10 de janeiro de 1995: o Flamengo chocava o planeta ao anunciar a contratação de Romário, eleito melhor jogador do mundo. Meses antes, o ex-jogador do Barcelona havia sido campeão e grande craque da Copa do Mundo, vencida pela seleção brasileira.
Algo comparável à ida de Neymar para o PSG, com as exceções de que nem as cifras eram gigantescas, nem Neymar é campeão mundial e melhor do mundo. Sete milhões de dólares bastaram para que o Barcelona liberasse o craque para voltar ao Rio de Janeiro, sua grande exigência. À época, era um valor considerado alto, mesmo para o padrão europeu.
Foi o começo de um ano que tinha tudo para ser muito promissor. O clube carioca comemorava seu centenário. Era o primeiro ano de Kleber Leite na presidência e o cartola sonhava grande.
Para cumprir a promessa de montar um esquadrão, buscou apoio de empresas, como a Petrobrás, e amarrou contratos aqui e ali. Alguns nebulosos, algo não tão transparente quanto o da atual gestão do Flamengo.
Não bastasse ter o melhor jogador do mundo, o Flamengo ainda contava com um dos mais promissores do Brasil, o jovem atacante Sávio, revelado nas categorias de base do clube. O “novo Zico” da Gávea chamava a atenção por sua habilidade e precisão nas bolas paradas.
O craque, a revelação… e no banco de reservas? O melhor técnico da época, Vanderlei Luxemburgo. Então bicampeão brasileiro com o Palmeiras, Luxa estava muito valorizado e mostrava experiência em comandar elencos cheios de estrelas, apesar da pouca idade para um treinador.
Ainda no começo do ano, chegou outro tetracampeão mundial: o lateral Branco, que foi de questionado a herói na Copa de 94. O veterano estava no Corinthians. Completavam as aquisições o talentoso zagueiro-volante Valber, campeão mundial pelo São Paulo e com convocações para a seleção.
O ano promissor começou com o estadual, que, à época, ainda tinha muita relevância. A vitória por 3 a 2 sobre o Botafogo de Túlio na final da Taça Guanabara encheu de expectativa a torcida rubro-negra – foram três gols de Romário, que justificava o prêmio de melhor do mundo com sobras.
Mal imaginava o torcedor que era tudo o que o Flamengo conseguiria naquele ano. A equipe chegou à decisão do Carioca para enfrentar o Fluminense com um quê de “já ganhou”. O tricolor tinha no papel um time modesto, com uma estrela tida como decadente – Renato Gaúcho já estava perto de completar 33 anos.
O veterano era a grande contratação do ano para a equipe, mas a torcida o via com desconfiança. Primeiro, por causa da idade e da passagem apagada pelo Atlético Mineiro no ano anterior. Segundo, pela identificação do atacante com o arquirrival. Renato era ídolo do Flamengo, onde venceu títulos da Copa do Brasil e do Brasileirão, em duas passagens.
Mas a idolatria, por incrível que pareça, mudaria de lado. Bastou um jogo histórico, um dos maiores da história do Flu. Empatando em 2 a 2, com dois jogadores expulsos, o tricolor buscou a virada heroica com o famigerado gol de barriga de Renato aos 42 do segundo tempo.
Ainda houve tempo para um terceiro jogador ser expulso. Na raça, a equipe segurou o caro elenco flamenguista e conquistou um dos títulos mais celebrados da história da equipe.
No Flamengo, o clima foi de imensa decepção. O campeonato Carioca era visto quase como uma obrigação. Isso porque algumas semanas antes a equipe havia sido eliminada pelo Grêmio de Felipão e Jardel na Copa do Brasil, nas semifinais. Sobraria apenas o Campeonato Brasileiro.
Pouco depois do título, nova baixa: Luxemburgo decidiu pedir demissão. Insatisfeito com o rendimento da equipe e perdendo o controle do vestiário, o técnico decidiu sair. Foi substituído por Edinho.
Enquanto a imprensa noticiava desentendimentos entre Romário e Sávio, com direito a pontapé do baixinho no garoto durante um amistoso no Japão, a diretoria resolveu agir.
Com uma operação para lá de estranha, envolvendo cessão de um terreno na gávea para a construção de um shopping que até hoje nunca existiu, o Flamengo contratou ninguém menos que Edmundo, por 5 milhões de reais, vindo do Palmeiras. A maior transação entre clubes do brasil da história até então. Estava formado o “ataque dos sonhos”.
Edmundo não era apenas um dos melhores atacantes brasileiros da época. Era também um dos mais agressivos e indisciplinados. A imprensa paulista pegava no pé do jogador, que nem pensou duas vezes em voltar para o Rio.
A dupla com o intempestivo Romário rendeu o histórico “Rap dos Bad Boys”, um funk cantado pelos próprios atacantes no qual brincavam sobre essa má fama dos dois. Uma parceria que tinha tudo para dar certo dentro de campo, e tudo de errado fora dele.
Mesmo com Romário, Edmundo e Sávio, o Flamengo não deu liga. Se o ataque era dos sonhos, a “defesa era dos pesadelos”, como os jornais chamavam à época. Nem mesmo lá na frente a coisa era garantida. A equipe fechou o primeiro turno com o terceiro pior ataque em gols marcados, atrás de Juventude e União São João. Terminou na lanterna de seu grupo.
A equipe com o melhor jogador do mundo e com outros craques consagrados surpreendentemente corria o risco de ser rebaixada para a segunda divisão nacional.
Naquele ano, jamais houve entrosamento entre o trio de ataque. Edmundo e Romário por vezes atuavam na mesma faixa do campo. O meio de campo também era inexistente: Valber tinha qualidade na saída de bola, mas não havia um meio de campo consistente. No ataque, sobravam jogadas individuais e faltava um jogo coletivo.
Edinho durou poucos meses no cargo de técnico. Para seu lugar, talvez o tetracampeão Parreira? Que nada. Em uma jogada surpreendente, Kleber Leite convidou para o comando, em um jantar, o comentarista Washington Rodrigues, o Apolinho, da Rádio Globo.
O jornalista ficou muito surpreso com o convite, mas aceitou. Mesmo sem qualquer experiência com uma equipe de futebol. Ainda pediu a benção de Romário, que se sentia perseguido por seus comentários na Rádio Globo.
A equipe fez um segundo turno melhor, espantou o fantasma do rebaixamento, mas ainda assim terminou com a 21ª pior campanha. O ataque fez 23 gols em 23 jogos, risível média de um por jogo. O campeão e rival Botafogo terminou com o dobro, 46.
Terminava ali o sonho rubro-negro, sofrendo com as piadas dos rivais. Iniciava-se a piada do “centenada”, uma espécie de maldição no ano do centenário que acometeu os clubes brasileiros. O ataque dos sonhos só renderia no ano seguinte, com a conquista invicta do Cariocão, e só. Pouco para tamanho investimento.
A nova era galáctica do Flamengo, deste ano, corre para o mesmo caminho. Cheia de estrelas, a equipe até ganhou o Carioca deste ano, mas o peso da conquista é muito menor do que comparado ao de 22 anos atrás.