1987: O ano em que o Chile massacrou o Brasil

1987: O ano em que o Chile massacrou o Brasil

Desacreditado, time chileno surpreendeu ao alcançar o segundo lugar daquela Copa América

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Seleção chilena em 1910 (Foto: Reprodução)
Seleção chilena em 1910 (Foto: Reprodução)

Os quatro grandes clubes do estado de São Paulo sequer existiam em maio de 1910, quando a Copa Centenario Revolución de Mayo foi disputada na cidade de Buenos Aires. Era a primeira competição entre seleções a reunir mais de dois países na América do Sul.

Tratava-se de uma homenagem à revolução homônima, originada na mesma cidade, exatamente um século antes. Os rebeldes buscavam a independência do Vice-Reino do Rio da Prata, região que compreendia Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai, à Coroa Espanhola.

O Chile não fazia parte deste território e só foi atrás de sua independência anos mais tarde, mas era um dos países convidados para aquele torneio comemorativo, ao lado de Argentina e Uruguai. Acabou saco de pancadas. Perdeu de 3 a 0 para a Celeste e de 5 a 1 para os donos da casa, que levaram a taça ao baterem os uruguaios por 4 a 1.

Passaram-se seis anos, mesmo tempo de duração da Revolução de Maio, até que finalmente fundava-se o Campeonato Sul-Americano. O mais antigo torneio de futebol entre seleções da atualidade. Novamente em Buenos Aires, lá estavam os três pioneiros da Copa Centenario, acrescidos do Brasil.

Eram pontos corridos, todos contra todos. E os chilenos se saíram um pouco melhores daquela vez. Diante do novato time brasileiro, fundado quatro anos depois e liderado pelo jovem Friedenreich, arrancaram um ponto ao empatar em 1 a 1. Mas foram goleados por Argentina e Uruguai, e terminaram na lanterna. Uruguai campeão.

Os anos se passaram. Uruguai, Brasil e Argentina, nesta ordem, ganharam o mundo. Estabilizaram-se como potências do futebol. Empilharam troféus do Campeonato Sul-Americano, que virou Copa América na década de 70.

Mais tarde, vieram Peru, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela. Os quatro primeiros se sagraram campeões em dado momento da quase centenária competição sul-americana, mesmo não tendo participado de todas as edições.

O Chile? Ora, o Chile não conquistou o mundo, tampouco a América do Sul. Foi sede do torneio continental em seis oportunidades – sete, a partir do próximo mês de junho. Neste quesito, os chilenos estão atrás somente de Argentina e Uruguai. Também organizaram a Copa de 1962, quando conseguiram o terceiro lugar, sua melhor classificação na história.

Qual o problema dos deuses da bola com os amaldiçoados chilenos? Na América do Sul, são até mais pioneiros que nós, brasileiros, neste esporte bretão tão amado que é pelos latinos.

Tabus à parte, o Chile terá uma nova chance para soltar o reprimido grito de campeão em junho de 2015, daqui a exatamente um mês, quando estreia em Santiago, no Estádio Nacional, contra o Equador. Com um time que empolgou na Copa de 2014, mesmo não tendo passado das oitavas. Treinado por um técnico em ascensão, Jorge Sampaoli, e liderado por ídolos nacionais, como Arturo Vidal e Alexis Sánchez.

Se não há um time vencedor para se inspirar, há, ao menos, os que quase chegaram lá. Isso aconteceu em 1955, 1956, 1979 e 1987, quando o Chile terminou com o vice-campeonato. Apenas nas duas últimas, porém, houve final, com Paraguai e Uruguai, respectivamente, levando o título.

O mais recente “quase” chileno, de 87, tema desta matéria, foi disputado na Argentina. Participaram os dez times filiados à Conmebol, distribuídos em grupos de três – o Uruguai, campeão da edição anterior, entrou direto na semifinal.

O Chile era azarão. Sequer havia disputado a Copa do Mundo de 1986. Ainda pesava o fato de jamais ter conquistado o torneio. O time era, basicamente, um combinado de Colo-Colo e Cobreloa, as mais fortes equipes do país na década de 80.

Não deixava de ser uma entressafra. Boa parte dos medalhões que disputaram a Copa do Mundo de 1982, na Espanha, e que antes disso haviam sido vice-campeões da Copa América de 1979 já tinham se aposentado. Tratava-se de uma das maiores gerações da história do Chile, liderada por Elias Figueroa e Carlos Caszely, que não estenderam suas carreiras até 1987.

Desacreditado, Chile de 1987 surpreendeu ao alcançar a final da Copa América (Foto: Reprodução)
Desacreditado, Chile de 1987 surpreendeu ao alcançar a final da Copa América (Foto: Reprodução)

Com isso, as referências técnicas da equipe eram nomes como o meio-campista Jaime Pizarro, do Colo-Colo, o goleiro Roberto Rojas, seu companheiro de clube, o zagueiro Fernando Astengo, antigo companheiro da dupla, que meses antes havia se transferido para o Grêmio, e Juan Carlos Letelier, vindo do Cobreloa.

Era o suficiente para que a equipe deixasse Santiago rumo à Argentina desacreditada pelos próprios chilenos. Não chegava a ser um time jovem, com titulares na faixa dos 26 anos. O mais garoto estava no banco. Um atacante do modesto Cobresal, que havia surpreendido a todos ao vencer a Copa Chile naquela temporada, chamado Iván Zamorano.

Ainda pouco conhecido pelos próprios chilenos, o atleta futuramente se tornaria uma lenda do futebol do país. Mas, naquela Copa América, era apenas um figurante. Ou, quem sabe, um aprendiz na seleção. Entrou só em alguns jogos.

Por outro lado, o favoritismo estava totalmente em cima dos anfitriões. A Argentina, além de jogar em casa, era a atual campeã do mundo e contava com o melhor jogador do planeta na atualidade: Diego Maradona. Mas os chilenos deram sorte e não precisaram disputar a vaga para a próxima fase com os hermanos.

Caíram no grupo B, ao lado de Brasil e Venezuela. Os tricampeões mundiais canarinhos também estavam em reconstrução. O fracasso de 1986, no México, pôs fim à era Telê Santana, e, consequentemente, de craques como Zico, Sócrates, Falcão, Toninho Cerezo e Júnior na história da Seleção Brasileira.

O time tupiniquim era jovem, mas ainda assustava. Remanescente de 86, Careca era o capitão e tinha a missão de liderar os Menudos do Morumbi na Seleção, ao lado de Muller e Silas. Ricardo Rocha colocava ordem na zaga, Raí buscava conquistar o espaço de seu irmão Sócrates no time nacional, e um jovem Romário pedia passagem ao time titular. Dunga era reserva.

O Brasil abriu o grupo B diante da Venezuela. Um massacre. 5 a 0, com gols de Marangon, Morovic (contra), Careca, Nelsinho e Romário. Depois, foi a vez do Chile, mais modesto: 3 a 1, placar construído por Letelier, Contreras e Salgado. Acosta descontou.

Chile e Brasil decidiriam então a única vaga disponível no grupo para a semifinal.  Um massacre… para a Roja. Os chilenos, ao aplicarem 4 a 0, conseguiram sua maior vitória na história sobre o time canarinho e um dos resultados mais surpreendentes da história da Copa América.

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Chile não tomou conhecimento do Brasil e aplicou um inesperado 4 a 0 (Foto: Reprodução/Placar)

 

Sabendo de suas limitações, o Chile, comandado por Orlando Enrique Aravena, atuou recuado, baseando-se em contra-ataques. Mas o Brasil de Carlos Alberto Silva pouco conseguiu fazer na frente. E seus zagueiros tiveram uma noite desastrosa. No fim do primeiro tempo, Basay abriu o placar, de cabeça, ao subir sozinho dentro da área em cobrança de falta.

Na volta do intervalo, logo aos três minutos, o Chile ampliou. Letelier aproveitou uma falha antológica de Geraldão, que, de maneira bizarra, tentou cabecear a bola após um quique e a deixou passar, para alegria do atacante chileno. A partir daí, a dupla marcou de novo, cada um o seu, para completar a humilhação. Ainda entraram no finzinho os jovens Romário e Zamorano, mas nada mudou.

Passada a euforia, o Chile enfrentaria a Colômbia de Valderrama na semifinal. Jogo tenso em Córdoba, no Estádio Mario Kempes. Os cafeteros eram muito superiores tecnicamente. O tempo normal foi um bombardeio dos colombianos. A Roja foi salva muitas vezes por Rojas e Astengo, este possivelmente o principal destaque chileno daquela Copa América. A partida foi para a prorrogação.

No tempo extra, a estratégia defensiva do Chile foi para os ares com a marcação de um pênalti em Iguarán. Redín converteu o que parecia ser o gol da classificação colombiana, equilibrada que era a partida.

Mas Astengo, já no segundo tempo da prorrogação, mandou para a rede de cabeça em uma cobrança de escanteio, aproveitando uma cômica saída de gol que só poderia ser assinada pelo folclórico René Higuita. Dois minutos depois, aproveitando um rebote do goleiro, Vera fez o gol da classificação do Chile, em lance de pura raça.

Classificada, a Roja esperou o dia seguinte para conhecer seu adversário na final. E veio uma nova surpresa. No clássico, deu Uruguai. Atuando recuada, a Celeste não apenas parou Maradona, como também marcou com Alzamendi em contra-ataque diante de 75 mil pessoas no Monumental de Nuñez, eliminando os anfitriões campeões do mundo pelo placar mínimo.

Era a vingança uruguaia à eliminação no México, em 1986. As equipes se enfrentaram nas oitavas de final do torneio, e a Argentina, futura campeã, eliminou o cascudo rival também por 1 a 0, com gol de Pasculli.

Na decisão da Copa América, o favoritismo estava totalmente para o lado uruguaio. Não era um time qualquer. Tratava-se de uma das mais respeitáveis gerações do país no pós-guerra, liderada pelo atacante Enzo Francescoli, El Príncipe, talvez o principal ídolo do River Plate na década. Gutiérrez e Alzamendi também tiveram sucesso nos Millionarios.

Outro destaque era o volante José Perdomo, idolatrado no Peñarol, especialmente após o título da Libertadores de 1987, ao qual conquistou ao lado de Matosas e Trasante. Saldanha, por sua vez, representava o Nacional que seria campeão continental em 1988.

O duelo foi equilibrado. Ao contrário do que se imaginava, o Chile não jogou totalmente atrás e foi para cima em alguns momentos. Mas quem conseguia levar perigo, de fato, era o Uruguai. Rojas teve de intervir em várias oportunidades para evitar que o placar fosse aberto.

Não conseguiu isso aos 11 minutos do segundo tempo. Em cobrança de escanteio, a zaga chilena afastou, mas sobrou para Perdomo, sozinho, soltar a bomba de fora da área. A bola veio quente para as mãos de Rojas, que defendeu, mas não agarrou. Bengoechea, o nome do jogo, aproveitou o rebote e balançou a rede.

jornal chileno
Jornais destacaram “queda em pé” do Chile na final (Foto: Reprodução)

Terminava ali o sonho chileno. Com um time de operários desacreditados, mas que, sem dúvida, honraram a camisa Roja. Chegaram aonde a badalada geração de Salas e Zamorano, anos mais tarde, não conseguiu: disputar a final continental. O reconhecimento veio no dia seguinte, quando as capas de jornais do país aplaudiram o esforço daqueles jogadores, apesar do revés.

Em 2015, pela sétima vez em casa, não seria surpresa se o Chile levantasse a taça. O time é altamente técnico, o treinador é excelente, e o apoio da torcida será incessante. Porém, para por fim ao tabu quase centenário, resta algo que não que não se encontra em pranchetas: o espírito de 1987.

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