)

Quanto às suas qualidades, Breitner era diferente e não precisava valer-se de uma aparência extravagante para se sobressair. Embora se apresentasse com um cabelo volumoso e um característico bigode, ele chamava mais a atenção pelo que fazia dentro dos campos, pois era um atleta rápido, forte e inteligente.

E como ficou o Mundial em 1978? A Alemanha avançou junto com a Polônia à segunda fase. No estágio seguinte, terminou na terceira colocação do grupo A e foi eliminada. Já a Holanda, desfalcada de dois importantes jogadores, conseguiu classificar-se em primeiro. Na final, perdeu na prorrogação para a Argentina, que conquistou seu primeiro título, com o placar de 3 a 1.

*Curiosidade: Breitner é um dos três jogadores a marcar gols em duas finais de Copa do Mundo (1974 e 1982), ao lado dos brasileiros Vavá (1958 e 1962) e Pelé (1958 e 1970).

Carlos Caszely

Outro nome de peso que ficou fora da Copa de 1978 foi o do atacante Carlos Caszely. Atualmente com 64 anos, o chileno foi um dos mais destacados jogadores da história de seu país. Ídolo do Colo-Colo-CHI, também teve passagem pelas equipes do Levante-ESP, do Espanyol-ESP e do Barcelona de Guayaquil-EQU.

Durante as eleições presidenciais de 1970, Caszely apoiou a Unidade Popular, coalizão de partidos de esquerda encabeçada por Salvador Allende, e depois apoiou a reeleição da deputada Gladys Marín e do senador Volodia Teitelboim, parlamentares comunistas.

Caszely e Allende
Caszely (à dir.), ainda sem bigode, com o presidente Salvador Allende (Foto: Reprodução / Ferplei)

Mas a vida do “Chino” começou a mudar em 1973, quando um golpe militar destituiu o governo democraticamente eleito de Allende. Desta maneira, o general Augusto Pinochet passa a governar o Chile a mãos de ferro. E Caszely, por suas opiniões políticas, não seria mais convocado pelo técnico Caupolicán Peña para a seleção nacional.

Antes da Copa de 1974, a mãe do atacante sofreu um sequestro suspeito (feito pelos militares) e foi torturada. O filho, que havia se transferido para a Espanha, afirma até hoje desconhecer as acusações que levaram o episódio a ocorrer. No embarque para o Mundial da Alemanha, ele encontrou-se com Pinochet e recusou-se a lhe dar a mão.

“Fui o único jogador que não cumprimentou o ditador. Eu tinha medo, mas era o que tinha que fazer. Encontrei-me com ele várias vezes e só o cumprimentei uma”, disse ao jornal Marca. Em campo, as coisas não foram nada bem. Ele acabou expulso no jogo contra os anfitriões e o acusaram de tê-lo feito de propósito para ser desfalque na partida contra a Alemanha Oriental – supostamente por afinidade ideológica.

O Chile caiu na primeira fase do Mundial, e a vida de Caszely mudaria por um bom tempo. Ele deixou de ser convocado durante as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1978, nas partidas contra Peru e Equador. Embora os números do atacante não deixassem dúvida de que ele era importante para a equipe, a decisão permaneceu inalterada. No fim, “La Roja” acabou em segundo lugar do grupo e perdeu a vaga para o Peru.

A versão oficial afirma que Caszely estava lesionado, mas o próprio atacante garante que Pinochet, por intermédio do então diretor da Associação Central de Futebol (ACF), Eduardo Gordon, o vetou das convocações, o que o fez perder a disputa da Copa América de 1979. Ele só voltou à seleção para disputar a Copa de 1982, na Espanha.

Em 1988, quando o Chile estava imerso no plebiscito que decidiria se Pinochet seguiria ou não no poder até 1997, “Chino”, já aposentado, participou de um programa televisivo ao lado da mãe e mostrou-se contrário à permanência do ditador (o “não” ganhou com 55,99% de votos). Após o retorno da democracia, Caszely continuou participando da vida política do país.

Como visto nos exemplos acima, futebol e política são dois assuntos que sempre andam juntos. São duas atividades que mobilizam massas e mexem com paixão, embora esta tenha sido menos importante que o dinheiro ultimamente, tanto em um quanto no outro, o que só fortalece a semelhança entre ambos.

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