Antes de começar sua carreira como comentarista de futebol e chegar à Rede Globo de Televisão, emissora para qual trabalha atualmente, Walter Casagrande Júnior teve uma destacada carreira dentro dos campos e uma vida bastante agitada fora das quatro linhas, ultrapassando limites que por muito pouco não abreviaram sua vida.
Durante as 192 páginas do livro Casagrande e seus demônios (Globo Livros, 2013), feito em parceria com o jornalista Gilvan Ribeiro, o ex-jogador, revelado pelo Corinthians e com passagens por Caldense-MG, São Paulo, Porto-POR, Ascoli-ITA, Torino-ITA, Flamengo e Seleção Brasileira, relembra com admirável franqueza suas aventuras na juventude.
A narrativa trata desde a polêmica com o técnico Oswaldo Brandão no início da carreira profissional, que levou “Casão”, como forma de castigo, a ser emprestado à Caldense, até suas incursões políticas ao lado dos parceiros Sócrates, Wladimir e Zenon no histórico movimento que ficou conhecido como “Democracia Corintiana”, no início dos anos 1980.
Antes irreverente, tanto na maneira de se vestir como de se comportar, boêmio e, sobretudo, apaixonado, Casagrande relata na obra escrita a quatro mãos, como conquistou o coração da jogadora de vôlei Monica Feliciano, de quem se separou após 21 anos de casamento. No entanto, como fica claro desde o primeiro capítulo da obra, seu maior desafio foi superar a si próprio.
Em 2006, por exemplo, Casão havia se trancado no banheiro de sua residência, pouco antes de sair com o filho Leonardo, para injetar uma mistura de cocaína com heroína. A dose de 1ml de “speed” acabou por levá-lo a nocaute. “Quando fechei o zíper, em frente ao espelho, houve uma explosão no meu peito. Explodiu mesmo: bummmm… e eu voei. Saí cerda de um metro do solo, bati contra a parede e caí no chão”, explica o ídolo da Fiel.
Então, a única coisa em que ele conseguiu pensar foi na sobrevivência. “Eu não posso morrer aqui, com meu filho de lado de fora do banheiro”. E, antes de pedir para ser levado ao hospital, Casa travou um diálogo franco com seu órgão. “Meu, caralho, você está comigo desde que eu nasci. Porra, não vai me deixar na mão agora. Não bate mais do jeito que você está batendo, porque eu não vou aguentar. Você tem que ficar quieto”.
Seguramente, a parte em que explica seus antigos vícios e como as drogas o levaram à paranoia é a mais impressionante e assustadora do livro. O antigo dono da camisa 9 do Corinthians relata que chegou a ver demônios de dois ou três metros de altura e a imagem de uma mulher refletida na geladeira de seu apartamento, permanecendo quieto, com medo de ser atacado. Por causa disso não comia, não bebia, enfim, não saía do lugar.
A clareza da narrativa é pesada e nos faz pensar a respeito do início do envolvimento das pessoas com as drogas, as consequências do consumo exagerado e os dramas para conseguir sair dos trilhos da dependência, bem como o preconceito sofrido na sociedade por ex-dependentes químicos.
Sempre alerta e consciente sobre o perigo de voltar a esse caminho perigoso, Casão avalia seu passado de maneira honesta, corajosa e reflexiva. Aos 51 anos, ele sabe muito bem os efeitos negativos que uma recaída pode significar: uma estrada sem volta.
Além da atenção dedicada ao período durante o qual esteve em decadência e foi internado, Casagrande também descreve detalhes de como afastou-se de Sócrates, da vida bem-sucedida na Europa, principalmente no Porto, as dificuldades de lidar com a fama, suas paixões, como o rock e o Corinthians, e muito mais.