No futebol, a linha entre herói e vilão é muito tênue. Tudo pode mudar em poucos segundos, em um lance de sorte (ou azar), o que em algumas ocasiões provoca uma mudança na reputação de um atleta. Alguém que antes era visto como uma joia pode ser desprezado e parar no limbo dos “foguetes molhados”, como são chamados os jogadores que foram muito menos do que poderiam ter sido.
Wendell Lira tinha tudo para fazer parte deste desafortunado grupo. Visto como uma grande promessa nas categorias de base, o atacante acabou esquecido por muito tempo até que um lance mudou sua carreira. Contra todas as expectativas, ele saiu do ostracismo para fazer parte da cerimônia mais prestigiada do mundo da bola, sendo premiado como o autor do gol mais bonito de 2015.
O conto de fadas vivido por Wendell tem alguns capítulos que se cruzam com a história de um outro boleiro, muito mais famoso e com uma trajetória bem distinta, mas que, no final das contas, parece fazer o caminho inverso, ao menos em termos de reputação.
Ninguém menos que Alexandre Pato, parceiro de Wendell nas seleções juvenis, multimilionário e com um currículo recheado de passagens por grandes clubes. A comparação parece até injusta, mas é interessante analisar como caminhos que começaram tão parecidos tomaram rumos tão diferentes. Confira, em cinco momentos, quão curiosa é a estrada caminhada por cada um deles:
2006
Os dois jogadores começaram prometendo muito. Ambos tinham apenas 16 anos quando foram lançados ao time profissional em seus respectivos clubes. Wendell ganhou a confiança do técnico Geninho em seu início pelo Goiás, enquanto Pato começava a despontar como estrela-mirim do Internacional após ser o artilheiro do Brasileiro Sub-20.
O bom desempenho de ambos fez com que se tornassem estrelas da seleção brasileira que disputava a Copa Sendai no Japão, um time que contava ainda com o meia Willian, ex-Corinthians e hoje no Chelsea. Wendell e Pato mostraram entrosamento em campo, levando o Brasil ao título do mini-torneio.
Logo após a competição, o mundo parecia aos pés deles. Wendell recebeu uma proposta para se transferir para o Milan, recusada pelo Goiás, que esperava vendê-lo por um valor maior no futuro. Pato acabaria inscrito no Mundial de Clubes pelo Internacional, marcando inclusive um gol na semifinal. O futuro tinha tudo para ser brilhante.
2007
Pato parecia se desgarrar ainda mais como uma das maiores revelações do futebol brasileiro nos últimos anos. Titular no Inter, mostrava faro de gol e habilidade incomuns para seus meros 17 anos.
Seria campeão da Recopa Sul-Americana contra o Pachuca, com direito a um gol na final. Pouco depois do título, a saída: o Milan, aquele mesmo que tinha se interessado por Wendell, bancou sua transferência por 24 milhões de euros. No time rossonero, o atacante vestiria a mesma camisa 7 usada pelo ídolo Shevchenko.
Enquanto isso, Wendell lutava por um lugar de mais destaque no Goiás. Entre idas e vindas do time principal para o da base, acabou como artilheiro do Campeonato Brasileiro Sub-20 daquele ano, com sete gols em oito jogos. A transição parecia estar sendo mais lenta do que parecia a princípio, mas tudo indicava que Wendell poderia fazer sucesso.
2008
O ano em que os caminhos dos dois se distanciaram. Pato finalmente estreou pelo time principal do Milan e começou com um ritmo impressionante, marcando gols importantes e se entrosando bem com os compatriotas Kaká e Ronaldo. Mesmo jogando apenas a segunda metade da temporada 2007/2008, acabaria sendo um dos artilheiros do time, com nove gols marcados no Italiano.
Para Wendell, a situação foi muito menos animadora. Uma grave lesão no joelho o tirou dos gramados por cerca de 10 meses e impediu que ele se firmasse de vez na equipe profissional do Goiás.
2010
O martírio de Wendell teria mais um capítulo dramático. Depois de tentar, sem sucesso, retomar o ritmo no Goiás no ano anterior, o jovem foi emprestado para o Fortaleza, onde teoricamente teria mais oportunidades como titular, para talvez voltar à grande fase. Mas o baque veio rápido. Um rompimento dos ligamentos do joelho deixou o atacante de molho por mais um longo período.
Na Itália, Pato convencia enquanto estava em campo, mas também sofria com lesões, principalmente musculares. Com isso, tinha sua sequência de jogos prejudicada, desfalcando o Milan em duelos importantes da Liga dos Campeões da Europa.
2012
Em 2012, chegou ao fim o contrato de Wendell com o Goiás. Depois de tantos percalços, ele teria que buscar um novo clube para encontrar um novo rumo em sua carreira. Naquele ano, teve passagens apagadas por Atlético Sorocaba e Trindade, depois de cogitar até mesmo encerrar a carreira como atleta profissional, trabalhando em uma lanchonete com a mãe para ajudar a família.
Enquanto isso, Pato tinha que lidar com a impaciência dos torcedores do Milan, que já não aguentavam mais as seguidas lesões musculares, culpando o jogador pela queda no rendimento. Os médicos do clube milanês pareciam ter perdido a esperança, diagnosticando o atleta com um problema crônico no sistema nervoso. No final do ano, acabaria vendido para o Corinthians por 15 milhões de euros, então a maior contratação da história de um clube brasileiro.
2015
Depois de sair do Corinthians em desgraça com a torcida, Pato conseguiu marcar muitos gols pelo São Paulo, embora ainda tivesse que lidar com críticas por parte da torcida tricolor. No final do ano, seu empréstimo não foi renovado, e nenhuma proposta do exterior chegou.
Para Wendell, a sorte voltou a aparecer. Jogando pelo modesto Goianésia, marcou um belo gol contra o Vila Nova no Campeonato Goiano. No final do ano, a agradável surpresa: a bela finalização tinha sido escolhida como uma das três melhores da temporada. Com a nomeação, conseguiu um contrato com o Vila Nova.
2016
O ano mal começou, mas a gangorra parece ter balançado mais uma vez. Pato vem em baixa, tentando desesperadamente um lugar em um grande clube europeu enquanto treina separadamente do grupo no Corinthians, sem clima para para fazer parte do elenco. Recusou uma proposta milionária da China visando uma vaga em mercados maiores, que ainda não apareceu.
Já Wendell virou o queridinho da imprensa esportiva nos últimos dias. Vencedor do prêmio Puskas, fez um discurso emocionado na premiação e foi parabenizado por astros do futebol mundial, como Cristiano Ronaldo e Kaká. Enfim, conseguiu chegar no topo do mundo, mesmo que de um jeito inesperado.
Dois atletas que se encontraram há 10 anos, com destinos muito diferentes, mas pelo menos aparentemente, o azarão parece ser o mais feliz no momento.
