O jogo de um homem só

O jogo de um homem só

Com estilo despreocupado e classe inigualável, Riquelme encantou o mundo da bola

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Aos 36 anos, Riquelme dá adeus aos gramados (Foto:Divulgação/lancenet.com.br)
Riquelme deu adeus aos gramados. O futebol é quem perde (Foto:Divulgação/Boca Juniors)

O relógio marcava 3 minutos do segundo tempo de um jogo decisivo da Copa do Mundo de 2006. Alemanha e Argentina se enfrentavam no Olympiastadion de Berlin em busca de uma vaga na semifinal em um jogo pegado e nervoso, como não poderia deixar de ser, exceto para um homem em campo.

O camisa 10 argentino, com toda a tranquilidade possível, coloca a bola debaixo do braço e caminha lentamente em direção à linha de fundo pra a cobrança de um escanteio, debaixo de uma vaia colossal dos torcedores alemães que tentam desestabilizá-lo. A tática poderia funcionar com grande parte dos jogadores, mas não com este: a bola é colocada com carinho na cabeça de Ayala, que abre o placar para os argentinos.

Este talvez não seja o lance mais bonito, ou o mais brilhante, nem mesmo o mais importante da carreira de Juan Román Riquelme. Uma simples assistência, entre as várias que ele distribuiu em sua carreira, em um jogo que terminou mal para a Argentina, eliminada nos pênaltis após sofrer o empate nos minutos finais do jogo.A essa altura, o craque do time já assistia a partida do banco de reservas, poupado pelo técnico José Pekerman para um jogo seguinte que não viria a acontecer.

De fato, em uma compilação de lances de Riquelme, este dificilmente seria lembrado. Mas é um dos que mais ajudam a definir seu estilo: um jogador com técnica extremamente apurada e uma incrível habilidade de se manter alheio ao que estivesse ao seu redor.

Quando Riquelme estava em campo, normalmente existiam 2 jogos: um envolvendo os outros 21 jogadores, que corriam de um lado para o outro em busca do resultado; e um jogo só para ele, um mundinho em que controlava a bola como se fosse uma extensão de seus pés, a penteava, dominava e segurava sem deixar com que a tocassem, como um menino que acabou de ganhar um brinquedo novo e não quer dividir com ninguém. E quando decidia entrar no outro jogo, o jogo dos “normais”, se tornava senhor dele também. Os clubes brasileiros aprenderam isso da pior maneira.

Talvez esse desprendimento com relação à opinião de companheiros, comandantes, jornalistas e torcedores tenha tornado Riquelme o ídolo que foi, mas também pode tê-lo impedido de se tornar algo ainda maior.

Não conseguiu o destaque esperado no Barcelona, falhou na missão de conquistar títulos pela seleção argentina, chegou a não disputar a Copa de 2010 por conta do mau relacionamento com o então técnico Diego Maradona.

Dentro de campo Riquelme nunca fez questão de demonstrar simpatia em suas feições. Pelo contrário, parecia estar sempre cansado, com os olhos caídos, as mãos apoiadas na cintura, a cabeça baixa, como se só estivesse ali por obrigação, um funcionário que chega na empresa só para bater o cartão.

Deixava que seu futebol falasse, esse sim com eloquência suficiente para permitir que qualquer espectador entendesse que não estava vendo algo comum. Dificilmente sorria, mas mostrava em campo uma arte que provocava o sorriso fácil em todos os que amam o esporte.

Riquelme se despediu neste ano dos palcos por onde sempre andou sem se preocupar com a reação alheia. E merece os aplausos de todos os amantes da bola, mesmo que não ligue para eles.

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Jornalista, 23 anos. Amante do futebol bonito e praticante do futebol feio