Funcionando como um espelho da vida, o futebol é capaz de oferecer uma espécie de montanha russa de emoções, chegando às vezes ao extremo das tragédias. Que o digam os torcedores do Torino, clube que sofreu pelo luto de ao menos duas grandes fatalidades durante sua história.
A mais lembrada é a de 1949, quando o avião que transportava o elenco do lendário esquadrão grená bateu no muro da basílica de Superga, sem deixar sobreviventes e mudando a história do clube. Mas ainda haveria outra tragédia destinada para a agremiação de Turim. E também com grande impacto, embora dessa vez houvesse apenas uma vítima. Mas não era qualquer um.
Luigi Meroni nasceu em Como, bela cidade do norte da Itália, em 1943. Perdeu o pai com apenas dois anos, sendo criado apenas pela mãe juntamente com seus dois irmãos. Meroni cresceu em uma época em que a Itália, um país ainda bastante apegado às tradições, tinha de sobreviver a certos aspectos conservadores do regime fascista, que caíra oficialmente havia pouco tempo.
Mas o garoto não tinha muito interesse em manter essas tradições. Trabalhava para ajudar a sustentar a família, mas também encontrava tempo para se dedicar às suas paixões: as artes e o futebol. Depois de alguns anos jogando em um campinho no conservatório local, teve sua primeira chance como profissional no Como, aos 18 anos.
A torcida do clube ficou receosa quando viu pela primeira vez aquele jovem baixinho, com cabelos longos e barba por fazer. Meroni também possuía o hábito de jogar sempre com os meiões abaixados, uma espécie de homenagem ao seu ídolo Omar Sivori, craque histórico da Juventus.
O estilo chamava a atenção, mas o futebol jogado atraía ainda mais. Atuando aberto, “Gigi” mostrava grande habilidade e inteligência para criar jogadas. Apenas duas temporadas pelo clube de sua cidade natal já foram suficientes para despertar o interesse de uma equipe maior, o Genoa, que disputava a Série A.
O sucesso no clube azul e vermelho também foi rápido. Meroni logo despontou como um dos destaques do time, mostrando personalidade incomum para alguém que tinha acabado de completar 20 anos. Mas na última partida da temporada 1962-63, um fato alterou sua trajetória. O meia recusou-se a comparecer ao exame antidoping. Outros três atletas do Genoa foram pegos no exame por uso de anfetaminas.
A federação italiana resolveu punir Meroni com a perda dos cinco primeiros jogos da temporada seguinte por conta do episódio. O desgaste com a diretoria na ocasião fez com que o jogador fosse negociado com o Torino ao fim da temporada, apesar dos protestos dos fãs que reconheciam sua qualidade em campo.
Mas os melhores anos da carreira do atleta ainda estavam por vir, justamente com a camisa do clube de Turim. Meroni estava pronto para mostrar que não era apenas um bad boy, embora ainda tivesse alguns conceitos intactos. Em 1964, foi desconvocado da seleção italiana porque se recusou a cortar o cabelo.
De qualquer modo, as convocações para a Azzurra acabariam vindo inevitavelmente. A essa altura, Meroni já era um dos destaques do país, ao lado de Riva e Rivera. Devido ao seu estilo de jogo leve e driblador, ganhou o apelido de “Farfalla granata” (Borboleta Grená). Com a ascensão do movimento hippie e da contracultura, seu visual e a paixão pelas artes também lhe renderam a alcunha de “Beatnik do gol”.
A torcida do Torino havia abraçado completamente o ídolo. Em um amistoso da seleção italiana na cidade, os espectadores chegaram a vaiar o titular Sandro Mazzola, pedindo a entrada de Meroni. Ele eventualmente se tornaria titular da seleção, e depois acabou virando uma espécie de bode expiatório na eliminação precoce da Itália na Copa de 66, após derrota surpreendente para a Coreia do Norte.
A imprensa italiana criticou a postura do atleta durante o Mundial, mas no retorno ao Torino ele mostrou que não havia desaprendido a jogar. E naquela temporada teve uma das atuações mais marcantes de sua carreira, na partida contra a Internazionale. Os nerazzurri estavam invictos há 3 anos em seus domínios, mas um golaço de Meroni derrubou o muro da Inter.
O céu parecia o limite, até a triste noite do dia 15 de outubro de 1967. Meroni andava pela rua com o amigo e colega de time Fabrizio Poletti, retornando para casa depois da partida que havia acabado pouco antes, em que havia sido expulso na vitória por 4×2. Ao atravessar a rua, ambos foram atingidos por um Fiat 124 Coupé.
Poletti teve algumas lesões com o impacto, mas nada perto do que viu acontecer com seu amigo. O impacto fez com que Gigi fosse arremessado para o outro lado da pista, em uma velocidade alta demais para que os outros carros parassem a tempo de evitar o choque. Foi levado ao hospital, mas não resistiu. A torcida grená, que mal havia se recuperado de uma tragédia, chorava por outra.
Em uma dessas ironias da vida, seria revelado que o motorista que atropelou Meroni era Attilio Romero, torcedor fanático do Torino, que se entregou à polícia no mesmo dia e não chegou a ser indiciado. Décadas depois, tornaria-se presidente do clube, apesar dos protestos dos torcedores. Mesmo tantos anos depois, a torcida grená ainda se perguntava se a história do clube não seria diferente se Meroni tivesse sobrevivido. Mas a ousadia dentro e fora de campo já haviam eternizado o franzino cabeludo de Como.