Os jogos de pré-temporada na Argentina, de amistosos, só costumam ter o nome. Você, leitor, deve ter notado a permanente tensão nos clássicos entre Boca Juniors e River Plate disputados em janeiro, e, mais recentemente, no confronto realizado domingo passado (31) pelos arquirrivais Gimnasia y Esgrima e Estudiantes.
Com a vitória “pincharrata” por 1 a 0 em Mar del Plata, o volante Antonio Medina carregava a bola ofensivamente a partir do meio-campo já nos acréscimos do segundo tempo quando foi interpelado de maneira descomedida pelo jovem Santiago Ascacibar, de 18 anos, que o acertou por trás com um carrinho cinematográfico.
A jogada violenta resultou na expulsão do volante do Estudiantes e desencadeou uma batalha campal. Os empurrões, socos e pontapés duraram quase três minutos até serem contidos, com destaque para a performance individual do goleiro Mariano Andujar, que depois acabou no chão e foi chutado por jogadores do Gimnasia.
Posteriormente, a Agência de Prevenção da Violência no Esporte (Aprevide) suspenseu 15 envolvidos na confusão, sendo 10 deles jogadores do Gimnasia (Roberto Brum, Álvaro Fernández, Fabián Rinaudo, Antonio Medina, Federico Rasic, Maximiliano Coronel, Javier Mendoza, Matías García, Maximiliano Meza e Nicolás Mazzola). Do lado pincharrata, foram punidos dois atletas (Mariano Andújar e Álvaro Pereira), o preparador físico, o ajudante de campo e um empregado de segurança.
Apesar do grande número de sancionados, o ocorrido está longe de ser novidade na Argentina. Em 2011, por exemplo, o árbitro Damián Rubio estabeleceu um recorde que dificilmente será batido ao distribuir 36 cartões na vitória do Claypole sobre o Victoriano Arenas por 2 a 0, em jogo válido pela quinta divisão do país.
Foram expulsos todos os 11 titulares de cada equipe, além dos sete reservas, após uma briga generalizada em campo, na região metropolitana de Buenos Aires.
No Brasil, jogos marcados por cenas lamentáveis também não são raridades. Em outras épocas, o Alambrado contou sobre o dia em que o tempestuoso Almir Pernambuquinho estragou a festa do Bangu na final do Campeonato Carioca de 1966.
Agora, com o perdão da delonga, rememoramos os incidentes de um jogo entre Portuguesa e Botafogo de 1954. No dia 20 de junho do ano em questão, o time paulista, comandado pelo técnico Abel Picabéa, entrou no gramado do Pacaembu para enfrentar a equipe orientada por Gentil Cardoso, em partida válida pelo Torneio Rio-São Paulo.
Àquela altura, ambas as agremiações faziam campanhas irregulares e buscavam reabilitação, embora o sonho do título estivesse distante.
Diante deste cenário, a Lusa conseguiu inaugurar o marcador aos 16 minutos do primeiro tempo, com tento de Osvaldinho, mas a Estrela Solitária empatou o duelo logo depois com Dino da Costa.
Ainda antes do intervalo, os anfitriões voltaram a liderar o placar graças a Edmur, que na etapa final marcou outro gol para decretar a vitória rubro-verde.
Aos 31 minutos, houve uma confusão entre Thomé, do Botafogo, e Ortega, da Portuguesa. A confusão virou briga, e a briga virou história. O juiz da partida, Carlos de Oliveira Monteiro, conhecido como “Tijolo”, mandou 22 atletas pro chuveiro. Foram expulsos os botafoguenses Pianowski, Tomé, Floriano, Ruarinho, Bob, Juvenal, Garrincha, Dino da Costa, Carlyle, Jaime e Vinícius; e os lusos Lindolfo, Nena, Valter, Herminio, Clóvis, Ceci, Dido, Renato, Nelsinho, Edmur e Ortega.
Na página 14 de sua edição do dia 22 de junho, o jornal O Estado de S. Paulo relatou o acontecimento da seguinte maneira.
“A Portuguesa de Esportes venceu o Botafogo, por 3 a 1, porém, ambos os quadros foram protagonistas de cenas deprimentes, no final do encontro.
Um dos mais deprimentes espetáculos de que se tem memória, em jogos esportivos, foi oferecido ao público, na manhã de anteontem, pelos jogadores da Portuguesa de Esportes e do Botafogo, pelo Torneio “Roberto Gomes Pedrosa”.
De um desentendimento entre Ortega e Tomé, aos 31 minutos da fase final, generalizou-se uma briga entre os vinte e dois jogadores que estavam no campo e até entre os reservas, fazendo que o árbitro tomasse a única deliberação compatível: a expulsão dos dois quadros e o encerramento da partida.
Dessa forma, o jogo terminou 14 minutos antes do tempo regulamentar, por falta de jogadores para dar prosseguimento à LUTA (grifo nosso). Realmente, não era possível outra decisão da parte do juiz, já que todos os profissionais haviam tomado parte no incidente.”
Já a Folha da Noite, em sua edição de 21 de junho, apresentou uma narrativa muito mais detalhada e épica, embora não esteja totalmente legível no acervo digital do periódico. Abaixo, transcrevemos parte do texto, com asteriscos representando as palavras apagadas, e as letras maiúsculas, grifos nossos.
“O SURURU de ontem cedo relatado pelos jogadores, juiz e os técnicos -Tijolo: “Puni no campo; o resto é com a Federação e os tribunais” – Gentil, a pomba da paz – Ruarinho: “Tudo começou depois do gol de Edmur”.
A renda de ontem cedo, no Pacaembu, atingiu a irrisória quantia de 44.000 cruzeiros. Mas teria sido muito maior, se a torcida soubesse que, além de futebol, haveria uma exibição em con* de virtudes pugilísticas, capoeira, * e luta livre. Exibição que durou mais ou menos dois minutos, * interrupção, e com 22 participantes.
A coisa aconteceu aos 30 minutos do segundo tempo. A Portuguesa vencia por 3 a 1, e o Botafogo era um quadro derrotado. Subitamente, o zagueiro central Tomé investiu sobre Edmur e deu-lhe SONORA BOFETADA na orelha. O estalo ecoou ao longe. Louco da vida, Edmur PULOU em cima do rival, * vários craques, dos dois lados, seguraram os GLADIADORES. Parecia o fim de TUDO. Não sabemos como e nem porquê, porém o “deixa disso” transformou-se em tremenda pancadaria, da qual tomaram parte, com diversos *, todos os jogadores e mais os reservas, que correram para o * .”
Não se tratou de nenhum clássico, tampouco de uma acirrada disputa pelo título regional, mas é provável que esse encontro tenha tido mais feridos do que certas guerras.