Vida de torcedor do Tottenham não é fácil. Lá se vão 55 anos desde o último título da primeira divisão inglesa; 32 desde a última Liga Europa; 25 desde a última FA Cup. Conquistou uma Copa da Liga em 2008, é verdade, mas sem o mesmo peso dos outros torneios.
Mesmo com a escassez de taças, a equipe se manteve como uma das mais tradicionais da Inglaterra. Conta com uma das maiores e mais apaixonadas torcidas do país, e permanece, ano a ano, beliscando vaga para a Liga Europa, entre o segundo melhor pelotão da Premier League.
Neste ano, não. Em 2016, o Tottenham finalmente encaixou. O técnico argentino Mauricio Pochettino montou um time jovem e competente, que brigou até o fim pelo troféu.
Mas o Tottenham… bem, é o Tottenham. Ninguém imaginaria que o azarão Leicester conquistaria seu primeiro título inglês na história justamente no ano em que os Spurs estão tão bem.
O fato não tira os méritos do vistoso futebol exibido pelos londrinos ao longo de 2015-16. Nenhuma outra equipe teve desempenho coletivo tão bom e organizado ofensivamente. Troca de passes, inversões, dribles, tabelas, velocidade.
Taticamente, Pochettino utiliza o 4-2-3-1 – ao menos no papel. O que se vê na prática, entretanto, é uma espécie de 4-2-4, em que os volantes Dier (zagueiro de origem, uma das inovações do técnico) ou Dembelé recuam para cobrir os avanços dos laterais.
A linha de 4 defensiva segue o modelo tradicional, com muita liberdade para os laterais Walker e Rose. A novidade, porém, é o quarteto ofensivo. Eriksen, Lamela, Alli e Kane funcionam como um carrossel: se movimentam perto um do outro, com um sempre cobrindo o espaço vazio deixado pelo companheiro.
Essas constantes trocas de posições têm confundido as marcações adversárias. Especialmente por Harry Kane, artilheiro e melhor finalizador da equipe, que costuma deixar a área e ir para as pontas.
Com isso, em vez de atrair um batalhão de zagueiros na linha da grande área, o atacante costuma chegar de surpresa, com algum passe em profundidade ou cruzamento rasteiro vindo das pontas, normalmente livre.
A imprevisibilidade é a maior arma para o ataque do time londrino. Seja com Kane, seja com Alli, seja com Lamela, seja com Eriksen, ou até mesmo com os laterais, a inteligente movimentação torna marcações individuais adversárias completamente inviáveis.
Além do aspecto coletivo, o Tottenham de Pochettino também tem dado destaque a talentos individuais. Kane, o principal deles, faz sua temporada de afirmação no futebol.
Depois dos 31 gols marcados em 14-15, quando ainda era uma surpresa, o atacante já anotou 28 nesta temporada. Definitivamente o ano anterior não tinha sido fora da curva.
Não menos importante, Dele Alli despontou como a jovem revelação da temporada inglesa. Surgiu no modesto MK Dons e fez sua primeira temporada na Premier League, com desempenho impressionante.
Marcou dez gols até então, mesclando seu fôlego imenso com uma incomparável noção de posicionamento, bom passe e ótima finalização. Sem Alli, o esquema 15-16 do Tottenham não seria o mesmo.
Eriksen, Lamela, Alderweireld e o renascido Dier, que se encontrou no meio de campo, também elevaram suas carreiras a outro patamar com o desempenho desta temporada.
Mas o que mais impressiona na equipe não é o esquema tático ou os valores individuais. É a média de idade, de 24,2 anos. É uma das menores não apenas da Inglaterra, como também da Europa. Pochettino ensina que não é preciso contar com aquele veterano em fim de carreira para cobrar faltas ou escanteios.
O mais velho do time é o goleiro reserva Vorm, de 32 anos. Depois dele, vêm Lloris e Vertoghen, com 29. Para o futuro, é animador. A equipe está encaixada, tem margem para crescer ainda mais e se manter constante.
O ano de 2015-16 serviu de amadurecimento para a equipe. Mesmo sendo melhor que o Leicester, o Tottenham deixou pontos importantes escaparem, algo típico de uma equipe de pouca rodagem. Entretanto, mantendo elenco e comissão técnica, e principalmente amadurecendo, o ano seguinte promete. Olho neles.