O sol, a sombra, a alma e o coração

    O sol, a sombra, a alma e o coração

    Livro de Eduardo Galeano traduz em palavras o sentimento que move os fãs de futebol

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    A capa da versão brasileira (Foto: Editora L&PM/Divulgação)
    A capa da versão brasileira (Foto: Editora L&PM/Divulgação)

    Diz-se que o futebol é uma ferramenta de alienação. “O ópio do povo”, como costumava brincar o grande escritor Nelson Rodrigues, fazendo referência a uma expressão tornada famosa por Karl Marx a respeito da religião. Desde a criação do esporte, muitos tentaram menosprezá-lo desconsiderando seu valor sociológico, entendendo que existiam coisas mais importantes a se preocupar do que apenas 22 homens correndo atrás de uma bola.

    Por sorte, através dos tempos surgiram mentes brilhantes capazes de entender o valor que o jogo agrega na vida de quem é apaixonado por ele. Uma dessas mentes era a do uruguaio Eduardo Galeano, autor de “Futebol ao sol e à sombra”, um dos melhores retratos literários da paixão pelo futebol, assim como sua história.

    Famoso por obras de forte cunho político, com destaque para “As veias abertas da América Latina”, Galeano soube entender o papel do esporte como única razão do sorriso de muita gente inserida em uma sociedade que nem sempre dá motivos para alegria.

    Por meio de contos e pequenas crônicas, o livro conta fatos importantes do futebol mundial desde os tempos em que começou a ser praticado, em uma linguagem que consegue captar a essência do sentimento que move o torcedor, sem perder seu valor lúdico e poético.

    Muitas das histórias relatadas na obra se passam na região do Rio da Prata, o ambiente em que Galeano cresceu. Mas isso não o impediu de estender seus relatos a outras partes do mundo que também amam o esporte bretão, sendo que o Brasil também é bem representado na obra.

    Nesse contexto, vale destacar a crônica “História de Fla-Flu”, uma análise enriquecedora da rivalidade entre dois times, representados por um pai e seu filho, em uma tarde de clássico no Maracanã.

    Um certo tom saudosista permeia a obra, deixando a sensação que o futebol fica cada vez mais distante do que era, e do idealismo que representa. Algo que beira o pessimismo, mas totalmente aceitável dentro de uma perspectiva em que o esporte seja visto mais pelo lado romântico de um torcedor acompanhando seu time na geral do que pelo pragmatismo de só olhar o placar final no jornal do dia seguinte.

    A escrita é capaz de deixar até o público mais desinteressado no futebol imerso em seus nuances, suas reviravoltas, as poucas alegrias que se tornam memórias mais fortes que as inúmeras tristezas. De certa forma, Galeano dá a entender que a luta dentro do campo se assemelha muito às batalhas na vida real, onde nem sempre o resultado esperado é atingido, assim como o melhor nem sempre vence.

    Seria ousadia demais tentar superar um mestre como Galeano, por isso é melhor deixar que ele mesmo encerre, em um pequeno trecho que sintetiza tudo que um amante do futebol já sabia, mas que poucos saberiam traduzir em palavras:

    “Quando termina a partida, o torcedor, que não saiu da arquibancada, celebra sua vitória, que goleada fizemos, que surra a gente deu neles, ou chora sua derrota, nos roubaram outra vez, juiz ladrão. E então o sol vai embora, e o torcedor se vai. Caem as sombras sobre o estádio que se esvazia. Nos degraus de cimento ardem, aqui e ali, algumas fogueiras de fogo fugaz, enquanto vão se apagando as luzes e as vozes. O estádio fica sozinho e o torcedor também volta à sua solidão, um eu que foi nós; o torcedor se afasta, se dispersa, se perde, e o domingo é melancólico feito uma quarta-feira de cinzas depois da morte do carnaval.”

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