“Treino é jogo, jogo é guerra.” As faixas e os gritos que carregam esses dizeres, em geral às vésperas de partidas decisivas ou clássicos, são formas encontradas pelos torcedores de incentivar seus respectivos times e exigir deles grande comprometimento em campo. No fundo, elas são apenas frases de efeito, pois não há um conflito armado propriamente dito. Tal discurso, porém, ganha contornos literais quando se fala de Harry Goslin.
Zagueiro de alta estatura e dotado de liderança natural, Goslin foi contratado pelo Bolton Wanderers junto ao Boots Athletic de Nottingham em 1930, em transação hoje estimada em 25 libras. Algo em torno de R$ 100, portanto. Outros tempos, é claro, quando ainda era difícil viver só do futebol. O investimento do clube da Grande Manchester valeu a pena, pois o jogador fez 306 aparições e marcou 23 gols, tornando-se ídolo local.
Infelizmente, as pedras acabariam surgindo no meio do caminho de Goslin, cuja carreira estava em alta no dia 15 de março de 1939, quando Adolfo Hitler ordenou a invasão da Tchecoslováquia pela Alemanha.
Como a Segunda Guerra Mundial parecia inevitável, o zagueiro do Bolton anunciou diante de 23 mil torcedores, no antigo Burnden Park, que se alistaria no exército britânico para combater o nazismo.
Não apenas ele como todos seus companheiros de equipe tomaram a mesma decisão, motivo pelo qual ficaram conhecidos como Wartime Wanderers. Depois que o Reino Unido declarou guerra oficialmente aos alemães, em setembro, o governo de George VI ainda permitiu a realização de amistosos e ligas regionais. Então, os jogadores, que serviam na Artilharia de Bolton, puderam calçar as chuteiras algumas vezes mais durante esses anos sombrios.
Em maio de 1940, as tropas de Hitler chegaram a Dunquerque, cidade costeira ao norte da França, e encurralaram combatentes britânicos, franceses e belgas. Estima-se que mais de 300 mil soldados Aliados tenham sido resgatados com vida do campo de batalha. Os Wartime Wanderers estavam entre eles. Ademais, atribui-se a Goslin a destruição de quatro tanques inimigos nessa zona, façanha que o alçou ao patamar de tenente.
Em dezembro de 1943, foram travados bárbaros conflitos durante a conquista da Itália pelos Aliados, que pôs em sério risco a vida de alguns jogadores do Bolton. Mas o único que nunca saiu de lá foi justamente o antigo capitão do time, o tentente Goslin.
Gravemente ferido nas costas, ele foi convocado para a seleção dos céus poucos dias depois, aos 34 anos. Seus restos mortais descansam na província de Chieti, em Abruzos, na região central da Itália.
Herói, o zagueiro foi agraciado postumamente com uma condecoração militar e um minuto de silêncio no Burnden Park. Sua história inspirou o livro Wartime Wanderers: A Football Team at War (1996), de Timothy Purcelle e Mike Gething e há também um projeto de filme homônimo em desenvolvimento, com produção de David Evans.