A vida de Pacheco parecia girar em torno de futebol. Um fanático, louco, alucinado, daqueles cuja paixão obsessiva pelo esporte só é compreendida por aqueles que compartilham do mesmo sentimento de amar algo que normalmente proporciona muitas decepções e algumas alegrias. Poucas, mas memoráveis.
2014 tinha tudo para ser um ano marcante para Pacheco, que já tinha iniciado os preparativos para acompanhar a Copa do Mundo no quintal de casa. Típico torcedor ufanista, não via nenhuma forma do Brasil perder o título em seu território. “Dessa vez não escapa. Vacilamos em 50, mas o raio não cai duas vezes no mesmo lugar”, bradava nas rodas de carteado de domingo.
O ano realmente acabaria sendo marcante para ele, mas não como esperado. Poucos meses antes do Mundial, Pacheco resolveu assistir um jogo no novo Maracanã para “sentir o clima”. Habituado ao setor da geral no antigo estádio, se recusou a sentar na confortável cadeira que estava reservada em seu nome durante o jogo, o que gerou revolta de alguns espectadores presentes, incluindo um rapaz de camisa agarradinha que o agrediu com um pau de selfie.
O ataque na cabeça foi forte, mas Pacheco mal sentiu. Ficou desacordado na hora, e nem pôde ver seu agressor, amigo de um influente político, ser retirado calmamente do local, “para evitar uma confusão”.
Veio o coma. O futebol continuava, mas a paixão de Pacheco seria interrompida por um certo tempo. Dias, meses, um ano. Acordou na última semana, estranhando o quarto de hospital e a situação em que se encontrava. Clarice, a esposa que vigiava seu descanso, explicou quanto tempo ele havia ficado desacordado. E sua primeira pergunta não podia ter sido outra.
– E a Copa?
Clarice, mulher firme que não tinha medo de contar a verdade, fez um breve resumo ao marido.
– A Copa foi ótima. Os gringos adoraram, tivemos vários jogos sensacionais, foi uma grande festa. A Copa das Copas, dizem.
– Mas e o Brasil? Eu quero saber do Brasil. Campeão, né? Com aquela bola que jogou na Copa das Confederações não tinha como perder!
– Então… na primeira fase foi mais ou menos. Ganhamos da Croácia com um gol de pênalti meio esquisito, empatamos com o México e goleamos Camarões, que já estavam eliminados.
– Mas daí pra frente melhorou, né?
– É… Nas oitavas pegamos o Chile.
– Ah, aí é tranquilo! “Tá duro, chama o Chile”! Menos de 3×0 pro Brasil é derrota!
– Na verdade foi bem difícil. O jogo foi 1×1 e o Chile quase ganhou no último lance da prorrogação. O Brasil ganhou nos pênaltis, então passamos pra encarar a Colômbia. Acabou sendo difícil também, mas ganhamos por 2×1. Aí viria a Alemanha na semifinal…
– Alemanha é outra freguesa! Até em final de Copa eles já pipocaram pra gente! Certeza que o menino Neymar deitou e rolou.
– Pois é, o Neymar nem jogou… e acabou ficando feio pra gente.
A partir deste momento um olho de Clarice ficava no marido e o outro no monitor cardíaco, que começava a disparar a cada descrição dos sete gols alemães. Pálido, Pacheco não acreditava no que ouvia. E depois da descrença, veio a revolta.
– Pelo menos agora todo mundo foi embora da seleção né? Esses caras que não honraram a camisa, a comissão técnica incompetente, os dirigentes sujos…
– Bom, o Marin não é mais o presidente da CBF, e a agora tá até preso. O antigo vice dele entrou no lugar. Quanto ao técnico, agora é o Dunga.
– Dunga? De novo?!
– Pois é. Foi ele que treinou o time na Copa América inclusive.
– Ah, é verdade, já teve Copa América também. – percebeu, buscando algo para se apegar – Pelo menos nessa deu Brasil?
– A gente perdeu nas quartas pro Paraguai, nos pênaltis. De novo.
Pacheco já não queria mais se inteirar sobre o que havia perdido. A impressão que tinha é que o futebol do Brasil havia parado no tempo, assim como ele. Não compreendia como os mesmos erros continuavam a se repetir mesmo após um vexame como o que ele havia acabado de tomar notícia.
Alegando cansaço, pediu para a esposa deixá-lo sozinho por um tempo. Para alguém que amava tanto a seleção brasileira, o choque foi difícil, e a recuperação seria ainda mais. Comprou um ingresso para assistir uma partida no Maracanã novamente. Quem sabe, para arrumar outra pancada que o deixasse de cama de novo. Porque às vezes parece que a melhor solução para acabar com um pesadelo é voltar a dormir.
Nota: O texto acima é meramente fictício. Qualquer semelhança com a realidade é uma triste coincidência.