Quando a bola rola num campo de futebol, é difícil prestar atenção em outra coisa que não seja o próprio jogo. Em algumas ocasiões, entretanto, há personagens tão exóticos rodeando as quatro linhas que eles merecem um capítulo à parte. Mascotes de clubes muitas vezes se encaixam nesse perfil, inflamando a torcida a apoiar seu time com um certo tom de descontração.
O uso de mascotes é comum em vários cantos do mundo, e na Inglaterra não é diferente. Mas um deles se destaca no país do esporte bretão, e não é por conta da força do clube que representa ou o tamanho da torcida que contagia. Na verdade, é o grau de representatividade e de histórias curiosas que tornam o macaco H’Angus, do modesto Hartlepool United, o mascote mais carismático do futebol inglês.
A origem de H’Angus já é bizarra por si só. O primata foi criado com base em uma lenda do folclore de Hartlepool, que relata o naufrágio de um navio de Napoleão na costa da cidade. Segundo o conto, o único sobrevivente do navio era um macaco, trajado com um uniforme do exército francês, provavelmente para entreter os tripulantes da embarcação.
Aí é que entra a parte mais estranha (e triste). Os moradores locais, que nunca haviam visto um macaco em sua terra, enforcaram-no pensando se tratar de um soldado francês. Foi assim que os habitantes locais ganharam o apelido de “enforcadores de macaco” (Monkey hangers).
É claro que a história não parece muito verídica, mas o fato é que a fama se espalhou e os dirigentes do clube se inspiraram nela ao criar H’Angus, em 1999, fazendo um trocadilho do nome Angus com a palavra “hanger”.
Desde sua estreia nas arquibancadas, H’Angus mostrou que não era um simples animador de torcida. A ousadia nas brincadeiras com atletas e oficiais de segurança nos arredores do gramado já chamavam atenção desde o início, ao ponto de o público tratar as aparições do macaco como um dos eventos mais importantes em dias de jogos.
Mas foi com a “interpretação” de um homem chamado Stuart Drummond que H’Angus alcançou novos níveis de maluquice. As brincadeiras foram se tornando cada vez mais insanas, e em alguns casos até mesmo desrespeitosas.
Em 2001, durante uma partida fora de casa contra o Scunthorpe, o mascote incitou a torcida de seu time contra os torcedores locais, o que gerou uma bronca por parte de uma segurança que ficava à beira do gramado. Quando ela virou as costas, foi alvo de gestos obscenos por parte do macaco, que por conta disso acabou sendo expulso, sob vaias dos apoiadores do Scunthorpe.
Não acabaria por ali. No mesmo ano, H’Angus foi detido por simular atos sexuais com uma boneca inflável durante um jogo contra o Blackpool. Ele acabaria solto poucas horas depois, com a polícia declarando que o mascote estava bêbado. Mas a maior traquinagem ainda estava por vir, em um dos meios que mais favorecem a bagunça: a política.
Devido ao sucesso do personagem, Stuart Drummond fez um acordo com Ken Hodcroft, presidente do Hartlepool, para que este financiasse sua campanha para a prefeitura da cidade em 2002. De início já era possível notar que tudo não passava de uma jogada de marketing, aproveitando a popularidade do mascote e tentando alavancar o nome do clube nas manchetes. Deu certo.
Com menos de 100 mil habitantes, a pacata Hartlepool entrou na brincadeira e elegeu Stuart Drummond como o primeiro prefeito de sua história. E, apesar de o candidato ter utilizado sua “pessoa física” para concorrer, a ideia claramente era impulsionar a imagem de H’Angus. O que já podia ser visto na única plataforma divulgada para seu governo: “bananas de graça para todos os estudantes”.
O baixo desempenho da equipe não importava. Surpreendentemente, a população não quis parar com a brincadeira, reelegendo o homem dentro do mascote em 2005 (com o dobro de votos da primeira vez) e repetindo o feito em 2009. Obviamente, com as novas funções de prefeito Drummond aprendeu que a fanfarronice também tem limites e largou o papel de H’Angus para se dedicar somente à política.
Desde então, os novos intérpretes do xodó de Hartlepool são sempre escolhidos após séries de audições extremamente concorridas, que se tornam uma espécie de atração na cidade. H’Angus também tem se destacado pela interação com os torcedores em vídeos e nas redes sociais, além de ter obtido um terceiro lugar na tradicional corrida de mascotes da Inglaterra em 2009.
Recentemente, o mascote realizou uma caminhada de aproximadamente 28 Km do centro de treinamento do Hartlepool até o estádio Victoria Park. Com isso, arrecadou cerca de mil libras para o Centro de Tratamento do Câncer de próstata da Inglaterra.
Sem H’Angus, o Hartlepool dificilmente seria muito reconhecido fora do próprio condado. Um time que não tem tantas glórias em seu currículo, a não ser pelo fato de ter dado ao lendário Brian Clough sua primeira chance como técnico. Mas com a maluquice do macaco as visitas ao estádio aumentaram, assim como a fama do simplório time do nordeste inglês.