Jogo decisivo, estádio lotado, torcida pressionando. Com um chute certeiro, o jogador manda a bola pra rede e corre pra comemorar nos braços de seus torcedores. Na caminhada de volta para o círculo central, ainda eufórico, percebe o juiz, com pose autoritária e braço esticado, lhe mostrar o cartão amarelo.
Essa cena, mesmo que com algumas pequenas variações, tem sido vista com frequência nos gramados do Brasil.
Em um momento em que o futebol do país parece viver uma fase de “esterilização”, encaixotando-se cada vez em padrões de comportamento que vão no sentido oposto da natureza apaixonada do próprio esporte, este é mais um golpe na espontaneidade que torna o jogo tão passional.
Parece exagero, mas a tal ditadura das comemorações de gol é um fenômeno que merece atenção. Afinal de contas, quantas vezes já não se viu um carrinho criminoso deixar de ser punido pelo árbitro?
Mas para um atleta que decide a vitória para seu time e extravasa tirando a camisa, por exemplo, o cartão é sempre aplicado. Qual das infrações é mais grave?
Há poucos dias, Emerson Sheik, do Flamengo, foi uma das mais recentes vítimas desta cartilha imposta pelos comandantes do futebol. Ao marcar um gol contra o Santos, correu em direção à torcida flamenguista, que vibrou ainda mais por poder celebrar frente a frente com o autor do tento. Resultado? Cartão.
O episódio é bastante simbólico. Parece querer mostrar o quanto essas regras de comportamento são feitas exclusivamente para isolar cada vez mais os atletas dos torcedores, colocando uma barreira que só impede a melhoria do espetáculo.
Juízes de futebol recebem a orientação para coibir comemorações consideradas desrespeitosas ou que coloquem em risco as condições dos envolvidos na partida. Mas é difícil entender tanto protecionismo, e quais são os critérios para análise nestes casos.
Na década de 1990, por exemplo, os grandes times brasileiros contavam com vários astros irreverentes que comemoravam seus gols de maneira considerada polêmica. Viola talvez tenha sido o mais famoso deles.
Em 1993, na primeira partida da final do Paulistão entre Corinthians e Palmeiras, o centroavante marcou o gol da vitória corintiana e celebrou imitando um porco, apelido dado aos rivais alviverdes.
Os palmeirenses responderam na partida seguinte com 4×1 e o título paulista, o que serviu para aumentar o folclore da história. Teria Viola motivado o Palmeiras com sua provocação?
O fato é que comemorações criativas e carregadas de emoção sempre fizeram parte do futebol. Óbvio que alguns casos realmente merecem punição pela completa falta de bom senso, como o do grego Giorgos Katidis, banido da seleção por comemorar com uma saudação nazista.
Na maioria das vezes, entretanto, as ações para coibir as celebrações de atletas parecem subestimar a inteligência dos torcedores que acompanham futebol.
Diego Tardelli, por exemplo, tinha como marca registrada comemorar gols apontado os dedos na direção da torcida como se tivesse uma metralhadora nas mãos.
O atacante recebeu duras críticas, por supostamente incentivar a violência. Como se alguém visse seu gesto, saísse do estádio e fosse diretamente numa loja comprar uma arma de verdade. A violência tem várias causas, sociais, políticas e econômicas. O ato de Tardelli não é uma delas.
A tal ditadura não é exclusividade de juízes e dirigentes, mas também da própria imprensa esportiva, que dias antes de uma partida coloca em pauta a possibilidade (ou não) de um atleta comemorar marcando contra seu ex-clube.
Uma discussão que tomou força nos últimos anos e tornou-se frequente é sobre boleiros que se reencontram com a antiga equipe. E independente do que ele decida fazer na hora do gol, haverá mais falsa polêmica nas mesas redondas.
“Ele faltou com respeito ao ex-time, não pode comemorar!” – “Ele tem que respeitar a camisa que está vestindo, precisa comemorar sim!”
Este é o ponto em que chegamos. O momento de explosão máxima do futebol passa a ser pautado, enquadrado e formatado, ficando cada vez mais genérico e com zero de improviso.
Que essa ditadura acabe, e os jogadores possam voltar a mostrar sua vibração próximos do público. E que não precisem se adaptar a ponto de voltar ao campo com o desânimo de um funcionário batendo o cartão no início de expediente.