Saviola, Aimar, Lucho e a mística do “poderia ter sido”

Saviola, Aimar, Lucho e a mística do “poderia ter sido”

Com Lucho confirmado, River Plate aposta no retorno de medalhões para a semifinal da Libertadores

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Lucho confirmou o retorno ao River Plate na semana passada (Foto:Diego Haliasz/River)
Lucho confirmou o retorno ao River Plate na semana passada (Foto:Diego Haliasz/River)

O período de transição entre os séculos XX e XXI foi um dos mais férteis na história para as categorias de base argentinas. Nesse meio tempo, emergiu-se um eldorado de “camisas 10” nos principais clubes do país. As características eram semelhantes: habilidade inquestionável no controle de bola, drible curto, lançamentos inteligentes, chutes de longa distância e uma visão de 360 graus.

Riquelme, Aimar, Romagnoli, D’Alessandro e Maxi Rodríguez, somados aos “vovôs” Ortega e Gallardo, enchiam os olhos dos fãs de futebol naquela época. Seria a Argentina capaz de se inspirar em times antigos, nos quais o talento se sobressaía a aplicações táticas e convenções de posicionamento? Qual Copa seria vencida pelos alvicelestes? A de 2002 ou a de 2006? Afinal, era apenas questão de tempo.

Não bastasse a fartura de meias ofensivos, as canteras argentinas trataram de fornecer talentos para quase todas as outras posições. No ataque? O veloz Saviola, o raçudo Tévez e o matador Crespo, herdeiro de Batistuta. Para fazer a transição entre defesa e ataque, os notáveis volantes Verón, Lucho González, Mascherano e Cambiasso, aliados aos experientes laterais Sorín e Zanetti. Com os seguros Samuel e Burdisso na zaga.

O aguardado sucesso, porém, parou nas categorias de base. A Argentina foi campeã mundial sub-20 em 1995, 1997 e 2001, e campeã olímpica em 2004. Nada de Copa do Mundo. Pelo contrário: uma broxante eliminação na fase de grupos em 2002. Sequer uma Copa América. Ou uma Copa das Confederações.

Aimar foi o primeiro a retornar ao River. Meia já reestreou (Foto: Diego Haliasz/River Plate)
Aimar foi o primeiro a retornar ao River. Meia já reestreou (Foto: Diego Haliasz/River Plate)

O que não quer dizer absolutamente nada. Afinal, existe no futebol a inegável mística do “poderia ter sido”. Hoje, assistimos a Messi e Cristiano Ronaldo quebrando recordes atrás de recordes. A dupla empilha taças coletivas e prêmios individuais, mas nunca se deixa de falar sobre aquilo que eles não têm: troféus com suas respectivas seleções principais.

E se Cristiano Ronaldo tivesse ao seu redor uma espetacular seleção portuguesa? O quão além poderia chegar? E se Messi conquistasse uma Copa do Mundo? A lenda de Diego Maradona ficaria obsoleta? E se os dois passassem a jogar juntos? No Brasil, Pelé anotou mais de mil gols na carreira, porém, para os mais jovens (e alguns mais antigos), seus lances mais emblemáticos são os erros de finalização diante de Tchecoslováquia e Uruguai, no Mundial de 1970.

Para boa parte dos aficionados, o futebol é sempre mais espetacular no campo da imaginação. Aqueles que se destacam viram lendas, e, assim como em qualquer folclore, seus feitos são aumentados ao longo do tempo. Anos mais tarde, quando passada a dor da derrota, pouco importa se a Holanda de 1974 ou o Brasil de 1982 não tenham chegado ao topo do mundo. São, no fim das contas, mais memoráveis que a Alemanha de 1974 ou a Itália de 1982, ambas campeãs.

A seleção argentina da década de 2000 está muito longe de ser marcante como eram os times de 1974 ou de 1982. Seu saudosismo, portanto, reside na infinita quantidade de craques que se sobressaíam na qualidade individual, seja com dribles, com passes ou com gols que desafiam a lógica. Tudo isso somado ao toque especial do “poderia ter sido”.

Pablo Aimar, Javier Saviola e Lucho González, oficialmente reunidos no River Plate na semana passada, nunca venceram o Mundial, mesmo tendo estado juntos na edição de 2006 – a única vez em que dividiram vestiário. Nenhum deles consolidou-se entre os mais valiosos atletas do mundo, conquistou a Liga dos Campeões da Europa, a Copa Libertadores, ou concorreu à Bola de Ouro.

A história futebolística do trio pode ter sido abaixo das expectativas criadas no início do século, mas esteve longe de ser fracassada. Todos eles encontraram estabilidade em Portugal. Aimar e Saviola, no Benfica; Lucho, no Porto. Ainda tiveram passagens de saldo positivo por Valencia-ESP, Barcelona-ESP e Olympique de Marselha-FRA, respectivamente.

Semanas atrás, porém, os velhos-novos contratados do River se encaminhavam para finais de carreira melancólicos. Aimar defendia o Johor FC, da obscura liga malaia. Lucho também estava esquecido, atuando pelo Al-Rayyan, do Catar. Já Saviola contentava-se com o banco de reservas do Hellas Verona, da Itália.

De volta, Saviola participa de treinamento no River Plate (Foto:Diego Haliasz/River)
De volta, Saviola, ao fundo, participa de treinamento no River Plate (Foto:Diego Haliasz/River)

Qual a razão, portanto, para o River Plate, às vésperas das semifinais da Libertadores, apostar em três veteranos em reta final de carreira que jamais entraram para o alto escalão do futebol mundial? Por que essas novas contratações dos Millonarios são tão cercadas de expectativas por parte da torcida e da imprensa argentina?

A resposta está no imaginário. Mesmo tantos anos depois, o público em geral ainda espera ver os contra-ataques fulminantes de Javier Saviola, as assistências geniais de Lucho González ou as pinturas de Pablo Aimar com frequência. Imagine tanto talento em um só time? O céu é o limite!

Esperar que as expectativas se concretizem é o que há de mais intocável no futebol. No caso do trio do River, a realidade aponta que nenhum dos três será bem-sucedido no retorno para casa. Pouco importa. O torcedor no estádio ainda será tomado por um misto de esperança e curiosidade a cada instante que a bola se aproximar de seu ídolo. Vale o ingresso.

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