Vidas diferentes, destinos iguais

    Vidas diferentes, destinos iguais

    A relação entre Pablo e Andrés Escobar no futebol colombiano da década de 1990

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    Andrés era rico. Veio de Conrado Gonzalez, bairro abastado de Medellín. Estudou em escolas boas. Gostava de futebol e queria ser jogador. Pablo era pobre. Nasceu em Rionegro e cresceu no bairro La Paz, em Medellín. Uma espécie de favela colombiana. Também gostava de futebol, mas tinha outros planos para o futuro.

    Andrés era o craque do time na escola. Zagueiro de muita classe e técnica. Não demorou a integrar a base do Atlético Nacional, seu time de coração. Pablo não era um grande jogador, nem um grande aluno. E torcia para o Independiente de Medellín.

    Ainda jovem, Pablo cometeu seus primeiros delitos. Tinha potencial. Roubava lápides e vendia a traficantes. A seu ver, era justo tirar dinheiro dos mortos para dar à sua família, que passava necessidade. Mais tarde, pensaria a mesma coisa sobre o governo. E, depois, sobre os ricos.

    Andrés e Pablo: opostos com o mesmo sobrenome (Foto: Reprodução)
    Andrés e Pablo: opostos, e coincidentemente, com o mesmo sobrenome (Foto: Reprodução)

    Andrés virou joia da base do Nacional. Subiu ao time principal aos 20 anos. Ganhou a alcunha de “Caballero del Fútbol”. Mesmo tão novo, não demorou a assumir a titularidade da equipe colombiana. E não só isso: era um dos líderes do vestiário.

    Pablo, aos 20 e poucos, era líder do sequestro de um executivo. Ganhou sua primeira centena de dólares com o resgate. Roubava carros aqui e ali. Algum tempo depois, trabalhando em um esquema de contrabando, já havia ganhado seu primeiro milhão.

    Andrés, por sua vez, em idade semelhante à de Pablo, ganhava a Copa Libertadores. Era a primeira vez que um time de seu país levantava o troféu mais importante da América do Sul. Levou o título ao bater o Olímpia nos pênaltis.

    Pablo, sedento por dinheiro, trocou o contrabando pelo narcotráfico. Passou a distribuir cocaína nos Estados Unidos. Anos depois, sem ter mais onde guardar seus milhões, deu alguns para a carente população de seu bairro. Construiu casas populares. Montou uma fazenda megalomaníaca. E comprou dois times de futebol.

    Era dono do Independiente e do Atlético. Comprava jogadores estrangeiros, assistia a todos os jogos e, reza a lenda, intimidava árbitros de futebol. Tinha uma competição interna com seu comparsa de cartel, Gonzalo Rodríguez Gacha, dono dos Millonarios, e externa com os irmãos Rodríguez Orejuela, mecenas do América de Cali.

    Pablo gostava de estar entre os jogadores. Os convidava para generosos churrascos em sua fazenda, tinha acesso total aos vestiários e os tratava muito bem. Agia como se fosse um milionário qualquer. Mas os atletas sabiam da origem de sua fortuna.

    Alguns se sentiam desconfortáveis com isso. Dentre eles, Andrés. Confessava aos pais que não se sentia bem ao lado de Pablo. Mas tinha receio de recusar os convites para as festas particulares de “El Patrón”. Chegou a jogar com o chefe em peladas do tipo.

    Pela TV, Andrés olhava de longe as graves acusações contra Pablo. Creditavam a ele os assassinatos de inúmeros promotores, juízes e até candidatos à presidência que se mostravam contrários aos cartéis de drogas colombianos. Algum tempo depois, até mesmo um atentado ao Palácio da Justiça e a explosão em um voo comercial caíram na conta do Patrón.

    Em seu país, Pablo via seu império ruir. Foi obrigado a tecer acordos. Entregou-se em troca da não extradição para os EUA, seu pior pesadelo. Mas, para isso, construiu sua própria prisão. Com direito a distância mínima de aproximação dos policiais federais. Os clubes de futebol ficaram em segundo plano.

    Andrés percebeu que a Colômbia não era mais um lugar seguro. Chegou a mudar de país, mas não se adaptou ao frio. No ano seguinte, estava de volta ao Atlético Nacional. Sentia-se melhor com a ausência cada vez maior de Pablo. Voltou à seleção colombiana, que, à época, contava com a melhor geração de sua história. Que se classificou heroicamente para a Copa do Mundo de 1994, com direito a goleada sobre a Argentina, meses antes.

    Os craques enchiam os olhos de todos os colombianos, incluindo os de Pablo. Mesmo preso, o Patrón nutria grande admiração e respeito por todos os jogadores da seleção. Os tinha como seus amigos. E os convidava para festas em seu presídio particular.

    Documentário aborda relação entre futebol e narcotráfico pela visão dos Escobares (Foto: Divulgação)
    Documentário aborda relação entre futebol e narcotráfico pela visão dos Escobares (Foto: Divulgação)

    Andrés, como todos os outros, não tinha coragem de recusar. Sentia-se mal, mas ia. Jogou com Pablo no campo da Catedral, como o local ficou conhecido. E a presença dos jogadores no local vazou na imprensa local. Sobraram críticas. Andrés pensou em largar tudo.

    Aceitou prontamente uma proposta do Milan às vésperas do Mundial. Mas nunca chegou a se apresentar ao time italiano. Não teve tempo. Na Copa, surpresa: derrota na estreia para a Romênia de Hagi. Contra os EUA, precisavam de vitória a qualquer custo. E a pressão gigantesca sobre os ombros dos atletas ficou ainda maior. Pouco antes da partida, ligações e videotapes ameaçadores chegaram da Colômbia.

    Andrés era o capitão. O líder. Mas não suportou. Fez um gol contra ainda no primeiro tempo, o tento que abriu o placar. Terminou 2 a 1. Um misto e decepção, desespero e medo. Voltou à Colômbia, apesar do apelo da família para que não voltasse. De exemplo para as crianças, virou sinônimo de fracasso.

    Pablo não viu a decepção de seu time na Copa. Já havia sido assassinado. A tiros. Com a ajuda do Cartel de Cali, do governo dos EUA e da polícia colombiana em uma emboscada. Sua morte, porém, não representou o fim do narcotráfico no país.

    Andrés também foi assassinado. A tiros. Por pessoas ligadas ao Cartal de Cali. Quando chegou à Colômbia, sentiu-se bem recebido pela população e por seus amigos, ao contrário do que esperava. Decidiu levar uma vida normal. Foi a uma discoteca. Lá, foi provocado por dois homens, do início ao fim da festa. Eles não deixaram Andrés se esquecer da falha na Copa.

    Andrés decidiu confrontá-los. Levou doze tiros. Conta-se que aqueles homens haviam perdido altas quantias em dinheiro com a derrota colombiana. E que jamais teriam coragem de fazer o que fizeram se o outro Escobar também estivesse vivo.

    Texto baseado no ótimo documentário “The Two Escobars”, produzido pela ESPN norte-americana. O Alambrado recomenda.

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