Festa dos filhos de Netuno: A ascensão meteórica do Água Santa

Festa dos filhos de Netuno: A ascensão meteórica do Água Santa

Time de Diadema se aproxima do terceiro acesso seguido, vira “dono da cidade” e ainda quer mais

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“Quem manda nessa cidade sou eu!” era um dos cantos que mais se ouvia dentro do estádio Distrital do Inamar, em Diadema, na tarde deste sábado (25). A expressão era justificável. Depois de muito tempo sem ter um time profissional, o munícipio da região do Grande ABC podia se orgulhar de ser casa de um dos principais candidatos ao acesso à elite do futebol paulista.

Fundado em 1981 por migrantes que procuravam oportunidades na região metropolitana de São Paulo, o Esporte Clube Água Santa foi aumentando sua popularidade através dos anos por conta dos campeonatos de futebol amador. Após vários títulos nessa categoria, o clube se profissionalizou em 2011, e disputou sua primeira partida oficial em 2013.

Apoiado pela força da torcida, composta em sua maioria por moradores dos bairros de baixa renda próximos à sede do clube, o Água Santa não parou mais de subir. Foram dois acessos consecutivos, que deram ao time a chance de disputar uma das edições mais acirradas da Série A-2 nos últimos anos.

Mesmo enfrentando clubes com títulos nacionais no currículo, como Guarani, Santo André e Paulista de Jundiaí, a equipe de Diadema não se intimidou e mostrou condições de brigar por uma das quatro vagas desde o início do campeonato. O “Netuno”, como é conhecido por seus torcedores, chegava para o duelo contra o Monte Azul para consolidar uma campanha quase irrepreensível na reta final e conseguir a sexta vitória em um período de sete rodadas, entrando de vez no G-4.

O Jogo

Muita gente ainda tentava passar pela vagarosa revista policial no portão do estádio quando o camisa dez Francisco Alex, jogador experiente com passagem pelo São Paulo, cruzou a bola na cabeça de Rafael Martins, artilheiro do time no torneio com nove gols. E o centroavante não perdeu a chance de marcar o décimo. Com um toque preciso no canto, deslocou o goleiro e colocou o time da casa na frente.

Enquanto o público ainda vibrava pelo primeiro gol e se acomodava nas arquibancadas cimentadas do recém-reformado estádio, o Água Santa continuou partindo pro ataque. Em uma das investidas, aos 19 minutos, os mandantes conseguiram uma falta frontal próxima à grande área.

Quando boa parte do público esperava uma cobrança do maestro Francisco Alex, quem se aproximou da bola foi o zagueiro Augusto. “Essa tem que jogar no canto do goleiro”, aconselhava um torcedor. Augusto não ouviu o conselho, e se deu bem. Em uma cobrança magistral por cima da barreira, a bola entrou no ângulo do goleiro João Guilherme.

O placar de 2×0 deu mais tranquilidade para a equipe de Diadema, que passou a controlar o ritmo do jogo. O Monte Azul, sem maiores pretensões no campeonato, pouco ameaçava. As poucas tentativas dos visitantes vinham em chutes de longe, que raramente assustavam o experiente goleiro Maurício.

Se dentro de campo o clima era cada vez mais tranquilo, fora dele parecia cada vez mais animado. A torcida continuava cantando, incluindo em seu repertório versões próprias de músicas famosas de torcidas dos grandes clubes de São Paulo. Durante o intervalo, embalado ao som do samba de Martinho da Vila que vinha das caixas de som, os torcedores continuaram fazendo festa. Um simpático cão era atração entre os presentes na fila da pequena lanchonete localizada debaixo da arquibancada.

Veio o segundo tempo, e parecendo inspirado pelas crianças que corriam de um lado para o outro nos degraus de cimento, o Água Santa voltou à carga em busca do gol que mataria o jogo. E ele veio. Após confusão na área e duas tentativas que passaram em frente à baliza, Júlio Madureira recebeu livre na pequena área e mandou pra rede, com direito a comemoração do operador do placar manual do estádio, que fazia graça com a placa de número “3” para todo mundo ver.

Era o que faltava para dar números finais à partida. Hora de provocar o CAD (Clube Atlético Diadema), o outro time da cidade, que estreou entre os profissionais no mesmo ano que o Água Santa e atualmente disputa a Série B-1, quarta divisão paulista. “Ei, você aí, avisa lá no CAD que o Água vai subir!”, era o canto da vez, que transferia o espetáculo de dentro do campo para fora dele.

O povo

Talvez a alta participação da torcida nos jogos da equipe seja surpreendente para alguém que não acompanhe as divisões inferiores há tanto tempo. Por conta das obras em seu estádio, o Água Santa disputou metade de seus jogos como mandante fora de Diadema. O povo não abandonou o time apesar da distância, registrando boas médias de público tanto em Barueri como na Rua Javari, as “casas de aluguel” neste ano.

Para quem vive o ambiente, no entanto, a situação não surpreende. Domingos do Nascimento, o “Barba”, é fundador e vice-presidente da Tubarão Azul, uma das torcidas organizadas do clube, e explica a força que vem da arquibancada. “Nós somos a segurança do time, o 13º jogador. Eles acreditam muito na gente, porque apoiamos o jogo inteiro”, conta ele, que acompanha a equipe desde 1997, ainda nos tempos de futebol amador. “A torcida foi criada por filhos de ex-jogadores de várzea, e alguns diretores nossos já até jogaram no Água Santa”, revela.

A febre se espalhou por vários tipos de público. Marileide Gonçalves, vestindo um chapéu com o escudo da equipe, explicava os motivos para estar no estádio. “Moro em uma das casas aqui na frente”, explicou, apontando em direção a um dos conjuntos de residências com vista para o campo. “O pessoal passava na frente da minha casa fazendo festa antes de todo jogo, aí resolvi acompanhar e acabei gostando”.

O sonho

Um dos setores do estádio exibe a mensagem “Deus não alimenta um sonho em sua mente que não possa ser realizado”. Crenças à parte, o lema é levado a sério, e ser um novato não reduz as pretensões do Netuno. Todos que acompanham o clube parecem já encarar como uma realidade a chance disputar a divisão principal, ainda mais agora que o acesso parece tão próximo. Uma vitória na última rodada contra o Velo Clube, em Rio Claro, garante a passagem para a Série A-1, mas a equipe pode subir até mesmo sem vencer, dependendo dos resultados de Oeste, Independente, Novorizontino e São Caetano, principais concorrentes.

Se mais um acesso for confirmado, os desafios serão maiores. Mas ao invés de receio, a sensação do torcedor é de esperança. “Ter a chance de jogar com Corinthians, Palmeiras, São Paulo… vai ser bom demais. É um orgulho pra gente”, conta o corintiano Maxwell Tavares, que já adianta sua torcida caso seus dois times se enfrentem algum dia. “O Corinthians já ganhou muita coisa né, deixa o Água ganhar alguma vez”, conclui, entre risos.

No momento em que o futebol vive uma desvalorização cada vez maior de suas próprias tradições, com times renomados do interior sofrendo por conta de administrações incompetentes e dando lugar aos modernos clubes-empresa, o Água Santa parece ser uma alternativa, unindo um trabalho de sucesso com o charme e a paixão do futebol de várzea. Santificado pelos próprios seguidores, o Água vem com passos largos por um lugar de destaque no Paulistão.

Confira imagens do duelo entre Água Santa e Monte Azul:

 

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Jornalista, 23 anos. Amante do futebol bonito e praticante do futebol feio