As inúmeras glórias de Otto

As inúmeras glórias de Otto

Saiba mais sobre a carreira e as conquistas da carreira de Otto Glória

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Glória foi o treinador brasileiro que obteve maior sucesso na Europa (Foto: Divulgação/FIFA)
Glória foi o treinador brasileiro que obteve maior sucesso na Europa (Foto: Divulgação/FIFA)

O futebol brasileiro vive um momento de autoanálise. Após uma reflexão forçada pelo vexame na última Copa do Mundo, muito se tem discutido sobre a defasagem dos treinadores brasileiros com relação aos europeus. Para minimizar esse possível atraso, alguns profissionais da área têm feito intercâmbios e estudado o que há de mais moderno em termos táticos no futebol do Velho Continente.

Mas já houve uma época em que um brasileiro foi expoente no mundo dos técnicos. Um tempo distante, mas não menos marcante por isso. Um período em que não era absurdo mandar um brasileiro atravessar o oceano para mostrar uma nova forma de praticar o esporte.

Esse brasileiro era Otaviano Martins Glória, ou simplesmente Otto Glória (1917-1986), como ficou conhecido e marcado no universo da bola. Um predestinado que parecia carregar o triunfo já no sobrenome.

Das quadras para os campos

Glória chegou a ser jogador de futebol e atuou por Vasco, Botafogo e Olaria, mas encerrou sua carreira de forma precoce, aos 25 anos. Daí partiu para o basquete, onde rapidamente virou treinador.

A experiência na beira das quadras serviu para que ele pudesse implantar vários conceitos do basquete no futebol. Coisas que hoje parecem obrigatórias, como marcação por zona, triangulações ofensivas, posse de bola, posicionamento para buscar os rebotes e uma percepção maior do senso coletivo.

Mas vale lembrar que na década de 40 o esporte ainda dava seus primeiros passos no profissionalismo, e não era tão comum ver estudiosos com o cargo de técnico, que na maioria das vezes era ocupado “apenas” por educadores físicos.

A pedido de Flávio Costa, que viria a ser o comandante da seleção brasileira na Copa de 1950, Glória assumiu o time juvenil do Vasco, e em 1948 tornou-se campeão carioca pelo Botafogo. A partir de então implantou as ideias que ajudariam a mudar o panorama do esporte.

Lenda em Portugal

O trabalho do treinador no Brasil chamou a atenção de Joaquim Ferreira Bogalho, presidente do Benfica. Foi assim que em 1954 Otto Glória desembarcou na capital portuguesa pra mudar a história dos Encarnados. E não apenas dentro de campo.

Com um estilo centralizador, Glória teve liberdade para fazer uma série de mudanças estruturais para transformar o clube em uma potência. Um dos maiores exemplos é a criação do Lar do Jogador, uma espécie de centro de treinamento onde os atletas ficavam hospedados e eram obrigados a seguir um regulamento estrito, que proibía passeios noturnos, jogatina e palavrões.

O treinador impôs regras que mudaram a rotina benfiquista (Foto: Divulgação/Benfica)
O treinador impôs regras que mudaram a rotina benfiquista (Foto: Divulgação/Benfica)

O técnico também agia como olheiro, buscando talentos em zonas periféricas do país e nas colônias africanas. Foi assim que descobriu Eusébio e Coluna, entre outros grandes astros do futebol português. A primeira passagem pelo Benfica, que durou até 1959, rendeu dois títulos do Campeonato Português e três Taças de Portugal. Retornaria em 1968, para completar sua galeria com um total de nove títulos nacionais.

Glória seria ainda o primeiro técnico a treinar os quatro grandes do país, após passar por Belenenses (onde conquistou a Taça de Portugal em 1960), Sporting e Porto. Nesse meio tempo, ainda comandou o Olympique de Marselha em 1962, liderando a equipe na campanha da volta à primeira divisão francesa.

Marco na seleção lusitana

Portugal nunca havia disputado uma Copa do Mundo até 1966. Para quebrar o tabu, a seleção se estruturou e acabou montando um esquadrão que surpreenderia a maior parte dos fãs do esporte, com um estilo de jogo extremamente ofensivo organizado por Otto Glória.

Contando com a genialidade de Eusébio, o talento de Coluna e a presença de outros bons valores, como Torres e Simões, a seleção lusitana passou por um grupo difícil na primeira fase do Mundial da Inglaterra, superando o forte time da Hungria e o Brasil, então atual bicampeão do mundo.

Nas quartas, um jogo épico contra a também surpreendente seleção norte-coreana. Após sofrer três gols nos primeiros 25 minutos, os portugueses reagiram e acabaram vencendo por 5×3. Só seriam parados pelos anfitriões ingleses na semifinal, e o terceiro lugar naquela edição acabou sendo a melhor colocação de Portugal em uma Copa do Mundo até hoje.

“Malandragem” no retorno ao Brasil

Glória voltou para a terra natal em 1971, para assumir o comando do Grêmio. Dois anos depois, retomaria seus laços com a terra de Camões ao treinar a Portuguesa de Desportos no título do Campeonato Paulista de 1973.

Glória em seu retorno ao Vasco (Foto: Divulgação/Arquivo de Memória de São Paulo)
Glória em seu retorno ao Vasco (Foto: Divulgação/Arquivo de Memória de São Paulo)

A conquista se deu, em grande parte, pela esperteza do treinador no jogo decisivo. Percebendo o erro do árbitro Armando Marques durante a contagem na disputa de pênaltis contra o Santos, Otto mandou seu time se retirar de campo, evitando que novas cobranças fossem feitas. Por conta disso, o troféu acabaria sendo dividido entre os dois times envolvidos na final.

Ele ainda treinaria o próprio Santos em 1977 e viajaria até o México no ano seguinte para comandar o Monterrey. Com passagem discreta pela América do Norte, retornou às origens em 1979 no Vasco da Gama, montando o time que acabaria com o vice-campeonato brasileiro daquele ano, contra o Internacional.

Foi nesse retorno ao país que Glória cunhou uma frase que resume bem a carreira de um treinador: “Quando o time ganha, o técnico é bestial. Quando perde, é uma besta”.

 

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