O jogador líquido

O jogador líquido

Um breve ensaio sobre esse fruto da modernidade

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Silhueta de jogador
A essência do jogador líquido é uma eterna incógnita (Foto: Reprodução)

Muito se fala, para o bem ou para o mal, sobre o tal do futebol moderno. Mas, afinal, o que significa essa modernidade dentro do esporte e o que ela nos traz? Variações de esquemas táticos? Elitização nos estádios? Jornalistas pretensiosamente intelectuais que enchem o saco com perguntas logo no começo dos textos? Um pouco de tudo, leitor.

Antes de mais nada, o futebol moderno é o grande responsável pela proliferação da entidade conhecida como jogador líquido. Talvez não tão conhecida, pois venho desenvolvendo de maneira sóbria essa ideia inspirada no famoso conceito do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) e na grande rotatividade de jogadores de determinado clube paulistano que enverga as cores preto e branco (não direi qual).

A associação desses dois elementos, apesar de quase imediata, exigiu bastante elaboração. Foram necessários meses de foco e análises profundas, com o rigor científico que lhe é merecido. Mas vamos direto ao assunto. Para Bauman, as relações sociais na atualidade se caracterizam pela fluidez, já que “os líquidos, ao contrário dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade e preenchem espaços apenas por um momento.”

Em outras palavras, basicamente, o conjunto de paradigmas de épocas anteriores sai de cena na contemporaneidade e dá espaço à lógica do imediatismo e da artificialidade. A estrutura que fora socialmente estabelecida se “derrete” e isso acaba afetando nossos padrões de referência. Tudo desmancha no ar. Inclusive as relações futebolísticas.

No meio desse processo histórico entra a figura do jogador líquido (ufa!). Exemplificando. De repente, não mais que de repente, o clube pelo qual você torce contrata um atleta. Ele fica fora dos primeiros jogos, mas sempre entra bem quando solicitado. Em pouco tempo, vira titular e ganha relativo destaque. Logo em seguida, desaparece. Questão de meses.

No mesmo campeonato, ele passa a defender outro time. O cenário se repete. Logo, está no seu rival. Não raramente, é anunciado num clube do segundo escalão europeu. Mas, por motivos que fogem à razão humana, nunca se firma. Às vezes, você nem lembra que o sujeito ainda está no seu time. É como se ele estivesse sempre de passagem.

Dessa maneira, nasce o jogador líquido. Sua identidade varia de acordo com a situação. Ele toma a forma que lhe é adequada ao momento, seja alvinegra, alviverde ou tricolor. Como na modernidade líquida de Bauman não há a reconstrução do “sólido”, ele permanece em sua forma fluida. É sua condição na terra. Ele nunca para.

Não tenho provas com base em fatos históricos e dados estatísticos, mas tenho firme convicção. Nunca antes na história do país existiu tantos jogadores líquidos, reflexos desses tempos (e desse futebol) modernos. Não me refiro nem ao extinto amor à camisa, e sim ao vínculo profissional de curta duração. Há uma volatilidade desmedida.

Contratos se transformaram em meros enfeites, camisas são trocadas mais do que roupas íntimas, coletivas de imprensa são tão frequentes que irritam. Esqueçam o preço astronômico dos ingressos, o escanteio curto e o cartão amarelo durante a comemoração do gol. O maior inimigo do futebol hoje em dia é o jogador líquido. A ele, ódio eterno.

 

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Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, é apreciador do futebol latino, do teor político-social do esporte bretão e também de seu lado histórico.