Há noites que demoram em acabar. Não acabam porque não queremos ou porque, de fato, não conseguimos nos desligar pela tristeza. Uma delas está marcada na memória dos portugueses: a noite de Marselha.
No dia 23 de junho de 1984, na Riviera francesa, era disputada uma das semifinais da Eurocopa daquele ano. De um lado, os donos da casa, comandados pelo gênio Michel Platini. Do outro, onze guerreiros portugueses que buscavam o primeiro título de expressão da sua história.
O favoritismo pendia para a França. Naquela competição, os franceses atuavam sob a pressão de jogar em casa e de contar com uma geração dourada. Além de Platini, Tigana, Domergue, Giresse, Luiz Fernandéz, entre outros, compunham o esquadrão gaulês. A campanha era espetacular até às semifinais: três vitórias em três jogos.
Portugal, que ainda vivia da fama da grande campanha na Copa do Mundo de 1966, contava com uma das melhores gerações de sua história. Ícones como Rui Jordão, Nené, Eurico e Fernando Gomes formavam a espinha dorsal equipe, sendo os dois primeiros já com idade avançada. Além deles, o habilidoso Chalana era o trunfo do técnico Fernando Cabrita, que se apoiava na base sólida do Porto.
Em um Vélodrome lotado, o início do jogo mostrou a disposição das equipes. Uma França empolgada e mais ofensiva contra um Portugal mais cauteloso, atuando com Diamantino e Rui Jordão mais à frente, sempre auxiliados por Chalana.
Os portugueses contavam com uma equipe disciplinada e muito guerreira, com um ponto preponderante na esquerda. O baixinho Chalana fazia de tudo. Um incômodo para os defensores e atacantes. Sim, disposição não faltava ao notável ponta.
A partida épica
O ímpeto francês foi premiado logo aos 24 minutos. Em uma cobrança de falta magistral, o lateral Domergue acertou uma bomba no ângulo de Bento. Um gol para a posteridade, tamanho a beleza. Gol de favorito.
Mesmo com a desvantagem, as armas de Portugal seguiram afiadas. No segundo tempo, a torre Rui Jordão fez a festa de milhões de lusos. A dupla com Chalana fez das suas. Cruzamento do craque e conclusão de cabeça do enorme centroavante. Gol que trazia esperança.
O empate no tempo normal já causava surpresa. Apesar da ótima geração, a desconfiança sobre a equipe era grande. Chalana seguia jogando muito. Os arranques pela esquerda do campo assombravam e faziam eclipsar até mesmo a estrela Platini.
A prorrogação colocaria os nervos à flor da pele no estádio. Aproveitando-se de uma possível ansiedade da França, Portugal já iniciou o tempo extra demarcando território. Contra uma seleção exposta, e já contando com o experiente Nené, os portugueses abriram o placar aos oito minutos do primeiro tempo da prorrogação. Gol que trazia euforia.
Em mais um cruzamento de Chalana, Rui Jordão, desta vez com os pés, marcou para os lusos. Euforia geral. A classificação era possível. A função, agora, era segurar 22 minutos de ataques franceses e confiar no goleiro Bento.
A loucura da parte derradeira
Chalana continuava a lutar pelo campo todo e atormentando os franceses. Frasco tentava segurar a bola no meio-campo. Porém, a pressão era enorme. Os portugueses não conseguiam dominar a bola e segurar o jogo.
O segundo tempo da prorrogação foi de completo domínio francês. Um misto de “é possível” dos dois lados. O gênio Platini seguia abaixo do que podia render, apesar da entrega total e já cansado. Quem parecia sobrar era Tigana. Bem fisicamente, comandava as ações no meio-campo.
A pressão gaulesa deu certo. Aos nove minutos do segundo tempo da prorrogação, uma confusão foi formada na área portuguesa e a bola sobrou limpa pra Domergue, novamente, marcar. O tento de empate que transformava o lateral em herói por um dia. Gol da loucura.
Quando a partida parecia caminhar para os pênaltis, um contra-ataque francês surpreendente, coordenado pelo motor Tigana, encontrou Platini na área. O gênio teve calma para fazer o gol da vitória e da virada histórica, aos 14 minutos. Isso mesmo, 14 minutos. O sonho das quinas se tornava um pesado em Marselha. No último lance, a desilusão. Gol que desatina até hoje os portugueses.