Os duelos mais sangrentos da Copa Intercontinental – Parte III

Os duelos mais sangrentos da Copa Intercontinental – Parte III

Confira a violenta final entre Milan e Estudiantes em 1969

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O Alambrado encerra aqui a série especial que mostra um tempo em que a rivalidade entre dois continentes alcançava limites extremos dentro e fora de campo. Uma época em que os duelos entre europeus e sul-americanos muitas vezes eram rotulados como batalhas, no sentido físico e psicológico.

Depois de apresentar as histórias das finais da Copa Intercontinental em 1967 e 1968, chega a vez de falar sobre o confronto de 1969, que acabaria se tornando um marco dessa época em que o campo de futebol acabava virando um ringue de luta livre, sem as regulamentações e punições de hoje em dia. Como consequência, o próprio torneio sofreria retaliações e teria que se adaptar às condições dos clubes em edições seguintes.

1969 – Milan x Estudiantes

A final da Copa Intercontinental daquele ano teria vários candidatos a protagonista. Poderia ser Juan Ramón Verón, “La Bruja”, uma lenda do Estudiantes que havia sido o heroi do título do torneio no ano anterior. Ou Gianni Rivera, um dos maiores jogadores italianos de todos os tempos, capitão do Milan e estrela da seleção na época.

Mas um fator externo faria com que o maior personagem da história daquele duelo decisivo fosse outro. Alguém que, por conta de suas origens, poderia gerar sentimentos de ódio para um lado, e de gratidão para o outro.

O protagonista em questão era Nestor Combin. Nascido em Las Rosas, na Argentina, Combin foi embora de seu país de origem pouco antes de completar 20 anos de idade, sem ter chegado a cumprir o serviço militar. Em um país com regime ditatorial, acabou sendo considerado um desertor quando viajou para a França, onde defenderia o Lyon.

O sucesso no clube acabaria gerando um convite para defender a seleção francesa e, posteriormente, uma transferência para o futebol italiano, onde Combin defenderia Juventus e Torino antes de chegar no Milan, em 1968.

Mas voltemos ao contexto da decisão intercontinental. Apesar do título no ano anterior, o Estudiantes chegava como zebra para enfrentar um esquadrão estrelado do Milan, que além dos já citados Rivera e Combin, contava também com o brasileiro naturalizado italiano Angelo Sormani, além do alemão Karl-Heinz Schnellinger.

Na partida de ida, os milanistas fizeram valer sua superioridads técnica com certa facilidade. Logo aos oito minutos, Sormani abriu o placar para os donos da casa. Pouco antes do final do primeiro tempo, Combin driblou o goleiro Poletti e aumentou a vantagem. No segundo tempo, o Milan tirou o pé, mas ainda selaria a vitória com outro belo gol de Sormani. O placar de 3×0 deixava a situação praticamente irreversível para os argentinos no jogo de volta.

Mas o Estudiantes não iria deixar barato. Mesmo se perdesse a final na bola, teria que deixar sua marca no time italiano. E para fazer isso sem gerar uma reação contrária por parte de sua própria torcida, precisavam escolher um alvo. E ninguém melhor do que Combin, o “traidor da pátria argentina”.

A campanha contra o jogador já havia sido iniciada antes do jogo de ida, e o tom subiu após o gol marcado na partida em Milão. A imprensa argentina repassava o histórico do atleta e clamava para que os jogadores do Estudiantes lutassem pela vitória e, acima de tudo, pela “justiça”. Supostamente, um dos generais do regime participou da preleção, com um discurso de “ganhar ou morrer”.

Na entrada para o campo, os jogadores do Milan sentiram na pele o clima hostil que havia sido construído. Nem mesmo a ideia de entrar com uma bandeira da Argentina serviu para acalmar os ânimos dos 45 mil torcedores presentes na Bombonera, que atiraram moedas e café quente na direção dos atletas.

A bola rolou e a guerra intercontinental continuou. Logo no início da partida, Combin sofreu um chute no rosto, desferido pelo goleiro Poletti. Enquanto era atendido, ouvia gritos de “porco traidor”, vindos tanto das arquibancadas como dos adversários dentro de campo. Mas a violência não impediu o Milan de abrir o placar e praticamente assegurar o título, com um gol do craque Rivera aos 30 minutos.

"A noite de fogo" retratada pelos jornais italianos (Foto; Reprodução)
“A noite de fogo” retratada pelos jornais italianos (Foto; Reprodução)

O Estudiantes ainda conseguiu a virada com gols de Conigliaro e Aguirre Suárez, pouco antes do intervalo. Mas em vez de buscar outros dois gols, que levariam a decisão para o jogo extra, o time da casa resolveu intensificar a carga de cenas lamentáveis na partida. E foi aí que Combin apareceu novamente, desta vez atingido por Aguirre Suárez. Caído, recebeu outro golpe, que acabou quebrando seu nariz e tirando-o da partida.

A vingança contra Combin estava quase concluída, mas com o atleta fora de combate, seus companheiros sofreriam ainda mais. O atacante Pierino Prati teve uma concussão cerebral após um choque com Bilardo, e acabou sendo mais uma baixa. Rivera tomou um soco na nuca, e Lodetti recebeu joelhadas nas costas.

A batalha acabaria com o apito final e o título do Milan, mas pela terceira vez seguida, o time campeão não poderia dar a volta olímpica com a taça. Assim que o árbitro encerrou o jogo, a polícia entrou em campo para prender Combin por deserção. Na confusão envolvendo policiais e jogadores, a taça do torneio intercontinental acabaria danificada.

A notícia de que um jogador havia sido preso acabaria sendo a principal manchete, superando até mesmo o placar do jogo. A imprensa europeia ficou revoltada com as atitudes dos argentinos, e inciaram uma campanha pela liberação de Combin e pelo boicote dos europeus à Copa Intercontinental.

Temendo retaliações políticas que pudessem afastar a Argentina da função de sede da Copa de 1978, Juan Carlos Onganía, general no comando do país, ordenou a soltura do atleta. Para minimizar as críticas, se posicionou contra a postura dos atletas do Estudiantes, que acabram punidos. Suárez, Manera e Poletti ficaram detidos por cerca de um mês, e sofreram suspensões esportivas, sendo que o último seria banido do futebol – algo que foi revogado sete meses depois, com a queda do ditador.

 

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