Os ditadores e o futebol – Parte final

Os ditadores e o futebol – Parte final

Há quem pense que o futebol seja apenas um esporte, quando na verdade ele vai muito além disso

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O futebol vai muito além das quatro linhas. Quem diz que o esporte bretão se limita “a um bando de homem correndo atrás de uma bola” se engana redondamente. Trata-se de algo muito mais complexo e intenso, que proporciona ao torcedor imensa alegria ou profunda tristeza. Mais do que isso, o futebol pode ser usado inclusive por governantes autoritários como importante manobra política. E é sobre eles que iremos falar nesta série de três capítulos do Alambrado. Confira a terceira parte de “Os ditadores e o futebol”.

Veja a primeira parte clicando AQUI e a segunda, AQUI.

Benito Mussolini 

O Duce foi só mais um a utilizar o futebol para interesses políticos (Foto: Reprodução)
O Duce foi só mais um a utilizar o futebol para interesses políticos (Foto: Reprodução)

Não há como dizer com propriedade qual era o time favorito de Mussolini, até porque um dos maiores ditadores da história não gostava muito do esporte. Ele tem ligações com a Lazio e com a Roma – o que será explicado logo a seguir.

Primeiramente, vale informar que Benito Mussolini foi o ditador fascista que governou a Itália entre os anos de 1922 e 1943, quando foi capturado, morto e exposto em praça pública. Como outros ditadores, ele viu no futebol uma forma de popularizar o regime fascista. Foi assim que surgiu no início dos anos 1920 a Prima Divisione, da qual participariam clubes de diversas regiões, e não somente de algumas cidades do norte ocidental, propagando os ideais do fascismo com mais facilidade por todo o país.

É aí que aparecem a Roma e a Lazio. Por se tratar da capital da Itália, a “base” do regime fascista, o ditador precisava de clube local forte para representar seu regime. Contudo, somente nesta região existiam quatro grandes candidatos: Lazio, Alba Audace, Fortitudo Pro Roma e Roman FC. Os fascistas enxergavam a necessidade de fundi-los para se equipararem aos times de elite.

As negociações pareciam avançadas, estava quase tudo certo, mas Giorgio Vaccaro, dirigente da Lazio e general fascista, junto do presidente do clube, Ettore Varani, rejeitou a união, pois os azuis-celestes já haviam se consolidado com três vice campeonatos italianos e a fusão com rivais não se enquadrava nos ideais deles, que desejavam uma Lazio autônoma.

Assim, no dia 22 de julho de 1927, Alba, Fortitudo e Roman se unem para dar origem à Associazione Sportiva Roma (ainda que o acordo estivesse selado desde 7 de junho daquele ano). Pouco importa. Na falta de um, três clubes formavam uma grande equipe, dando início à rivalidade que perdura até hoje entre Lazio e Roma. O primeiro presidente romanista foi o fascista Italo Foschi, ex-presidente do Fortitudo Pro Roma. Logo na primeira temporada, o clube venceu a extinta Coppa CONI, já rendendo frutos e enchendo os fascistas de esperança.

Sob o regime fascista, a Itália conquistou duas Copas, mais por conta da pressão e ameaça, que pela paixão (Foto: Reprodução)
Sob o regime fascista, a Itália conquistou duas Copas, mais por conta da pressão e ameaça do que pela paixão (Foto: Reprodução)

Para a alegria do ditador Mussolini, o clube foi popularizando-se, superando a Lazio, graças ao suporte da classe média, que era a base de apoio do Duce. Além disso, a Roma promovia outras modalidades, como luta greco-romana, atletismo e ciclismo.

Mas nem tudo são flores. No Campeonato Italiano, que ainda não era a atual Série A, a Roma sofreu devido à gritante diferença entre o norte e sul, mesmo com a tentativa do regime em equilibrá-la. Então, Milan, Juventus, Genoa e Bologna dominavam o futebol no país da bota. Para se ter noção, o primeiro título nacional da Roma veio em 1941-42.

Com a queda do regime fascista, as coisas mudaram na Itália e também para a Roma. Anos após a conquista inédita, o clube foi rebaixado para a segunda divisão e pior: ao ouvir a notícia, Italo Foschi sofreu uma parada cardíaca e faleceu.

A Lazio, coitada, só viria a conquistar o Calcio em 1973-74, e pior, veria aainda  Roma se desligar dos ideias fascistas e ela mesma permanecer com eles, uma vez que seus fundadores e dirigentes eram do regime ditatorial e sua torcida, até hoje, caracteriza-se como fascista, entoando cânticos xenófobos e de cunho racial.

Josef Stalin (Dínamo Moscou)

Stalin via no esporte uma forma de educar a população (Foto: Reprodução)
Stalin via no esporte uma forma de educar a população (Foto: Reprodução)

Para falar de Josef Stalin, que dizem ter sido torcedor do Dínamo Moscou, mas também não era lá muito fã de futebol e usava o esporte por interesses diplomáticos e políticos, citaremos duas histórias envolvendo o Dínamo e o Arsenal, da Inglaterra.

O ditador governou a União Soviética de 1922 a 1953. Foi mais sanguinário e cruel que Hitler. Não à toa, matou muito mais que o nazista. Cerca de 40 milhões de pessoas pereceram sob o regime stalinista. Triste. Mas voltemos ao futebol.

Em novembro de 1945, o Dínamo Moscou foi convidado pela Football Association, entidade que controla o futebol na Inglaterra, para jogos amistosos a fim de celebrar o término da II Guerra Mundial e o retorno das atividades futebolísticas na Inglaterra.

O confronto emblemático seria contra o Arsenal. Os soviéticos ficaram hospedados em White Hart Lane, onde situa-se o rival dos Gunners, o Tottenham. No dia do jogo havia uma forte neblina, e os atletas pediram ao árbitro para que cancelasse a partida, mas não foram atendidos.

A neblina era tão forte que os jogadores não conseguiam enxergar nada, muito menos o juiz, fato que abriu possibilidade para jogadas desleais. Ou seja, a partida amigável virou uma bagunça total. As equipes faziam o que bem entendiam, e o árbitro deixava tudo rolar.

Por exemplo, o Dinamo fez uma “substituição” sem substituir um atleta, atuando com mais de 11 homens. Espectadores na época chegaram a dizer que os russos tiveram 15 jogadores em campo. Mas o Arsenal não ficou para trás. Ao longo da partida, por conta de faltas e entreveros, os londrinos tiveram uma expulsão. Passados alguns minutos, o jogador retornou sem o consentimento do árbitro, que não reparou nada.

Outro acontecimento insólito na partida foi que um goleiro – não se sabe de qual equipe – acabou sendo nocauteado pela trave, pois não conseguiu enxergá-la. Acabou que um espectador tomou seu lugar na meta. O jogo acabou 4 a 3 para o Dínamo, num dia em que o resultado ficou em segundo plano para o que aconteceu em White Hart Lane.

Já a outra história emblemática envolvendo os dois clubes aconteceu em 5 de outubro de 1952, no declínio da ditadura stalinista. Para promover “a amizade entre as nações”, foi feito um novo confronto amigável entre Dínamo Moscou e Arsenal, desta vez em Moscou, na Rússia. O jogo não teve neblina ou entradas desleais, e tudo ocorreu na mais perfeita ordem. Resultado: 5 a 0 para os soviéticos.

Francisco Franco (Real Madrid)

Franco foi um dos poucos ditadores que realmente gostava do clube pelo qual "torcia" (Foto: Reprodução)
Franco foi um dos poucos ditadores que realmente gostava do clube pelo qual “torcia” (Foto: Reprodução)

Por último, mas não menos importante que os demais ditadores, está Francisco Franco, que governou a Espanha de 1936 a 1975 e torcida declaradamente para o Real Madrid. Foi ele quem acirrou a rivalidade entre o clube merengue o Barcelona, além de ser pivô da famosa discussão “O Real é o que é hoje por causa do ditador?”.

Antes de Franco se estabelecer concretamente no poder, o Real Madrid havia conquistado apenas dois Campeonatos Espanhóis: 1931-32 e 1932-33. Depois, amargou um jejum 22 anos sem conquistar a La Liga, embora tivesse vencido a Copa do Rei em algumas oportunidades. Enquanto isso, Barcelona, Athletic Bilbao, Valencia e Atlético de Madrid dominavam a Espanha.

Mas em 1953, quando o Franquismo chegou ao auge, as coisas mudaram para o Real Madrid. Principalmente por causa da chegada de Di Stéfano. O atleta, que de acordo com a história tinha seu passe ligado a River Plate e Millonarios, estava acordado com o Barcelona, que negociava sua transferência com o time argentino.

Contudo, o Real entrou na briga e passou a negociar com o Millonarios, da Colômbia. No final das contas, a Federação Espanhola sentenciou que o atleta jogasse quatro anos em cada equipe, o que não foi aceito pelos catalães. Assim, Di Stéfano se transferiu para o clube da capital, onde fez história e acirrou a rivalidade entre Barcelona e Real Madrid.

Registros apontam que a contratação de Di Stéfano somente aconteceu por causa da “ajudinha” de Franco aos cofres do time merengue, que, na época, não fazia frente para equipes do nível de Barcelona e Atlético de Madrid.

Di Stéfano conquistou cinco das seis Ligas dos Campeões sob o regime de Franco (Foto: Reprodução)
Di Stéfano conquistou cinco das seis Ligas dos Campeões sob o regime de Franco (Foto: Reprodução)

Vale ressaltar que em 1936 o então presidente do Barcelona Josep Suñol foi fuzilado por militares do regime franquista, por causa da ida de Josep a Valência para tratar de assuntos políticos, e não futebolísticos. O Barça perdeu seu dirigente e ainda teve a sede destruída por bombardeios. O clube azul e grená era a resistência. Por isso, Franco proibiu a língua catalã, mas os torcedores barcelonistas seguiam falando no idioma da região, sobretudo Camp Nou.

Graças à chegada de Di Stéfano e ao auge do regime franquista, o Real Madrid ganhou status de soberano na Espanha. Foram diversos títulos espanhóis (contando La Liga e Copa do Rei), além de seis conquistas da Liga dos Campeões da UEFA.

O documentário “O Madrid real: A lenda negra na glória branca” afirma que o Estádio Santiago Bernabéu, nome dado em homenagem ao presidente do Real, foi construído com dinheiro público, num período onde a Espanha se recuperava da Guerra Civil e o Real Madrid andava mal financeiramente. Vale lembrar que Santiago Bernabéu havia sido ex-jogador do clube e soldado de Franco durante a guerra.

Outra suspeita levantada pelo documentário é a boa relação do Real Madrid com a comissão de arbitragem. As esposas dos árbitros recebiam presentes, como ramos de flores, conforme disse um ex-dirigente merengue.

Por ter sido um dos ditadores que mais ficou no poder, e com grande ligação ao futebol, é compreensível a suspeita de que o Real Madrid somente é o que é hoje por causa de Francisco Franco. Porém, não há fatos que comprovem isso, e após o fim do regime franquista o Real Madrid seguiu vencedor, mostrando que não dependia apenas de um tirano torcedor.

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