Ralph Milne era promessa mundial. Mas foi goleado pelo alcoolismo

Ralph Milne era promessa mundial. Mas foi goleado pelo alcoolismo

Ex-jogador escocês, campeão pelo Dundee United nos anos 80, faleceu neste domingo (6), aos 54, vítima de complicações hepáticas.

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Lenda do Dundee United, Ralph Milne faleceu aos 54 anos neste domingo, por problemas causados pelo alcoolismo (Foto: Reprodução).
Lenda do Dundee United, Ralph Milne faleceu aos 54 anos neste domingo, por problemas causados pelo alcoolismo (Foto: Reprodução).

A mística do “poderia ter sido” é um dos fatores que mais atraem a atenção dos fãs de futebol, como já foi abordado pelo Alambrado. A busca incessante pela descoberta do novo Pelé, do novo Maradona ou do novo Messi faz com que incontáveis atletas carreguem expectativas muito maiores que seus potenciais ao longo de suas carreiras.

Por esta razão, o “por que não deu certo?” é uma das principais perguntas sem resposta do nosso esporte bretão. Em alguns casos, contudo, existem explicações naturais que só podem ser lamentadas. Graves lesões, acidentes ou problemas extracampo já destruíram a carreira de craques consagrados. Que dirá de candidatos a craque.

É o caso de Ralph Milne. Pouco conhecido fora do Reino Unido, o ex-jogador escocês faleceu neste domingo (6), aos 54 anos, vítima de danos hepáticos provocados pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Como George Best, como Garrincha, como Sócrates.

Ao contrário dos três citados, Milne jamais conquistou a mesma fama internacional. Os problemas com bebida o afetaram desde muito novo. Acabaram por encurtar sua carreira. Foi forçado a pendurar as chuteiras aos 31 anos, depois de passar pelo futebol asiático.

A história do ponta-direita começou em 1979. Subiu ao time principal do Dundee United com apenas 18 anos e já chamava a atenção de todos por sua técnica destoante. Milne era capaz de arrancar da linha do meio de campo em direção ao gol adversário deixando três ou quatro adversários para trás.

Era muito veloz e sabia como ninguém manter a bola perto de seu pé direito enquanto corria. Como se não bastasse, tinha grande visão de jogo, distribuía precisos lançamentos e ainda contava com um potente chute de longa distância.

A expectativa dos escoceses ao redor de Milne era gigantesca. Seria uma enorme adição à já excelente seleção nacional que se projetava no início dos anos 80, liderada por Kenny Dalglish, lenda do Celtic e do Liverpool.

O rapaz se estabeleceu como titular do United escocês logo na sua segunda temporada entre os profissionais. As boas atuações lhe renderam convocações para a seleção nacional sub-21. Viveu o ápice no ano 1982-83, quando anotou 21 gols em 49 jogos, sendo o principal nome do time que conquistou o Campeonato Escocês, o primeiro (e até hoje único) da história da equipe.

Quando chegou ao ápice, Milne aparentemente se deslumbrou com o sucesso. Virou astro da liga escocesa na temporada seguinte, quando ajudou o Dundee a alcançar a semifinal da Copa dos Campeões, a Champions League da época. Os escoceses só foram parados pela Roma de Falcão e Cerezo, que seria derrotada pelo Liverpool na decisão.

Mas o ano 1983-84 não foi à prova de críticas para o ponta. Até mesmo o técnico do time, Jim McLean, o cobrava pela falta de empenho em campo. Alternava grandes atuações com seguidas partidas discretas no time titular e passou a esquentar o banco de reservas em algumas ocasiões.

Deixou de ser unanimidade até para a seleção escocesa, que parecia certa para Milne após o histórico título da liga de 83. Acabou que o promissor ídolo do Dundee United jamais defendeu o combinado nacional na carreira. E a dupla com Dalglish ficou no imaginário.

Naquele ponto começou o envolvimento de Milne com o álcool e os jogos de azar. Priorizando a vida noturna, o rapaz passou a viver de lampejos, e variou entre o banco e a titularidade até janeiro de 1987, quando foi negociado ao Charlton, sem resistência por parte do Dundee, que, anos antes, blindava o jovem do assédio de clubes ingleses. Tinha apenas 25 anos, mas já parecia um veterano.

Lá, ficou por um ano, não foi titular e sequer marcou gols. Trocou a equipe, que disputava a primeira divisão inglesa, pelo Bristol City, que estava na terceira, em busca de maiores oportunidades. A estratégia deu certo: Milne sobrou na liga e atraiu a atenção de Alex Ferguson.

O lendário técnico do Manchester United, que na época ainda buscava espaço nos Red Devils, já conhecia o escocês há tempos. Havia treinado o Aberdeen e testemunhado o talento de Milne no auge. Ferguson acreditou que o ponta havia recuperado o bom futebol e convenceu os diretores a investirem em sua contratação.

Chegou em 88, por um valor relativamente baixo. Fez 22 jogos e marcou três gols. Acabou virando piada entre os torcedores, sendo lembrado até hoje como uma das piores contratações da história do clube.

Perdeu o vigor físico de outrora e passou a errar passes, dribles e chutes. Nem de longe lembrava o habilidoso e promissor garoto do início da carreira. Até mesmo Ferguson reconheceu ter sido seu pior investimento como manager.

Milne foi emprestado ao West Ham em 1990, e só fez uma partida oficial. Foi devolvido ao final do vínculo e apenas treinou pelo United até o fim de seu contrato, em 1991. Teve breve passagem pelo Sing Tao, de Hong Kong, antes de abandonar definitivamente o futebol no ano seguinte. Admitia de vez, aos 31 anos, o vício em bebidas alcoólicas.

Infelizmente, o triste fim de Milne, mais do que esperado, chegou neste domingo. E provavelmente não será o último caso do tipo. O alcoolismo é, mundialmente, uma das mais subestimadas doenças humanas. Se nem a sociedade no geral enxerga este problema com a seriedade adequada, o mundo da bola não seria diferente.

Profissionais do esporte, imprensa e torcedores tratam o tema com tom humorístico e até de certa admiração. De Mestre Mimache à sexta-feira de Didico, passando pelas agressivas campanhas publicitárias – fortemente presentes no próprio esporte, inclusive – o problema é completamente ignorado.

Quem será o próximo?

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