Os dois lados do muro: grandes duelos entre as duas Alemanhas

Os dois lados do muro: grandes duelos entre as duas Alemanhas

Relembre os confrontos entre alemães orientais e ocidentais em grandes competições

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A palavra “polarização” ganhou um contorno muito mais acentuado durante os anos da Guerra Fria (1945-1991). Enquanto boa parte das nações do mundo escolhia entre duas opções políticas, a Alemanha sofria uma divisão muito mais concreta, que obviamente também se mostrou no esporte.

De cada lado do Muro de Berlim, uma realidade diferente. Na porção ocidental, com mais prosperidade econômica, a reestruturação pós Segunda Guerra parecia mais acelerada, com os clubes voltando a ser fortes.

No lado oriental, as organizações estatais perceberam a importância do futebol como meio de incentivo à população, e investiram pesado na criação das Associações Esportivas, ajudando a revelar jogadores que representavam entidades como a Polícia Secreta e os Ministérios.

Cada qual à sua forma e com seus respectivos pesos, as Alemanhas não deixaram de mostrar sua importância no esporte antes da reunificação, e acabaram se encontrando algumas vezes em grandes competições futebolísticas, tanto de clubes como de seleções.

Confira alguns dos grandes jogos envolvendo alemães ocidentais e orientais, que em seu tempo mostraram que muitas vezes o futebol e a política caminham de mãos dadas.

Olimpíadas 1972

Em uma edição dos Jogos Olímpicos que acabou manchada pelo atentado contra a delegação de Israel, as duas Alemanhas se enfrentaram na última rodada da segunda fase.

No início do torneio de futebol a Alemanha Ocidental de Hoeness, Hitzfeld e Seliger tinha passado por cima dos adversários. Foram três vitórias, 13 gols marcados e nenhum sofrido contra EUA, Malásia e Marrocos.

Na segunda fase, no entanto, a situação mudou. Um empate contra o México e derrota contra o forte time húngaro deixaram a Alemanha na última rodada precisando de uma vitória para poder lutar pelo bronze.

Já a Alemanha Oriental se classificou atrás da Polônia na primeira fase, e também foi derrotada pela Hungria na segunda. No entanto, uma vitória contra o México deixou o lado comunista precisando apenas de um empate para lutar pelo bronze.

Mas o resultado acabou sendo melhor que a encomenda para o time azul. Hoeness chegou a marcar um golaço, mas não conseguiu evitar a derrota de seu time por 3×2, com o gol da vitória sendo marcado por Vogel aos 37 do segundo tempo. A Alemanha Oriental avançou e levou o bronze.

Liga dos Campeões 1973/74

O Dynamo Dresden, um dos times que dominava o futebol na Alemanha Oriental na década de 1970, chegou com moral para as oitavas de final da Liga dos Campeões em 1973. Helm, Heidler, Rau e Sachse formavam um setor ofensivo de meter medo nos adversários.

Mas o adversário naquele mata-mata tinha bola suficiente pra não ser intimidado por ninguém. Nada menos que o Bayern comandado por Franz Beckenbauer, base da seleção da Alemanha Ocidental.

Foram dois jogaços cheios de gols que decidiram qual dos campeões nacionais passaria para as quartas. No primeiro, em Munique, o Dynamo chegou a abrir o placar com um gol contra de Hansen, mas tomou a virada em uma partida espetacular que terminou 4×3 para os donos da casa.

Na volta, em Dresden, o Bayern não fez questão nenhuma de jogar com o regulamento debaixo do braço. Hoeness marcou duas vezes logo no início, deixando o time bávaro em situação ainda mais confortável.

Valente, o Dynamo foi pra cima e conseguiu a virada logo após o início do segundo tempo. Mas a ducha de água fria veio rápido: o artilheiro Gerd Muller apareceu para empatar em 3×3 e garantir a vaga para o Bayern. O placar de 7×6 no agregado diz tudo sobre o nível dos duelos.

Copa do Mundo 1974

Encontro entre os capitães Beckenbauer e Bransch (Foto: FIFA/Divulgação)
Encontro entre os capitães Beckenbauer e Bransch (Foto: FIFA/Divulgação)

Assim como nas Olimpíadas dois anos antes, mais uma vez a torneio de seleções colocava as Alemanhas frente a frente. Desta vez, no entanto, era simplesmente a competição mais importante do mundo.

O sorteio programou Alemanha Ocidental x Alemanha Oriental para a última rodada da primeira fase, em Hamburgo. Os donos da casa, com duas vitórias, já estavam garantidos na segunda fase, e caso perdessem se livravam de uma chave mais difícil na etapa seguinte.

Já os vizinhos de muro ainda precisavam de uma vitória para selar a vaga, embora entrassem como azarões para o duelo. Apenas 1,5 mil torcedores da Alemanha Oriental, selecionados a dedo para evitar transtornos, puderam ver a história ser feita no Volksparkstadion.

Trancados na defesa durante a maior tempo, os “orientais” levavam perigo apenas com algumas estilingadas no ataque. Em uma delas, Sparwasser marcou o gol da vitória, aos 32 do segundo tempo.

Por conta do resultado inesperado, foi muito discutida a hipótese dos alemães ocidentais terem jogado com o pé no freio para evitar Argentina, Holanda e Brasil na fase seguinte. Mas o fato é que naquele dia o lado leste do muro pode vibrar mais uma vez.

Liga dos Campeões 1974/75

Depois de eliminar o Dynamo Dresden na edição anterior, o Bayern teria o desafio de superar o outro time-modelo da Alemanha Oriental naquela década: o Magdeburg.

Apoiado pela Stasi (a Polícia Secreta), o Magdeburg contava com o agora heroi nacional Jurgen Sparwasser, além de Joachim Streich, maior artilheiro da história da liga local.

Os confrontos foram válidos pelas oitavas de final. Na primeira partida, em Munique, os visitantes foram com tudo pra cima, abrindo 2×0 ainda no primeiro tempo.

Durante o intervalo, membros da Stasi teriam supostamente entrado no vestiário querendo informar ao técnico Heinz Krugel as estratégias passadas por Udo Lattek aos seus comandados do Bayern para virar o jogo. Krugel recusou, alegando princípios éticos.

Nunca se confirmou se a história é verídica ou lenda, mas o que consta nos autos é que o Bayern acordou, virando a partida para 3×2, com dois gols de Muller. Na volta, desestabilizado, o Magdeburg acabou derrotado novamente, mais uma vez com Muller sendo decisivo pro Bayern ao fazer os dois gols da vitória por 2×1.

Copa da UEFA 1973/74

A competição precursora da atual Liga Europa reuniu nas oitavas de final, em dezembro de 1973, dois times expoentes dos dois lados do muro de Berlim.

Da cidade de Dusseldorf, uma das mais importantes do lado ocidental, vinha o Fortuna, que mandava os seus jogos no tradicional Rheinstadion e contava com o histórico de incomodar os gigantes do país.

Do outro lado, o “copeiro” Lokomotiv Leipzig, que trazia consigo o rótulo de primeiro campeão alemão e contava com o craque Roland Hammer.

Na partida de ida, em Dusseldorf, o time da casa conseguiu a vitória de virada por 2×1, em noite inspirada do astro do time, Dieter Herzog. Ele fez a jogada do gol de empate e marcou o segundo, dando a vantagem para o Fortuna.

Mas na volta, em Leipzig, o desafio seria calar a reconhecidamente fanática torcida do Lokomotive. E não foi possível. Pressionando o tempo todo, o time do leste conseguiu uma vitória implacável por 3×0, com gols de Lisiewicz, Lowe e Frenzel. A locomotiva só seria parada nas semifinais, pelo bom time do Tottenham.

Liga dos Campeões 1988/89

Em 1988, o comunismo na Alemanha já dava sinais de enfraquecimento, e a reunificação parecia iminente. Mas ainda havia tempo para um grande destaque no futebol da Alemanha Oriental: O Dynamo Berlin, que conquistou 10 títulos nacionais consecutivos entre 1979 e 1988.

O time de Hendrik Herzog, Thomas Doll e Frank Pastor enfrentaria logo no primeiro duelo da Liga dos Campeões o Werder Bremen, campeão do lado ocidental que tinha como maior estrela Karlheiz Riedle.

O Dynamo contava com um histórico de certo “azar” nas competições europeias da década de 1980, quase sempre caindo em chaves contra times que chegariam na final do torneio. Contra o Werder, no entanto, o time da capital oriental chegava como favorito.

E o favoritismo só aumentou depois de uma vitória emblática no jogo de ida. Um 3×0 sem sustos, com gols de Doll, Thom (primeiro alemão oriental a ser contratado por um time do lado ocidental) e Pastor.

A vaga parecia selada com o bom resultado conquistado em Berlim. Em Bremen, contudo, o que se viu foi um inesperado e impiedoso massacre.

No primeiro tempo, o Werder conseguiu abrir o placar com um gol de Kutzop, de pênalti, e foi só. A tarefa de reverter o resultado do jogo de ida parecia distante, ainda mais contra um adversário que vinha de anos de entrosamento.

Só que no segundo tempo o Werder acordou. Hermann, Riedle, Burgsmuller e Schaaf marcaram um gol cada, fechando o placar em 5×0 em uma das reviravoltas mais marcantes do futebol europeu.

Por conta da reconciliação que se aproximava entre as duas Alemanhas, muitas dúvidas surgiram sobre a legitimidade da virada, já que muitos alemães orientais planejavam ir para o outro lado. Mas a dilatação dos placares parece já servir como contraprova.

 

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