Luxemburgo não é uma nação muito reconhecida pelo seu futebol. Mesmo sendo afiliados da FIFA desde 1910, o pequeno país encrostado entre Bélgica, Alemanha e França sempre teve pouco (para não dizer nenhum) sucesso no mundo da bola. Mas por um breve período, no início dos anos 1960, os luxemburgueses montaram um time que poderia ter mudado essa história, quando ficaram muito perto de uma vaga para a Euro de 1964.
Para explicar a saga do grão-ducado, vale frisar um pouco do contexto histórico. Naquela época, o continente europeu vivia em uma configuração diferente da dos dias atuais, com menos países reconhecidos, já que potências como a Iugoslávia, a União Soviética e a Tchecoslováquia, por exemplo, ainda não tinham se dissolvido.
Além disso, havia a questão da Guerra Fria. Luxemburgo foi um dos seis países fundadores da Comunidade Europeia e se posicionou claramente em prol do lado ocidental do muro de Berlim, fazendo parte do acordo da OTAN em 1949. Entretanto, a nação sempre foi vista como uma espécie de peixe pequeno, servindo mais para acordo de mediação do que qualquer outra coisa. E no futebol não era diferente disso.
O máximo que havia se visto até a década de 1960 eram participações nos Jogos Olímpicos, que passaram longe de causar boa impressão. Disputando todas as edições do torneio de futebol entre 1920 e 1952, Luxemburgo venceu apenas dois encontros no total. Alguns personagens, no entanto, fariam essa história sofrer mudanças.
O primeiro deles é curioso: Henri Klein, um veterano que já celebrara 43 aniversários quando a campanha nas Eliminatórias da Euro de 1964 teve início. Klein era um francês que disputou a Olimpíada de 1948 pela França, e sua modalidade não era nem mesmo o futebol, e sim o atletismo. Ele correu a prova dos 1500 metros nos Jogos de Londres.
O companheiro de Klein no ataque era, de certa forma, seu oposto. Considerado um prodígio no futebol do país, Camille Dimmer emigrou cedo para a vizinha Bélgica, onde se profissionalizou pelo Anderlecht. Dimmer era tão popular no país que, inclusive, tornou-se um importante líder político alguns decênios mais tarde.
O terceiro ponto-chave do elenco vinha mais de trás, no meio de campo. Cérebro do time, Louis Pilot era quem ditava o ritmo de jogo no esquema do técnico alemão Robert Heinz. Não marcava muios gols, mas abria espaços de maneira inteligente para colocar sempre os companheiros em boas condições. Por essas e outras foi eleito o maior jogador da história de Luxemburgo em 2004.
A campanha do selecionado nas Eliminatórias para a Euro de 1964 já arrancou com uma boa dose de sorte. Os luxemburgueses foram premiados com um “passe livre” na fase preliminar graças ao sorteio, e puderam descansar aguardando seu adversário nas quartas de final. O rival era alguém bem conhecido: ninguém menos que a vizinha Holanda.
Naquele momento, a Holanda ainda não era a grande força futebolística que viria a ser na década seguinte, mas era amplamente favorita na disputa contra seu “primo menor”. Até mesmo para a imprensa de Luxemburgo, a única chance de vitória era algum milagre de proporções bíblicas. Um Davi e Golias, talvez.
O primeiro embate aconteceu em 1963, em Amsterdã. Jogando em território inimigo, Luxemburgo sabia que não podia se expor muito e tinha como missão segurar o máximo possível o 0x0. Só que logo aos cinco minuto, a Holanda abriu o placar, com gol de Klaas Nuninga. Contra todos os prognósticos, o time que não havia feito uma partida oficial em dois anos conseguiu o empate, pelos pés de Paul May.
Empolgados pelo resultado, os luxemburgueses resolveram adotar uma tática óbvia, porém pouco usual para a seleção: treinar o time. A maior parte dos jogadores tinha outro cargo em meio período, o que impedia uma rotina mais profissional. Para manter vivas as chances de classificação, a federação elaborou um acordo para contar com eles para a preparação para o jogo de volta, que seria disputado um mês e meio depois.
A euforia tomou conta mas ainda existia uma desvantagem: o país não tinha um campo em condições de sediar a partida. Como resultado disso, acabou mandando o segundo confronto em Roterdã, em pleno território rival. Não que isso tenha feito muita diferença, pois Dimmer marcou dois gols e garantiu a vitória histórica por 2×1.
O sonho da Euro estava perto. Restavam apenas oito times lutando pelas quatro vagas na fase final do certame, e Luxemburgo estava surpreendentemente entre eles. O adversário era a Dinamarca, longe de ser uma presa fácil, e os confrontos seriam em dezembro de 1963. Dessa vez o Estádio Municipal de Luxemburgo estava pronto para receber seus possíveis heróis no duelo de ida.
Os donos da casa começaram mostrando a que vieram. No primeiro minuto, o craque Louis Pilot abriu o placar, para festa de quase 7 mil pessoas presentes no estádio (cerca de 5% da população do país na época). Aos 23, foi a vez do veterano Klein balançar as redes, colocando o 2×0 no placar. Parecia que tudo seria uma grande festa.
Porém, a Dinamarca tinha um centroavante letal, chamado Ole Madsen. Não era alto – apenas 1,70; por outro lado, sua enorme velocidade atormentava as defesas adversárias. Luxemburgo sentiu isso na pele. Madsen marcou dois gols antes do intervalo para deixar tudo igual. No começo da segunda etapa, virou o placar para 3×2. Klein empatou a partida novamente, mas a boa vantagem luxemburguesa já tinha ido para o espaço.
Na volta, em Copenhagen, a zebra tentou atacar novamente. Abriu o marcador com Léonard aos 13 minutos, mas acabou tomando a virada com gols de quem? Isso mesmo, Ole Madsen. O dinamarquês colocou sua seleção à frente do marcador, e o 2×1 permaneceu no placar até os 40 do segundo tempo, quando Luxemburgo arrancou mais um empate, com Schmit.
Com as duas igualdades, a vaga na fase final da Euro precisou ser decidida em um jogo extra. O campo neutro escolhido foi o Estádio Olímpico de Amsterdã, já bastante conhecido pelos luxemburgueses. Só que não existia vantagem de campo suficiente para parar Ole Madsen. Ele marcou seu sexto gol em três jogos, o 11º na campanha das eliminatórias, e deu a vitória e a vaga para a Dinamarca.
Acabava ali o sonho de Luxemburgo. Por conta da falta de investimento em futebol profissional, o país não voltaria nunca mais a chegar tão perto de uma vaga, e o aumento de concorrência no continente também prejudicou bastante as pretensões. A seleção chegou a perder 29 seguidos entre 2003 e 2006. No bonde da história, algumas oportunidades parecem só passar uma vez.