14 de maio de 1995. Há exatos 20 anos a Inglaterra parava para acompanhar o desfecho de uma das edições mais movimentadas da história da liga local. Um campeonato marcado por surpresas dentro e fora de campo, quebra de recordes, zebras, além da confirmação do retorno tardio de um dos clubes mais tradicionais do país ao topo das manchetes.
Em 1994-1995 a Premier League ainda engatinhava em seus novos moldes, transformando-se em um espetáculo cada vez mais televisivo e globalizado, mas alguns fatos marcantes daquela temporada serviram para estabelecer certos padrões que se mantém até hoje.
O marco inicial da era dos milionários
Hoje em dia é algo comum assistir, durante uma partida do Campeonato Inglês, as câmeras se voltarem para as tribunas dos estádios, revelando as reações de magnatas proprietários dos clubes. Roman Abramovich, do Chelsea, e o Sheik Mansour, do Manchester City, são apenas alguns dos expoentes de uma longa lista de empresários que resolveram brincar de Football Manager na vida real.
No início da década de 90, no entanto, era incomum a figura do “dono do time”. Foi com Jack Walker, milionário que construiu um império na indústria de aço, que esse panorama começou a mudar.
Walker era apaixonado pelo time de sua cidade, o Blackburn Rovers, e já nos anos 80 desempenhava um papel importante, financiando contratações e dando um generoso aporte financeiro no processo de reforma do Ewood Park, estádio do clube. Em 1991, assumiu o controle do Blackburn e resolveu transformá-lo em uma potência local.
Velho time, novo rico
O Blackburn é uma das agremiações mais antigas do mundo, sendo fundado em 1875. Conquistou sucesso durante a era amadora do futebol, com direito a dois títulos ingleses, mas a partir da profissionalização entrou em declínio, chegando a frequentar a terceira divisão do futebol inglês. Quando Walker tornou-se o proprietário, o time se encontrava na segunda divisão.
Mas tudo começou a mudar com a chegada de Kenny Dalglish para o cargo de treinador. Ídolo do Liverpool, Dalglish teve todo o apoio do chefe endinheirado para montar um time competitivo, que conquistou o acesso à divisão principal. Sem perder o ritmo, o Blackburn anunciou uma contratação bombástica no verão de 1992: o artilheiro Shearer, vindo do Southampton por 3,5 milhões de libras, valor recorde à época.
Na primeira temporada na Premier League, o time conseguiu um honroso quarto lugar, e na temporada seguinte chegou ao segundo posto, ficando atrás apenas do Manchester United de Ferguson.
Para dar o passo adiante, mais um recorde em transferências, dessa vez com a chegada do atacante Chris Sutton junto ao Norwich, por 5 milhões de libras. E o investimento deu resultado. A dupla de ataque mostrou uma química impressionante logo em seu primeiro ano de existência, com Shearer marcando 34 gols (artilheiro do campeonato) e Sutton anotando mais 15. Juntavam-se a eles outros bons valores, como os defensores Stuart Pearce e Henning Berg, além do meia Tim Sherwood.
A disputa com o United foi ferrenha, e na última rodada o Blackburn chegava com uma vantagem de apenas dois pontos para duelar contra o Liverpool no Anfield Road. O time de Manchester precisava torcer para que seu rival vermelho vencesse, além de fazer a sua parte ganhando do West Ham, em Londres.
Só um dos elementos da equação funcionou. O Rovers chegou a abrir o placar contra o Liverpool, com gol de Shearer, mas tomou a virada com Barnes e Redknapp. Mas os Red Devils não saíram do empate contra o West Ham, apesar de muita pressão. Festa no condado de Lancashire: o Blackburn era campeão inglês, após um jejum de 81 anos.
Páginas esportivas e policiais
Se dentro de campo a disputa já reservava fortes emoções, fora dele a agitação era ainda maior. A temporada de 1994-95 fez a festa dos tabloides sensacionalistas ingleses, que tiveram pautas polêmicas de todos os tipos para noticiar.
O mais memorável, com certeza, foi o caso do francês Cantona, do Manchester United. Foi naquele campeonato, em um duelo contra o Crystal Palace, que o atacante aplicou uma singela voadora em um torcedor do adversário, depois de ter sido insultado ao sair de campo, expulso pelo árbitro.
O próprio Cantona considera esse como o momento mais marcante de sua carreira. “Este tipo de gente não tem nada o que fazer em um jogo. Acredito que é um sonho para alguns dar um chute neste tipo de gente. Assim, eu fiz por eles, para que ficassem felizes. E eles falam até hoje sobre isso. Eu já vi muitos jogadores marcando gols e todos eles sabem a sensação. Mas esta, de pular e chutar um hooligan, não é algo que você encontra todos os dias.”, explicou, em entrevista recente à BBC.
Como punição à conduta violenta, o jogador foi banido dos gramados por oito meses, além de ter sido sentenciado a uma multa de 20 mil libras e 14 dias na prisão, que depois seriam transformados em 120 horas de serviço comunitário.
Ele não foi o único a ter problemas com a justiça. Dennis Wise, meia do Chelsea, foi condenado a três meses na cadeia após brigar com um taxista em Londres. A sentença foi revogada, mas o fato abalou o restante da temporada do atleta.
O Arsenal também sofreu com as manchetes negativas. Paul Merson, um dos maiores ídolos do time naquela época, admitiu em novembro de 1994 seus problemas com o alcoolismo, a cocaína e as apostas. Por conta dos vícios, passou três meses em uma clínica de reabilitação, para só então retomar a carreira.
O técnico dos Gunners, George Graham, foi banido do futebol por um ano após ser descoberto em um esquema ilegal de venda de jogadores. Ele havia recebido 425 mil libras de um agente norueguês por conta das negociações envolvendo o zagueiro Pal Lydersen e o meia John Jensen.
Tudo para deixar uma retrospectiva daquela temporada ainda mais recheada, ajudando os torcedores do Blackburn a lembrar que conquistaram o título em uma das edições mais malucas da Premier League.