Dortmund de 2013 ou Liverpool de 2016? As duas equipes mostram um futebol vistoso e ofensivo, com intensidade e boa organização coletiva. E têm algo em comum: Jurgen Klopp. O técnico alemão consolidou seu estilo com as boas atuações recentes do time inglês.
Há muitas semelhanças entre as duas equipes, assim como também há certas particularidades. Confira na análise abaixo:
Semelhanças
Não pisque
Não é segredo para ninguém que os times comandados por Jurgen Klopp funcionam como um micro-ondas: como se alguém acionasse um “botão”, a equipe é capaz de aquecer imediatamente e iniciar uma blitz insana em todo o campo.
Nos momentos em que isso acontece, os jogadores adiantam a marcação e cercam o adversário que está com a bola. Por vezes, são quatro contra um, e a bola simplesmente é recuperada sem demora.
Defensivamente, é isso que acontece com as equipes que ousam ficar com a bola no pé. Mas as equipes que tentam estacionar o ônibus na defesa sofrem do mesmo jeito. Ofensivamente, durante esses momentos “micro-ondas”, há uma constante movimentação de todos os atletas do meio para frente.
Isso faz com que sempre exista uma opção de passe para quem está com a bola. E há um aspecto ainda mais característico desse estilo: os passes são de primeira e com muita força, dificultando interceptações, especialmente a partir da intermediária do oponente. Para isso, é preciso um conjunto de jogadores altamente técnicos.
O outro ponto, não menos importante, é: o que fazer depois de tocar a bola? No Liverpool e no Dortmund de alguns anos atrás, os jogadores simplesmente não ficam parados. É dar o passe e correr para o espaço vazio mais próximo.
Essa troca de passes aliada com a correria confunde qualquer adversário que não esteja 100% concentrado em não tomar gols. Funciona quase como uma roda de bobinho: os atletas de Klopp envolvem um ou dois defensores do outro time. Uma tentativa de desarme errada e a defesa fica completamente entregue.
Basta, portanto, que ao menos dois dos velozes atacantes do Liverpool corram sem bola em direção à área, oferecendo ao menos duas opções de passe. E, quando isso acontece, a chance de que os zagueiros percam preciosos milésimos de segundos pensando no que fazer é enorme.
Essa estratégia do “facão” também é largamente usada pelo Barcelona, mas em um ritmo cadenciado e com muito mais passes de efeito, dribles e finalizações impossíveis – afinal, não há comparação entre o trio MSN e Coutinho-Firmino-Sané. A diferença técnica, no entanto, é compensada com velocidade e entrosamento.
O “micro-ondas” de Klopp, no entanto, também tem um tempo regressivo. Isso acontece por cerca de 20 minutos, e os jogadores naturalmente diminuem o ritmo devido ao cansaço. Algum tempo depois, isso se repete. Se a preparação física não estiver impecável, a estratégia vai por água abaixo. Não à toa, o técnico alemão costuma promover um rodízio entre seus atletas com certa frequência.
Cruzamentos no segundo poste
A jogada é mais velha que o Aston Villa, e está para o futebol como o pick and roll está para o basquete. Alguns chamam de chuveirinho, outros de Muricybol. Mas há sensíveis diferenças entre as estratégias usadas pelos clubes europeus atualmente – especialmente as equipes de Klopp – e suas formas mais retrógradas.
O objetivo atual nesses cruzamentos é aproveitar a corrida dos dois jogadores já citada no modo “micro-ondas”, principalmente quando a linha defensiva do adversário está adiantada. O conceito mais importante, contudo, é o de explorar a velocidade dos atacantes, e não a altura.
Ou seja: o jogador do segundo poste estará livre. Não há intenção em aproveitar um centroavante alto-forte-cabeceador disputando espaço entre os zagueiros. No Liverpool, nem há um jogador com essas características – Balotelli chegou a ser dispensado.
Quase sempre esses cruzamentos são de média distância e direcionados para os pés do atleta que está na trave oposta. E nem sempre termina com uma finalização. Afinal, há o colega que também se infiltrou na área e que, em quase todos os casos, estará livre na pequena área, esperando o passe para empurrar para o gol vazio.
Riscos defensivos
Não há nada mais comum, nos times de Jurgen Klopp, que placares de 5 a 4, 4 a 3 e afins. Toda essa estratégia ofensiva expõe a defesa a inúmeros contra-ataques, e isso não é algo que parece incomodar o treinador alemão.
É uma virtude, de certa forma. A visão de futebol de Klopp está no ditado de que o importante é marcar mais gols que o adversário.
O primeiro fator de risco é o enorme adiantamento da linha defensiva, quase na borda do círculo central. Um atacante veloz poderia apostar corrida com Matip e Lovren em um lançamento certeiro e ganhar. Aí, é abraço – os goleiros Karius e Mignolet não são bons líberos como Neuer ou Ter Stegen. Weidenfeller então, nem se fale.
Outro ponto é a troca constante de posições. À exceção dos zagueiros, todos os outros jogadores são livres para ir a outras áreas. Isso faz com que Mané, por exemplo, tenha de cobrir os avanços de Clyne. O senegalês não compromete, diga-se, mas não é o melhor dos mundos quando há um ponta habilidoso do outro lado.
Mas a maior vulnerabilidade do esquema ofensivo de Klopp são os buracos negros criados entre a linha defensiva e o meio de campo. Quando a equipe está com a bola, é comum que os volantes avancem demais para oferecer opções de passe e acabem deixando uma distância para os zagueiros.
Quando os atacantes e meias perdem a bola ou erram um passe, os zagueiros começam a recuar para tentar frear a chance de alguém escapar livre. O problema é que, como os volantes subiram, os meias adversários dominam livres de frente para o gol, em grandes buracos. No mínimo virá uma finalização perigosa de longa distância.
O coringa
Jurgen Klopp tem uma característica comum a muitos técnicos de futebol: conta com seu jogador versátil de confiança. O popular coringa.
No Dortmund, quem exercia esse papel era Großkreutz. O lateral/volante/meia não somente trocava entre essas posições durante o jogo, como também substituía algum lesionado dessas posições.
No Liverpool, esse a função tem sido cumprida com louvor por Emre Can. Com um fôlego impressionante, o alemão se movimenta tanto em campo que é até difícil definir seu posicionamento. Bem na defesa e bem no ataque.
Como se não bastasse o zagueiro/lateral/volante/meia alemão, Klopp ainda aposta em Milner, outro que tem liberdade total para ir e voltar. Há momentos em que o veterano meia surge como opção a Alberto Moreno, lateral de origem.
Diferenças
Esquema tático
Quando chegou a Liverpool, Klopp viu um elenco de qualidade, mas muito diferente em relação ao Dortmund. Sem a mesma pretensão de Mourinho, Guardiola ou Luxemburgo, o técnico se adaptou ao time, e não o contrário.
Com isso, o treinador abriu mão de um centroavante extremamente técnico, algo que tinha em Lewandowski e que talvez pudesse investir em Sturridge, para entrar na onda do falso 9: Roberto Firmino. O brasileiro, por isso, tornou-se peça chave da nova formação.
É o jogador mais avançado, mas que recua para receber a bola e gira o corpo ao invés de fazer um pivô. Torna-se, portanto, um meia. Isso dificulta a marcação adversária e torna o ataque menos previsível.
Fato é que Klopp não precisava disso em seus tempos de Dortmund. Lewandowski simplesmente sabia se movimentar e ganhar espaço no centro da defesa, recebendo livre para finalizar ou tocar para alguém. Isso sem falar no aproveitamento milagroso do atacante nos cruzamentos no segundo poste.
Não à toa, era o jogador mais difícil de ser substituído. Quando o polonês foi para o Bayern, o Dortmund quase foi rebaixado. O técnico alemão simplesmente não encontrou uma forma de jogar sem ele na Alemanha, mas mostrou ter amadurecido na Inglaterra ao apostar em uma tática diferente.
Cosmopolita
Em 2012-13, quando alcançou a final da Champions, o time base do Dortmund era: Weidenfeller; Piszczek, Subotić, Hummels e Schmelzer; Großkreutz, Gündoğan, Błaszczykowski (Perišić), Gotze, Reus; Lewandowski.
Já o time atual do Liverpool é baseado em: Karius (Mignolet); Clyne, Matip, Lovren e Can; Henderson, Milner (Moreno) e Lallana; Mané, Firmino e Coutinho.
O Dortmund era praticamente um combinado de alemães e poloneses, algo que, para nossa realidade, é algo como brasileiros e argentinos no mesmo time. Já o Liverpool é completamente misto: há jogadores de todas as partes do mundo.
Isso mostra outro amadurecimento de Klopp. Na Alemanha, era mais fácil para o comandante se fazer entendido. Afinal, convivia com jogadores da mesma cultura, tanto do futebol, quanto da vida.
Havia dúvida sobre a capacidade do técnico em lidar com os elencos globalizados de grandes clubes, algo que tinha falhado no próprio Dortmund abaixo da média de 2014-15. Naquele ano, chegaram Ji Dong-won (Coreia do Sul), Adrián Ramos (Colombia), Immobile (Itália), Kampi (Eslovênia) e Kagawa (Japão) – este, com quem já tinha trabalhado. Além do armênio Mkhitaryan e do gabonês Aubameyang, que já estavam no clube, mas ainda inadaptados.
Essas dúvidas, porém, parecem sanadas.