O Alambrado continua a série que conta a história de confrontos marcantes da Copa Intercontinental, a predecessora do Mundial de Clubes. Por muitos anos, a competição foi vista com desprezo pelos grandes clubes europeus, que a consideravam um estorvo tanto pela dificuldade de encontrar datas no calendário como pela violência dos embates.
Na primeira parte, mostramos a história da final bélica de 1967, disputada entre Celtic e Racing e vencida pelo time argentino apenas no confronto-desempate, após uma série de confusões, brigas e desentendimentos entre atletas de ambos os times.
Agora chegou a hora de relembrar a final do ano seguinte, com dois protagonistas diferentes, mas com a crescente tensão em comum. Confira:
Estudiantes x Manchester United – 1968
A edição de 1968 da Copa Intercontinental colocou frente a frente duas equipes que haviam chegado ao topo de seus respectivos continentes pela primeira vez, assim como havia acontecido com Celtic e Racing na final anterior.
De um lado estava o Estudiantes de La Plata, que havia batido a grande Academia do Palmeiras na final da Libertadores, tendo como principal destaque o atacante Juan Ramón Verón, “La Bruja”.
Os “Pincharratas” impunham respeito, mas do outro lado também não estava um adversário qualquer. Nada menos que o Manchester United comandado pelo lendário técnico Matt Busby, que contava, dentro de campo, com um trio de ouro formado por Bobby Charlton, George Best e Dennis Law.
Os ingleses já embarcaram para a Argentina preocupados, tendo em vista o assombro provocado pelo duelo entre Celtic e Racing no ano anterior. Esperavam um clima de guerra desde sua chegada para o primeiro jogo, mas o que se viu no desembarque foi outra coisa: uma recepção gentil e calorosa dos argentino no aeroporto. Os conflitos psicológicos aconteceriam mais tarde.
O primeiro atrito foi quando as duas equipes combinaram de se encontrar para promover o evento, onde seria dada uma coletiva e selado um acordo para que o título fosse disputado somente na bola, sem a necessidade de jogadas violentas. O elenco do Manchester compareceu em peso, mas o Estudiantes desmarcou em cima da hora, algo visto por Matt Busby como uma “falta de cortesia”.
A “guerra fria” continuou quando jornais argentinos veicularam uma entrevista de Otto Glória, técnico do Benfica (derrotado pelo United na final da Copa dos Campeões da Europa), classificando o volante Nobby Stiles como um “assassino, brutal, mal-intencionado e mau esportista”.
Stiles já era conhecido pelos argentinos por conta das entradas duras no duelo entre as duas seleções na Copa de 1966. As publicações dos jornais serviram para reavivar essa lembrança e marcá-lo como um alvo em campo.
Pouco antes da partida começar, a torcida do Estudiantes acendeu sinalizadores e jogou fumaça vermelha dentro de campo. Era uma forma de mostrar aos ingleses que aquela noite não seria parecida com nada do que haviam vivido na Europa.
Quando a bola rolou, a estratégia do time da casa ficou clara: pressionar desde o início, em todos os sentidos. A marcação era intensa, e os principais jogadores dos Red Devils mal conseguiam pegar na bola. Não demorou para o Manchester ceder a vantagem no placar. Aos 28 minutos, Conigliaro colocou o Estudiantes na frente.
Além disso, a intimidação física também foi marcante, principalmente sobre Stiles, que recebia pisões e cabeçadas frequentemente. O inglês até conseguiu se segurar por algum tempo, mas não durou muito. Acabou expulso após revidar um soco de Bilardo, um dos mais violentos em campo.
A partir daí, pouco futebol foi visto. As raras investidas de Charlton e Law eram barradas, muitas vezes com faltas pesadas. Charlton chegou a precisar de pontos por causa de uma cotovelada, e Law teve um corte de quatro centímetros na perna. O explosivo Best, a outra ponta brilhante do trio, havia perdido o controle com as provocações e quase não apareceu no jogo, que acabaria 1 a 0. A arbitragem ainda anulou um gol dos visitantes, marcação que permanece duvidosa até hoje.
Na volta, em Manchester, a torcida local se empolgou com a possibilidade de ver o primeiro clube inglês campeão mundial, e lotou o Old Trafford. Enquanto isso, cerca de 300 argentinos atravessavam o oceano para acompanhar uma possível vitória histórica do Estudiantes, que jogava pelo empate.
Como era de se esperar, o United começou em cima, e teve duas grandes chances logo no início da partida. Mas o goleiro Poletti parecia estar em uma noite abençoada, e impediu a abertura do placar.
A situação estava prestes a ficar ainda melhor para os Pincharratas. Como não poderia deixar de ser, brilhou a estrela de Verón: Após um cruzamento na área, o atacante completou de cabeça no canto do goleiro Stepney. O Estudiantes aumentava ainda mais sua vantagem.
Foi aí que o jogo virou uma espécie de bombardeio contra Poletti. Foram no mínimo cinco grandes defesas do goleiro argentino, que impediram a virada dos Red Devils. O Estudiantes chegou a ter chances de ampliar no contra-ataque, mas não aproveitou.
Aos 30 do segundo tempo, um irritado George Best foi mandado mais cedo para o chuveiro depois de dar um soco em Medina, o marcador que o atormentava desde a partida de ida e que também foi expulso na confusão.
Mesmo depois da ação do árbitro, o entrevero entre os atletas continuou, com Best chegando a correr atrás do argentino. A polícia precisou agir e escoltar cada um para seu vestiário.
A pressão do Manchester continuou, e o time enfim conseguiu o empate aos 44 do segundo tempo, com um chute de Morgan. Mas já era tarde. pouco após o gol, o árbitro apitou o fim da partida, selando o título do Estudiantes. Assim como havia acontecido no ano anterior, os campeões foram impedidos de fazer a volta olímpica, por conta dos objetos que eram atirados na direção do campo.
As batalhas entre sul-americanos e europeus tinham ganho mais um capítulo, e não seria o último.
