Taça roubada e convites nebulosos: Thomas Lipton, o primeiro grande torneio europeu

Taça roubada e convites nebulosos: Thomas Lipton, o primeiro grande torneio europeu

Idealizado por milionário da indústria dos chás, torneio foi o primeiro de grande divulgação a reunir clubes da Europa

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Os campeões do primeiro Troféu Thomas Lipton (Foto: Reprodução)
Os campeões do primeiro Troféu Thomas Lipton (Foto: Reprodução)

Durante a primeira década do século XX o futebol ainda estava longe do alcance global que aconteceria nos anos seguintes. Tanto pela dificuldade para enfrentar longas viagens quanto pela (ainda) baixa popularidade do jogo no mundo, era difícil pensar na realização de um torneio de porte internacional.

O esporte já fazia parte do calendário olímpico desde os Jogos de Paris, em 1900, mas não havia nenhuma competição própria que reunisse times de países diferentes até o Torneio Internacional Stampa Sportiva, organizado por um jornal homônimo em 1908.

Pouca gente deu atenção para esse campeonato, disputado em Turim com a presença de clubes da Itália, Suíça, Alemanha e França. Mas pelo menos uma pessoa presente naqueles jogos levou o torneio bem a sério, e, por sorte, era alguém com poder para levar a ideia frente. Seu nome era Thomas Lipton.

Ao menos o sobrenome dele lhe deve ser familiar. Lipton criou e deu seu nome a maior produtora de chás do mundo, e já era considerado um dos maiores milionários de sua época quando resolveu investir em sua verdadeira paixão, os esportes.

Lipton em uma de suas viagens pelo mundo (Foto: Reprodução)
Lipton em uma de suas viagens pelo mundo (Foto: Reprodução)

Atleta amador de remo e vela, o escocês se encantou pelo futebol assim que o desporto começou a ser praticado de maneira regulamentada no Reino Unido. Empolgado com a ideia de colocar os melhores times do mundo frente à frente, usou o Stampa Sportiva como base para criar seu próprio torneio.

Surgiu assim a ideia do Troféu Thomas Lipton, que seria disputado em 1909. Mas de nada adiantava o conceito se não houvessem interessados em participar, e, principalmente, divulgação. Lipton acionou seus contatos em diversos países para descobrir quais eram os melhores times da época.

Nem todos que foram convidados aceitaram, considerando a ideia maluca e pouco proveitosa. Mas Stuttgart Sportfreunde, da Alemanha, e Winterthur, da Suíça, responderam positivamente logo de cara.

A cidade de Turim, que receberia o torneio, precisava resolver o impasse de qual time seria o seu representante. Tanto Torino como Juventus já eram agremiações de respeito na época. Para não alimentar a polêmica, criou-se um combinado com jogadores dos dois times.

Faltava o quarto convidado, e essa era uma demanda da qual Lipton não abria mão: sua terra não poderia deixar de ser representada. Além de tudo, um torneio de futebol sem representantes do Reino Unido dificilmente seria levado a sério. Solicitou a indicação de um time britânico à Football Association, mas a entidade não quis se envolver com os jogos de nenhuma forma.

O convite acabou caindo no colo do modesto West Auckland Town, um time formado por mineiros de carvão, e até hoje se discute o motivo de sua entrada no torneio. Reza a lenda que Lipton havia solicitado a seus assessores que entrassem em contato com o time “W.A”, que poderia remeter a Woolwich Arsenal (hoje, somente Arsenal).

Ninguém entendeu muito bem, mas o West Auckland brotou no meio de um torneio que acabaria se tornando mais relevante do que poderia parecer. Mais uma vez o patrono mexeu seus pauzinhos, e jornais de toda a Europa passaram a divulgar o troféu que seria entregue “ao melhor time de futebol do mundo”.

Apesar de enfrentar dificuldades na viagem, a equipe inglesa venceu o jogo de abertura na semifinal contra o Stuttgarter Sportfreunde por 2×0. Do outro lado, o combinado dos donos da casa foi derrotado pelos suíços do Winterthur (2×1).

Na final, a consagração definitiva dos mineiros de Durnham: 2×0 contra o Winterthur, e título garantido. Aquele seria considerado o primeiro grande torneio internacional de clubes da história, e encarado posteriormente como um precursor da Copa do Mundo, apesar da natureza continental (e de clubes).

O sucesso foi tão grande que rendeu mais uma edição, dois anos depois. Também em Turim, mas com algumas mudanças: Dessa vez o representante suíço era o Servette, e Juventus e Torino lutariam com forças próprias. Mas o troféu ficaria definitivamente com o mesmo dono: Vitória arrebatadora por 6×1 do West Auckland contra a Juventus na final.

Quer dizer, “definitivamente” é força de expressão. A taça conquistada foi por muito tempo o orgulho do clube, mas as dívidas fizeram com que ela fosse penhorada ao dono de um bar local na década de 1940.

Depois de um esforço conjunto de membros do clube ela foi recuperada e ficou exposta na modesta sala de troféus do clube até 1994, quando foi roubada. Nunca mais se teve notícia do paradeiro do primeiro grande troféu internacional de clubes.

Quanto ao torneio, o final não foi menos dramático. Depois do sucesso das duas edições, Thomas Lipton tentou torná-lo algo frequente, mas a tensão crescente na Europa e as rivalidades nacionais que culminaram na Primeira Guerra Mundial impediram sua continuidade.

Lipton morreu em 1931, aos 83 anos. Ainda teve tempo de presenciar em vida o nascimento de um outro torneio internacional de futebol, também idealizado por um visionário que acabaria dando nome à taça, que coincidentemente seria roubada décadas depois. Mas essa é outra história. O sonho da globalização do futebol preconizado pelo milionário dos chás permaneceria vivo com a Taça Jules Rimet.

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Jornalista, 23 anos. Amante do futebol bonito e praticante do futebol feio