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Tenho aversão a táticas e estratégias. Que entrem em campo e façam um jogo bonito. E limpo. Isso deve bastar. Foquem no ataque, e não na marcação. Bola no chão, afinal, se Deus quisesse que jogássemos futebol nas nuvens, teria colocado grama sobre elas. Os resultados são efeitos. Nunca a causa. Joguem, rapazes, e deixem que eu lido com o resto.

Limpo? Está louco? Quero ver sangue em campo. O que importa são os títulos e resultados. Está perdendo? Cruze para a área. Está empatando? Cruze para a área. Está vencendo? Recue, e cruze para a área assim que possível.

Brian Clough e Don Revie protagonizaram, ao longo da década de 70, a provável maior rivalidade entre técnicos já vista no mundo da bola. Iniciada por fatores que simplesmente não vêm ao caso, tomou forma pelo inevitável contraste entre duas maneiras distintas de se enxergar o jogo.

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Michael Sheen, como Brian Clough, e Colm Meaney, como Don Revie, respectivamente (Divulgação)

Clough era partidário de um futebol romântico, típico de tempos mais antigos, no qual o técnico se preocupava muito mais em desenvolver e motivar seus jogadores do que com aspectos táticos. Com as pranchetas de lado, priorizava treinos técnicos, se preocupando em passar conhecimentos para os atletas.

Fora das quatro linhas, era um verdadeiro popstar. Soltava o verbo em qualquer ocasião com frases marcantes. Certamente, a grande inspiração de José Mourinho, ao menos no início da carreira.

Revie talvez tenha sido o predecessor de Alex Ferguson. À frente do Leeds, construiu uma dinastia. Fundou ainda uma verdadeira família, com atletas leais até o último fio de cabelo a ele e às suas convicções. Pela torcida, é idolatrado até hoje.

Exigia um alto compromisso tático do time, que em campo, fazia de tudo para sair com a vitória. Incluindo chuveirinhos e retrancas, além de simulações e faltas violentas, em casos mais extremos.

Em 2009, o premiado diretor Tom Hooper dirigiu a adaptação às telonas do best seller britânico “The Damned Utd”, de David Peace. O livro aborda os 44 dias entre a contratação e a demissão de Clough no Leeds United, em substituição a ninguém menos que Revie, alternando entre flashbacks do cargo anterior do técnico, no Derby County. Segundo palavras do próprio autor, trata-se de “uma ficção baseada em fatos reais”.

“Maldito Futebol Clube” (The Damned United, 2009), o filme, faz poucas mudanças em relação ao texto original, mas consegue ser bem sucedido. Com ressalvas à ligeira demonização a Revie no final, ainda que seja abordado o ponto de vista de Clough, e ao clima de high school americano na recepção dos jogadores do Leeds ao novo técnico, a obra é uma das mais cuidadosas entre as relacionadas ao mundo do futebol.

O trabalho artístico é excelente. As representações de Michael Sheen, Timothy Spall e Colm Meaney se aproximam muito de Clough, Peter Taylor (notório auxiliar de Brian) e Revie. Os uniformes, os cenários e o figurino no geral simulam a época com perfeição. A obra também evita os clichês comuns aos filmes do gênero, com relações um tanto mais realistas entre comissão técnica, diretoria e elenco.

Principalmente porque seu público não é o comum. É o que admira e acompanha o esporte. Hooper deixa de lado qualquer didatismo para atingir outros mercados – em especial, o estadunidense. Cria um clima de rivalidade entre os dois técnicos sem que Revie tenha muito mais tempo de tela que Sam Longson (presidente do Derby, vivido por Kim Broadbent), por exemplo.

O filme retrata a obsessão de Clough a ponto de aceitar ir para o time que tanto odiava, a fim de provar suas convicções, no futebol e na vida pessoal. Diferencia-se, assim, de filmes como “Frost/Nixon” ou “Rush”, por exemplo. Mas não omite que, distante de toda a diferença entre as visões sobre futebol, Clough um dia admirou Revie. Realidade ou ficção? Não faz diferença.

A outra narrativa, de igual importância, está na relação fraterna entre Clough e Taylor. A dupla se complementou durante os anos de Derby County e Nottingham Forest, conquistando tudo o que podiam com equipes medianas, tirando-as de divisões inferiores e as levando ao topo. Unia a intensidade e paixão do técnico principal com a experiência e visão do auxiliar.

Não por acaso, a teoria principal da obra é de que Clough não obteve sucesso no Leeds não por conta de sua filosofia, ou da aversão a Revie, mas, principalmente, por não contar com Taylor, com quem estava rompido.

“Maldito Futebol Clube” ainda traz às telas conceitos que provavelmente nunca mais veremos no futebol. O dinheiro impera, e é impensável que Derby, ou até mesmo o Leeds, ressurjam para a Premier League sem que um caminhão de dinheiro de algum investidor estrangeiro os oriente.

É inimaginável, também, que um técnico, ao lado de seu auxiliar, bata na porta de um jogador apalavrado com outro clube e saia de lá com um contrato assinado com o seu. Sem a autorização do presidente.

São esses e muitos outros detalhes que enriquecem o filme de Hooper. O tom saudosista ao futebol das décadas de 60 e 70 é reverenciado pelo diretor. E também pelo Alambrado, que recomenda a obra.

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