Sempre que se fala de clássicos, listas são elaboradas e discussões tomam conta das redes sociais e dos botequins. Se já é difícil definir qual o maior clássico do futebol brasileiro, imagine então chegar a um consenso de quais os maiores do cenário mundial.
Alguns deles são quase unânimes. Impossível não pensar no confronto entre River Plate e Boca Juniors, Celtic e Rangers, Olympiacos e Panathinaikos, Galatasaray e Fenerbahçe e, claro, o grande clássico da Sérvia, o embate entre Partizan e Estrela Vermelha.
O Eternal Derby, como o confronto é conhecido, é cercado de rivalidade. O clássico extrapola os campos e passa por toda a história da ex-república iugoslava e dos conflitos étnicos existentes na região.
Desde 1945, vermelhos e alvinegros fizeram jogos tensos. No último sábado (25), o Derby comemorou a partida de número 148. Muitos jogos e uma rica história para ser explorada. Os confrontos, muitas vezes sangrentos, entre a Delije (principal torcida organizada do Estrela Vermelha) e a Grobari (maior torcida organizada do Partizan).
O clássico 84
No dia 03 de maio de 1989, o Derby de número 84 foi disputado no lendário estádio Marakana. O jogo era válido pela 10° rodada do returno da Liga Iugoslava, composta por 18 times. O atual campeão Estrela Vermelha jogava em seu estádio e perseguia a zebra Vojvodina, que fazia ótima campanha e, posteriormente, se sagraria campeão pela segunda vez do campeonato.
Já o Partizan vinha tranquilo em uma posição intermediária. Folgado e com foco na Copa da Iugoslávia, que mais tarde venceria, o time alvinegro ostentava uma vitória no primeiro turno sobre os eternos rivais: 1 a 0 no estádio JNA.
As duas equipes possuíam bons times, mas o Estrela Vermelha detinha uma hegemonia à época. Além de defender o título da temporada 1987/88, o time era a base que anos mais tarde conquistou a Europa e ostentou um tricampeonato Iugoslavo. O Partizan, menos poderoso naquele momento, ainda sentia o gosto do campeonato de 1986/87.
De um lado, a lenda iugoslava Dragan Stojković era o camisa 10 e craque da equipe. No auge dos seus 23 anos, comandava as ações ofensivas do Estrela Vermelha. Ao seu lado, a principal promessa do futebol local, Robert Prosinecki, de apenas 20 anos e embalado por ser escolhido o melhor jogador do Mundial Sub-20 de 1987 (conquistado pela Iugoslávia). Mais à frente Vladan Lukic, com 19 anos, que também era esperança de gols e jogadas bonitas.
Do outro lado, o mítico kosovar Vadil Vokri tentava organizar o time do Partizan no auge da sua forma, aos 28 anos. Sladan Scepovic, camisa 9, era o centroavante encarregado de marcar os gols da equipe, então com 23 anos.
Duas equipes jovens e muito técnicas, o que ficou muito visível durante o jogo. Em um Marakana cheio, mas não lotado, a torcida alojada no lado esquerdo era a maioria. A Delije fazia uma festa bonita, porém, do lado sul a Grobari não deixava barato e lotava o seu espaço. Duelo à parte de fogos e sinalizadores. Festa completa.
Torcida esta que seria protagonista do confronto. Um encontro sempre mágico com show de pirotecnia e muito barulho. Torcidas espetaculares que permitiam um dos maiores espetáculos do esporte.
Em campo, Prosinecki logo mostrou o cartão de visitas dos donos da casa. Aos cinco minutos, fez grande jogada pelo lado esquerdo e, na sua melhor característica, limpou pra dentro e soltou uma bomba de perna direita.
O 1 a 0 não tranquilizou o Estrela Vermelha. Mais ofensivo, seguiu criando chances, principalmente com a dupla Stojkovic-Prosinecki. Todavia, em um cruzamento de Nebojša Vučićević, Scepovic em um bonito peixinho deslocou o goleiro rival e cravou o empate no placar. O gol aos 23 minutos esfriou os ânimos dos donos da casa.
Após a volta do intervalo, a cena que marcou o clássico. Com o show de pirotecnia da torcida do Partizan, a partida passou a ser disputada em meio a uma fumaça que causou cegueira total nos jogadores. Quase a repetição de um jogo no Alfredo Jaconi durante partidas do Juventude.
Porém, o feitiço virou contra o feiticeiro. A partida foi interrompida durante alguns minutos antes da cobrança de um escanteio. Quando o árbitro permitiu a cobrança do corner, a fumaça proveniente da torcida do Partizan atrapalhou o goleiro Fahrudin Omerović e toda a zaga. Resultado? Gol de cabeça do zagueiro do Goran Juric.
A festa mudou de lado e o show também. Muitos sinalizadores vindos do lado da Delije. Mais uma vez demora em retomar a partida.
A festa continuou após o gol, aos 15 minutos, com Vlada Stošić em mais uma bela jogada coletiva do Estrela vermelha. Time muito forte tecnicamente e que mereceu ganhar o jogo. Porém, coincidência ou não, o gol providencial para a vitória saiu após o show pirotécnico da torcida do Partizan. De forma inconsciente, os próprios fanáticos acabaram prejudicando a equipe.
Mais uma das belas histórias de um dos maiores clássicos do mundo. A eternidade de um derby que nunca acaba. Nem mesmo fora de campo.
Estrela Vermelha: Branko Davidović, Goran Jurić, Žarko Đurović, Slobodan Marović, Slavko Radovanović; Boško Đurovski, Robert Prosinečki, Vlada Stošić, Miloš Bursać; Dragan Stojković, Vladan Lukić
Técnico: Branko Stanković
Partizan: Fahrudin Omerović, Petric, Predrag Spasić, Vladimir Vermezović, Bajro Župić; Dragoljub Brnović, Aleksandar Đorđević, Goran Milojević, Slađan Šćepović; Fadil Vokri, Nebojša Vučićević
Técnico: Dragoljub Brnović
Estádio: Marakana
Público: 50 mil pessoas
Dia: 03-05-1989, décima rodada do returno do Campeonato Iugoslavo 1988/89