Um dos fatores mais apaixonantes do futebol é a capacidade que o esporte tem de apresentar grandes zebras. Quem não gosta de ver um azarão surpreendendo os gigantes e derrubando os prognósticos? A menos que seja contra o seu próprio time, é claro.
Desde que o jogo foi criado, existem vários exemplos de equipes que se superaram e deixaram times muito mais fortes (técnica e historicamente) pelo caminho, levantando a taça no final de uma brilhante trajetória e ganhando seu lugar no Olimpo do esporte bretão.
A essas equipes, damos os merecidos parabéns. Mas este especial tratará sobre outros, que nem sempre são lembrados, já que não conseguiram dar o último passo em direção à glória. Mesmo assim, prestamos as devidas honras às Zebras que Bateram na Trave.
O principado de Monaco é um dos lugares mais reconhecidos pelo luxo na Europa. Com o maior PIB per capita do mundo, talvez seja um dos locais onde menos se espera ouvir notícias sobre crise econômica.
No ano de 2003, a situação foi um pouco diferente, pelo menos no campo esportivo. O AS Monaco, tradicional equipe local, não vinha bem das pernas nas finanças, com débitos que beiravam os 50 milhões de euros.
Dentro de campo, no entanto, a equipe correspondia. Na temporada 2002/03, o time foi vice-campeão francês, com um ponto atrás do campeão Lyon. O segundo posto foi suficiente para carimbar uma vaga direta à Champions League da temporada seguinte, mas o caminho até o torneio europeu teria um grande obstáculo.
Por conta da dívida, o clube foi automaticamente rebaixado à Segunda Divisão da França, apesar do vice-campeonato no campo. Depois de um longo imbróglio jurídico, a pena foi trocada pela proibição em contratar jogadores por duas temporadas.
Mesmo escapando do pior, a situação provocou a queda do presidente Jean-Louis Campora, que deu lugar a Pierre Svara, um administrador ligado à família real monegasca que nunca havia trabalhado com futebol.
Sem poder contratar, a solução foi garantir que nenhum dos destaques da temporada anterior fosse embora. O Monaco entraria na Liga dos Campeões com praticamente o mesmo time que havia sido vice-campeão nacional na temporada anterior.
No elenco, poucos nomes famosos até então. Apesar disso, o técnico Didier Deschamps montou uma equipe ofensiva, que atuava no 4-3-3. No ataque, os pontas Rothen e Giuly alimentavam o maior astro, Morientes, ex-Real Madrid, ou o croata Dado Prso, que vinha do banco marcando gols importantes.
No meio, Edouard Cissé, Lucas Bernardi e Akis Zikos, três volantes marcadores, que permitiam uma das principais jogadas do time, as subidas do lateral-esquerdo Evra. Ibarra, Julien Rodriguez e Gael Givet ajudavam a proteger a defesa, com o gol protegido pelo goleiro Roma.
O Monaco foi sorteado em um grupo equilibrado na primeira fase da Liga dos Campeões de 2003/04, que contava ainda com os bons times do Deportivo La Coruña e o PSV-HOL, além do azarão AEK, da Grécia.
O time não chamou muita atenção até a quarta rodada, quando enfrentou o La Coruña em casa. A goleada por 8×3, com direito a quatro gols de Prso, bateu o recorde de mais gols marcados em uma partida da Liga no novo formato, marca que só seria batida em 2016, com a vitória por 8×4 do Borussia Dortmund sobre o Legia Varsóvia.
O Monaco se classificou com 11 pontos, garantindo o primeiro posto do grupo. Nas oitavas, o adversário seria o Lokomotiv Moscou, que havia superado a Internazionale e o Dínamo de Kiev em sua chave.
No primeiro duelo, 2×1 para os russos. O gol de Morientes, aos 25 do segundo tempo, renovou as esperanças monegascas. Na volta, Dado Prso chegou a perder um pênalti, mas se redimiu marcando o gol da classificação. O 1×0 já bastava, graças ao tento marcado fora de casa.
Mas as quartas de final traziam um adversário indigesto: O Real Madrid dos “galácticos” Ronaldo, Zidane, Beckham e Figo, entre outros. Os madrilenhos queriam fazer valer a fama e o investimento, e na ida, em Madrid, venceram por 4×2. Mais um gol de Morientes fora de casa, dessa vez aos 38 do segundo tempo, aumentava as chances do Monaco.
No estádio Louis II, a torcida já estava pronta para o que viesse. Raul marcou para o Real aos 36 minutos aumentando o pessimismo geral. Mas Ludovic Giuly empatou a partida nos acréscimos da primeira etapa, deixando vivo o sonho da zebra.
Logo no início do segundo tempo, Morientes fez mais um gol contra seu ex-clube, virando o placar. Faltava balançar a rede mais uma vez para decretar a reviravolta e uma surpresa histórica. E isso aconteceu graças a Giuly, de novo, aos 21 minutos. O Monaco se defendeu o resto do jogo e mandou os galácticos pra casa.
A essa altura, o Monaco chegava às semifinais surpreendendo, maas sem tanto destaque assim, já que todos os integrantes restantes na Liga eram zebras. De um lado, o Porto, que havia eliminado o Manchester United nas oitavas, contra o La Coruña, que conseguiu uma virada espetacular contra o Milan nas quartas.
Já o Monaco enfrentaria o Chelsea, ainda não tão endinheirado, que superou o fortíssimo time “invencível” do Arsenal no derby londrino das quartas. Somando todos os semifinalistas, somente um título conquistado até então.
Dessa vez o Monaco faria o primeiro jogo em casa, e tratou de partir pro ataque para decidir tudo na ida. O time conseguiu um bom resultado de 3×1, com gols de Prso, Morientes e o reserva Nonda, artilheiro do Campeonato Francês no ano anterior. Crespo descontou para o Chelsea.
Na volta, o Stamford Bridge entrou em polvorosa logo cedo. O Chelsea abriu 2×0 nos primeiros 45 minutos, com Gronkjaer e Lampard, mas Ibarra diminuiu ainda nos acréscimos. No segundo tempo, o golpe final: Morientes, sempre ele, garantiu a classificação aos 15 minutos.
Superando a crise financeira, que ainda se arrastava, o Monaco se concentrava em campo e chegava à final. A essa altura, nada seria mais surpresa. Um título contra o Porto, do até então pouco conhecido José Mourinho, estaria dentro do esperado.
O Monaco surpreendeu na escalação, voltando Prso para o banco e escalando Giuly como uma espécie de falso nove, dando liberdade para Morientes transitar no ataque. E no início a mudança foi positiva, com o time criando as melhores chances.
Mas Giuly se lesionou aos 22 minutos, dando lugar a Prso. Com as escalações mais dentro do previsto, o Porto cresceu, e abriu o placar com um belo gol do brasileiro Carlos Alberto, aos 39. O Monaco perdeu o controle ao ficar atrás do placar, e não criou mais grandes chances.
Aos 26 minutos do segundo tempo, Deco ampliou para os portugueses, com outro belo gol. A essa altura, o Monaco já estava entregue. Quatro minutos depois, Alenichev selou o título portista.
Na volta para Monaco, aplausos dos torcedores, que apesar da frustração por perder uma final “acessível” reconheceram a superação do time em meio aos problemas financeiros. O time acabaria se desmontando para saldar dívidas, com Evra indo para o Manchester United, Giuly para o Barcelona e Morientes voltando para o Real. Mas sobrariam as lembranças da campanha histórica.