A nem muito tempo atrás, em uma época pré-7×1, o futebol brasileiro costumava ser reverenciado no mundo sem grandes ressalvas. Eventuais fracassos eram vistos como coisa natural do jogo, e as manchas que existiam nessa história vitoriosa não eram de vergonha, e sim de tristeza.
A maior dessas tristezas, sem sombra de dúvida, remetia à trágica derrota na decisão da Copa do Mundo de 1950, contra o Uruguai. O tal “Maracanazo” já foi discutido em inúmeras oportunidades desde então, normalmente destacando o clima de luto que recaiu sobre os torcedores brasileiros.
O jornalista Geneton Moraes Neto, falecido na última segunda-feira (22), foi um dos poucos que se prestaram a contar a história com outra perspectiva, reconhecendo o valor dos principais personagens dessa história: os jogadores brasileiros, que sofreram por anos com a perda do título.
Foi com essa premissa, mostrando o quanto a derrota para o Uruguai afetou a vida de cada atleta, que Geneton dirigiu o documentário “Dossiê 50: Comício a Favor dos Náufragos” (2013), baseado em seu livro homônimo lançado em 2000.
O título não poderia ser mais apropriado. A obra apresenta cada um dos titulares da seleção brasileira naquele jogo a partir de entrevistas em áudio e vídeo gravadas desde a década de 1980, contando o impacto da virada uruguaia não apenas no dia do jogo, mas também no restante de suas carreiras e até mesmo em suas vidas pessoais.
A comparação dos craques de 1950 com náufragos se explica na relação que se faz com o isolamento destinado a cada um deles depois da perda do título, ilhados a ponto de não encontrarem nenhuma gratidão por aquela que até então era a melhor campanha brasileira em Copas.
O tribunal passional de uma sociedade tão ligada ao mundo da bola foi cruel demais com aqueles jogadores. E talvez o fato de não ser um jornalista especializado em esporte tenha ajudado Geneton a traduzir tamanha injustiça para o campo dos leigos.
Por exemplo, não há como não se sentir envergonhado, de certa forma, ao ver Ademir de Menezes, o artilheiro da Copa de 1950 com 9 gols, contando que aquele time brasileiro já havia recebido mais prêmios no Uruguai do que no próprio Brasil.
Como não se lamentar com a história de Bigode, acusado falsamente de apanhar do capitão uruguaio Obdulio Varela durante o jogo e chamado de covarde por anos? Ou de Jair Rosa Pinto, jogador extremamente vitorioso que sonhava com o gol que perdeu aos 44 minutos do segundo tempo.
O filme também vale pela apuração dos detalhes que envolveram a expectativa para aquela final, como os jogadores que ficaram trancados no vestiário horas antes do duelo “como um touro antes da tourada”. E pelo depoimento emocionado de Alcides Ghiggia, “vilão” naquele 16 de julho de 1950, lembrando o carinho pelo povo e pelos atletas do Brasil.
Infelizmente, não resta mais nenhum jogador daquela seleção brasileira vivo nos dias de hoje. Muitos deles morreram tendo que conviver com o peso da derrota em seus ombros. Mas ao menos esta obra faz jus à memória daqueles desbravadores pouco reconhecidos, que acabaram pavimentando a estrada de sucesso que se concretizaria nas décadas seguintes.